Entrevista com o gerente de diversidade na Secretaria de Juventude e Cidadania da Prefeitura de Maringá, Saulo Gaspar. Ele fala sobre o processo de criação e da recepção do projeto de lei que criava o Conselho Municipal LGBTI+, que foi rejeitado na Câmara de Maringá em 2021.
A entrevista ocorreu no dia 9 de março de 2022. Quem entrevistou foi Marcus Carr. Quem gravou foi Linda Guzman.
Este projeto foi produzido com verba do prêmio bolsa pesquisa e fazer artístico cultural de Maringá. Recursos oriundos da Lei Aldir Blanc (Lei federal nº 14.017, de 29 de junho de 2020).
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Entrevista com Saulo Gaspar
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Apresentação. Qual seu nome? Qual seu cargo?
Meu nome é Saulo Gaspar, atualmente sou gerente de diversidade na Secretaria de Juventude e Cidadania na Prefeitura de Maringá.
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O cargo de gerente de diversidade na prefeitura é um cargo recente. Comente sobre seu processo de criação, sua importância, e sua atuação.
A gerência diversidade, ela nasceu no ano passado, né? Nessa nova transição do 2º mandato do Prefeito Ulisses Maia, e foi aprovado no novo organograma, né? Uma luta de movimentos sociais entre o plano diretor, então foi a essa nova gerência, até para que pudesse ser contemplada também esse público aqui na cidade de Maringá, até porque contempla as outras populações, né? Então faltava também ter esse espaço de diálogo, de trabalho, falando em políticas públicas para o público LGBTI+. Então é essa foi assim uma questão assim histórica para todos nós aqui de Maringá, por nascer uma gerência que vai buscar políticas públicas para esse segmento, que é um segmento que na maioria das vezes tem muita discriminação, muita violência, muita falta de aceitação pelas famílias, né? Tem assim um contexto muito difícil. Então para nós foi um momento muito histórico. E a gerência veio então ser criada, né? Para a gente poder tá ali fazendo um trabalho, buscando políticas públicas também para a população LGBTI+.
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Dê exemplos de atuação da gerência. O que tem feito e o que pretende fazer?
A gerência da diversidade, por ser nova, nós conseguimos já trabalhar de forma muito extensa, né? Porque assim a gerente diversidade, ela tá dentro de uma secretaria, de Juventude e Cidadania, que é uma secretaria nova também, recente. E nós temos conquistado diversos trabalhos já em benefício ao público-alvo LGBTI+. Por exemplo, nós lançamos o mapeamento LGBTQIA+ já no começo para a gente poder identificar as demandas dessa população, ouvir as necessidades desse público, e nós conseguimos. E dentro desses apontamentos já conseguimos colocar na prática. Por exemplo, nós criamos na gerência de diversidade o acolhimento psicológico voltado específico para população LGBTI+ com psicólogos voluntários, 90% desses psicólogos são LGBTI+. Então foi uma conquista muito histórica para nós. Depois nós lançamos a mentoria online LGBTI+ para a gente poder fazer ali um preparo para essas pessoas LGBTI+ se prepararem melhor a entrevista, fazer um bom currículo, que seja assertivo, e para que elas consigam também se inserir com mais facilidade no mercado de trabalho também com parceria voluntária, de uma consultora extremamente bem requisitada, que trabalha com a área de diversidade. E também nós trabalhamos com a publicidade LGBTI+ que são aquelas datas a se pautar que é do público LGBTI+ como a visibilidade trans, como a visibilidade lésbica, bissexual; como as datas de impacto muito importante com o dia 17, dia que é o dia internacional de combate à LGBTIfobia; tem o mês do orgulho. Então a gente faz ações que possam também dar uma visibilidade, e a população LGBTI possa se sentir representada. E agora, nós aqui no município, nós temos o plano de metas, cada secretaria tem seu plano de metas, e a gerência de diversidade tem um plano de metas muito bem elaborado para a gente poder conquistar mais ainda, políticas públicas.
Nós iremos fazer nesse primeiro semestre, se tudo correr bem, nós estaremos fazendo capacitações. Capacitação na área da saúde, educação, segurança pública, para poder de fato ter um atendimento humanizado para essa população. Capacitar servidores, servidoras no que diz respeito atendimento LGBTI+. Nós queremos também ampliar essa conquista da mentoria, do acolhimento. Porque tem chegado muita demanda e nós temos transformado essas pessoas. O legal disso que a gente ouve, né? Os relatos, as vivências que com esses projetos andando a gente tem alcançado a população LGBTI+. É o que deixa a gente animado para fazer mais e mais ações e políticas públicas para esse público que é tão discriminado, esquecido, excluído, com suas demandas sempre reprimidas. Nós também juntamente com o acolhimento psicológico LGBTI+, nós temos uma parceria com a justiça restaurativa, que é o Círculo Reflexivo, com esses acolhidos onde a gente trabalha a atenção psíquico social em forma de círculo também. Um projeto em parceria, voluntários também, com assistentes sociais, com a presença dos psicólogos e os acolhidos. Então assim tem sido um momento muito, mas muito significativo para todos nós aqui de Maringá.
E também nós temos ali uma proposta de se fazer mais parcerias com outras instituições, órgãos, por exemplo a Aliança Nacional LGBTI+ a gente está conversando, se aproximando, para gente poder estar realizando. Inclusive nós vamos estar fazendo uma parceria, futuramente que diz respeito também ao atendimento mais voltado à empregabilidade LGBTI+ com servidores, com servidoras, com alguns empresários, com alguns movimentos sociais também para eles também ter essa preparação e essa capacidade de atender essas pessoas e também empregabilizar essas pessoas. E também, nós também estamos nos aproximando, dialogando, articulando também com os membros do Conselho Maringaense dos Direitos da População LGBTI+, que um conselho da sociedade civil, para a gente poder também tá fazendo um preparo de trabalho, futuramente aí para a gente poder tá desenvolvendo e alcançando o público LGBTI+. E muitas outras ações que a gente tá trabalhando, desenhando para que a gente possa alcançar. Que a gerência possa também está crescendo, nos trabalhos, nas atividades e também mais em políticas públicas aí nos próximos anos.
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Como o projeto de criação do conselho chegou até você inicialmente? O que achou? Como foi a recepção do projeto?
O projeto proposto para a criação do Conselho LGBTI+ é uma demanda antiga dos movimentos sociais organizados LGBTI+ de Maringá. Então com a criação da gerência, entendemos que nós teríamos mais força para poder fazer toda a parte de articulação para que de fato a ideia do projeto pudesse ser tramitado, e que pudesse ser de fato discutido o projeto de lei. Nós nos reunimos em alguns encontros com os movimentos sociais, discutimos, analisamos, corrigimos os textos. Como que a gente poderíamos estar desenvolvendo aquele projeto para chegar na câmara. Então, a gerência diversidade teve um papel fundamental junto com os movimentos sociais para que fizesse essa parte de articulação por ser do Executivo, a gerência de diversidade. Nós levamos a proposta para o prefeito Ulisses Maia. Foi feita uma reunião coletiva com todas essas pessoas envolvidas no projeto. E foi muito bem recebido essa proposta pela gestão, por isso que foi muito rápido, a gente conseguiu tramitar em todos os setores, todas as partes envolvidas dentro do Executivo até chegar para tramitar na câmara dos vereadores. Então foi muito bem recebido pela gestão. E nós estávamos cheio de expectativa para que o projeto pudesse de fato ser aprovado. Então foi tramitado certinho. Chegou na câmara, foi discutido, e foi muito muito bem recebido pela gestão.
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Comente sobre o processo de tramitação dentro do Executivo.
A tramitação do projeto da criação do Conselho LGBTI+, primeiro ela passou pela Secretaria de Juventude e Cidadania. Abre-se um processo, para poder encaminhar para a Secretaria de Governo, passar pelo chefe de gabinete, ali faz análise, estudo, dá a ciência da proposta do projeto. E aí é encaminhado para a PROGE, a Procuradoria Geral do município. E ali vai ser verificada a parte jurídica desse processo, avaliar todo o contexto, as cláusulas, os interesses ali do conselho, né? De toda a proposta. Então ali da PROGE ele tramita.
Então eu fiz aquela articulação também, eu como gerente de diversidade, fui lá, fui articular, verificar como é que estava a análise deste projeto. Para a gente poder caminhar de forma muito rápida e dar essa resposta para a sociedade LGBTI+, que tem mais interesse na criação do projeto, e que também apontou no mapeamento que queria essa política pública para o município. Então da PROGE, tramitou para a Secretaria de Governo para dar todos os avals, todas as partes burocráticas de tramitação. E lá da Secretaria de Governo foi encaminhado para a câmara dos vereadores. Lá na câmara de vereadores, passa ali por todas as comissões, também, para que possa de fato chegar o projeto de lei para ser discutido em primeira, segunda, terceira discussões. E esse é o processo que se tramitou para chegar na câmara dos vereadores.
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Como foi o processo de elaboração do texto?
O processo de elaboração do texto foi um processo muito democrático, muito horizontal, todas as pessoas envolvidas, entidades, que são próximas às pautas e também que são dos movimentos sociais organizados juntamente com a gerência, nós elaboramos o texto foi feito um texto. O texto, por ter também profissionais da área de advocacia que tem especialização no direito LGBTI+, isso facilitou muito o processo de estar fazendo a parte escrita do projeto. Então nós não tivemos muitas dificuldades de estar retificando pontos do texto. Então ele foi bem escrito, bem planejado, bem construído, então isso facilitou a tramitação do projeto.
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Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela câmara de vereadores? Você esperava que houvesse alguma objeção?
Na verdade nós trabalhamos com a realidade. Na hora que nós decidimos estar tramitando, levando adiante o projeto, a proposta da criação nós sabíamos que seria assim uma luta muito árdua por ser algo novo aqui na cidade. Sabendo que um público defende x, outro público defende y. E nós colocarmos o recorte referente [à] diversidade assusta um pouco, porque é algo muito novo, é algo que não foi discutido. Porque na verdade é a primeira vez que uma gestão, que um prefeito numa cidade de 75 anos de idade coloca essa pauta para discussão. Então já começa as dificuldades ali. Então é muito novo para ser discutido. Só que seria o primeiro passo dado falando de diversidade, colocando isso em pauta. Então para nós já era muito significativo, já era algo muito vitorioso, quando a gente coloca essa pauta para discutir no município. Então nós estávamos muito esperançosos. E estávamos assim, acreditando que seria possível. E nós lutaríamos pelo impossível, né? Porque o não a gente sempre tem. Então nós buscavamos o sim, numa cidade como Maringá, considerada sempre alí, algumas vezes, a melhor cidade para se viver do Brasil. Então nós acreditávamos que também nós poderíamos estar sendo incluídos na melhor cidade do Brasil, e que a gente pudesse também ter esse retorno dos vereadores da câmara. A gente não queria privilégios, nós queríamos também participar das discussões, dos direitos para esse público.
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Houve algum tipo de tentativa de comunicação com os vereadores para buscar explicar o projeto?
Sim, no momento que nós estávamos cuidando da tramitação, articulando nos bastidores, nós também fomos conversar com os vereadores. Eu lembro que nós tivemos em uma sessão na câmara, nós levamos ali um representante da sociedade civil, dos movimentos sociais organizados, para que pudesse falar dessa importância do projeto, qual que era o objetivo, qual que era a atuação que esse conselho seria para o município, qual o benefício que seria para população LGBTI+, qual o alcanço que isso seria para população. Então nós tivemos esse momento de fala na câmera para poder falar do projeto. Então nós tivemos algumas ações, algumas articulações para que os vereadores, vereadoras pudessem entender qual que era o objetivo desse conselho. Qual que é a proposta. Qual que é o alcance disso para o município. Porque era tudo muito novo. Porque quando fala LGBT as pessoas têm muita resistência, às vezes, na maioria das vezes é até por falta de informação e de entendimento. Então nós tivemos todo esse cuidado também para explicar sobre esse contexto. Que LGBTI+ também é contribuinte, é cidadão, trabalha. E tem os seus direitos como as pessoas cis. Era isso a nossa defesa. Somente isso.
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Você lembra quem era a pessoa representante que foi lá na câmara dos vereadores discursar?
Eu me lembro que nós encaminhamos a pessoa, Franciele Rocha. Que naquele contexto ela era a presidenta da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB. E por ela também ter feito muito parte do processo, e por ter uma especialização dos direitos LGBTI+, nós entendemos que era a pessoa mais preparada e qualificada para fazer esse discurso de conscientização e de mobilização em defesa desta proposta da criação do conselho.
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Houve uma emenda pela: remoção do caráter deliberativo e fiscalizador do conselho.
Na verdade nós não concordamos assim com todas essas emendas. Nós achamos que houve muitas emendas, não teve nem tempo de nós entendermos cada emenda, nem os vereadores, nem as vereadoras foram muito rápidas essas emendas. E nós acreditamos assim, com essas emendas tira o objetivo da construção do projeto. Porque nós precisamos que ele seja consultivo, deliberativo. É importante assim como os outros conselhos que existem. Nós hoje temos média de 30 conselhos ativos aqui em Maringá. Então nós queríamos que fosse igual aos outros, semelhante aos outros conselhos. Por que tirar essa importância de deliberar e de ser consultivo? É muito semelhante aos outros conselhos. Então nós não entendemos porque eles queriam tirar isso, porque os outros conselhos têm esse formato.
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Houve uma emenda pela: remoção da competência de participação orçamentária do conselho.
Nós entendemos, quando eu falo nós, eu sou representante do Executivo na área de diversidade, mas também nós dialogamos muito com os movimentos sociais organizados. Então nós entendemos que a questão de orçamento não faz sentido, por que? Porque os outros conselhos também têm um orçamento previsto, ali para gastos de R$13.000,00. É o gasto mínimo. Todos os conselhos têm esse gasto previsto, todos. Porque o Conselho LGBTI+ não teria esse gasto previsto se os demais tem esses gastos? Então nós não entendemos também porque eles queriam também estar retificando esse contexto.
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Houve uma emenda pela: inclusão de 2 vagas no conselho a serem escolhidas pela OAB e pela OPEM.
Olha essa emenda também nós até discutimos posteriormente às duas discussões do conselho. A proposta era muito clara. Quando a gente fala assim como os outros conselhos, é porque nós nos baseamos [nos] outros conselhos já existentes aqui no município, ou em outros estados, ou em outras cidades do Brasil. Nós entendemos que a proposta é um projeto de conselho municipal dos direitos da população LGBTI+. Quando a gente coloca um projeto específico ao público específico nós entendemos que a paridade entre gov e não gov, o não gov ele teria que ter um formato da população LGBTI+. Certo? Que aí entra OPEM e OAB, que eles são não gov.
Então não faz sentido nós criarmos uma proposta de projeto LGBTI+ se não for ocupada as cadeiras por LGBTI+ [no] não gov, não faz sentido isso. Assim como hoje nós temos um conselho, por exemplo, vamos colocar na área da saúde, a maioria das cadeiras tem que ser pessoas específicas da área da saúde. Porque a discussão vai ser para esse público-alvo, para o pessoal da área da saúde. E tem outro, o esporte, tem um para portadores de deficiência, quem vai ocupar as cadeiras não gov? É as pessoas portadoras de deficiência, porque as demandas são para esse público. Não faz sentido convidar outras pessoas para fazer parte, se o assunto é para aquelas pessoas, para aquele público, eu digo os não gov.
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Houve uma emenda pela: remoção do requerimento que representantes da sociedade civil estarem “atuantes no campo da promoção e defesa dos direitos de pessoas LGBTI+”, passando a permitir a participação de representantes de qualquer área de promoção dos direitos humanos.
Eu volto a dizer que daí tira essa importância e o objetivo da proposta do projeto. Que daí acaba criando, descentralizando os objetivos do conselho, sabe? Porque os outros conselhos não tiveram essas barreiras de descentralizações, e de tiradas de objetivos, de autonomia do que vai ser trabalhado. E esse, o conselho LGBT, eles queriam colocar assim como se eu fosse um conselho trabalhado por todos os direitos humanos, e não é isso o nosso objetivo. Até porque as outras as outras populações, por exemplo, nós temos o Conselho da Igualdade Racial, nós temos o Conselho do Migrante, então já tem essas pessoas representadas. Então o formato nosso não é que fosse um conselho voltado para os direitos humanos em si, mas sim pelos direitos da população LGBTI+. É um conselho específico. Assim como existem os outros conselhos específicos. Nós também não aceitamos essa retificação.
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Houve uma emenda pela: remoção da recomendação de um mínimo de 50% de representatividade feminina no conselho.
Nós entendemos que também, quando coloca 50% do cargo feminino, também foge da proposta que nós colocamos lá. Porque assim, a ideia é que seja um conselho paritário: metade gov, que está na gestão, e metade não gov, sociedade civil, certo? Esses não gov, eles seriam da população LGBTI+. Então poderiam ser lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, e intersexuais. Então ficaria muito difícil nós colocarmos isso em 50% só do recorte do gênero feminino. Então nós entendemos também que essa emenda não nos contemplaria o formato e a nossa proposta. Nós entendemos que não contemplaria.
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Qual sua visão sobre o arquivamento de todas as emendas?
O arquivamento nós entendemos que foi o pontapé, na verdade ali, dá, eu não vou dizer da derrota, mas não da aprovação, que nós fomos vitoriosos. Nós colocamos em pauta para discutir, nós articulamos. Nós fizemos o dever de casa. E foi o pontapé para que não fosse aprovado. Porque quando você arquiva todas essas emendas você não vê oportunidade de discussões, de mais discussões. Para que de fato pudesse ter tido mais aproveitamento da ideia, da proposta colocada mais em discussão, conseguisse reunir mais elementos para que de fato essas emendas pudessem ser também contempladas. Porque quando coloca emenda a gente vai arrumando o que tá ali para ser retificado. ‘Tá bom, tem uma emenda, vamos trabalhar, vamos conversar, vamos chamar esse segmento, vamos avaliar, vamos entender porque esse contexto dessa emenda’. Apesar que foram muitas emendas em pouco tempo. Foi em horas as emendas colocadas. E em poucas horas, elas foram arquivadas. Então nós entendemos que foi esse o caminho do arquivamento que foi o ponto chave de a câmara dos vereadores e vereadoras não aprovar o nosso projeto. Foi por ali, nós entendemos dessa forma.
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Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela população maringaense?
Como eu havia dito, um projeto muito novo para a cidade. Mas eu consegui verificar, nós, todos nós ali dos movimentos, as pessoas que eu estavam ali na luta, na articulação que foi recebido de uma forma muito assim natural. Houve uma certa resistência, mas nós entendemos que muitas das pessoas que não eram LGBT também [abraçaram] esse projeto, essa construção porque falava de direitos, e nós também temos direitos. A constituição garante os nossos direitos. Então no geral mesmo a gente ficou muito grato, muito feliz pelo alcance que nós tivemos. Não é o barulho que nós fizemos, mas assim, por acreditar que nós fomos muito corajosos de colocar uma pauta nova dentro de uma cidade como Maringá, como muitas cidades que sempre tem um público opositor às coisas novas, e tem aquela resistência. Então nós entendemos que foi muito bem aceito. Claro que não agrada todos os públicos, sempre vai ter aquele um que não vai tar ali beneficiando tal, acaba sendo oposição. Mas numa grande maioria a gente vê com bons olhos a criação desse projeto.
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Ao que você atribui a rejeição do projeto na câmara?
A rejeição do projeto para nós ficou bem assim claro, que esse projeto, a rejeição dele foi por falta de discussões. É assim, a gente acredita que faltou mais elementos, faltou conversar mais, a câmera conversar mais, a gente poder ter trazido mais elementos de, não falo de convencimento, mas de conscientização. Trabalhar mais ali pautado ao direito do cidadão. Entender um pouco mais qual que era o objetivo do conselho, qual que era a proposta dele. Eu acho que faltou discussões, a rejeição é essa, faltou discussões. E é claro que nós tivemos também um público pressionando muito a câmara dos vereadores, para não aprovação. Nós tivemos um público específico, que é sempre, todo lugar tem um público que é opositor. Nós tivemos essa parcela da sociedade, nós não vamos falar que a sociedade maringaense foi responsável por isso, porque a sociedade maringaense, nós entendemos que aceitou, que aceitou que eu digo assim, que respeitou e aceitou o formato da proposta para também atingir essa população que é excluída. Mas nós verificamos que uma parte dela dessa população também pressionou muito ali.
E assim a rejeição teve assim parcela de alguns pontos, inclusive as emendas. Essa parte, essa pressão e a falta de tempo, tempo para discutir, porque hoje nós vimos diariamente ali nas sessões que tem a primeira discussão, segunda, terceira. E na primeira discussão, nós fomos vitoriosos. Gostaria de deixar registrado que nós fomos vitoriosos na primeira discussão. Porque na primeira discussão ele foi aprovado por 10 vereadores, e só 4 não aprovaram. Só que daí nós tivemos a questão de ficar mais algumas sessões sem discutir. Parou, e depois voltou na segunda, foi aí que nós tivemos todos esses resultados que não foram positivos. Faltou informação, faltou discussão. Teve uma parcela de uma população que estava pressionando muito para que isso não acontecesse. Enfim. Os pontos foram esses para acontecer a rejeição do projeto.
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Você consegue identificar algum tipo de articulação/movimento/ação que poderia ser feito para aumentar a chance do projeto passar?
Como nós tínhamos urgência desse projeto, até porque tava acontecendo em outros lugares também essa articulação para que o conselho pudesse dar certo, até porque no Paraná nós temos um conselho voltado para a população LGBTI+. Eu acredito que nós poderíamos ter trabalhado diferente. Com mais calma, com mais tranquilidade, trazer mais discussões entre sociedade civil, governo, vereadores. Trazer mais elementos, trazer mais importância. Saber porque estamos aqui com esse projeto para onde queremos chegar. Eu acho que a gente, com esse ponto aí, sabe, chamar todas as sociedades, chamar todos os movimentos que são LGBT ou não são LGBT, fazer um chamamento ou uma conferência. Colocar na evidência para Maringá toda saber que essa proposta, desse projeto 16058/2021, era para isso simplesmente. Era para ser um controle social, para contribuir, para trazer demandas para a gestão, para o Executivo. Para de fato a gente também estar contemplados, incluídos.
Eu acho que faltou mais essa preparação. Faltou um plano melhor de ações que pudesse trazer todas essas discussões de forma bem assim transparente, mais ampla, mais horizontal. Quando eu falo mais horizontal, chamar mais Maringá, não só o nosso público. E nos reunir todo mundo para que de fato nós pudéssemos, de fato, ser aprovado o projeto. Porque o projeto é fantástico. Não tem nada além do que direitos para essa população também. Então eu acho que faltou essa articulação mais ampla, com mais discussões, mais informações para que os vereadores, as vereadoras tiveram um preparo ainda mais ágil, melhor para poder também fazer as suas defesas com aquelas emendas. Às vezes se tivesse todo esse trabalho feito, não teriam nem emendas. E aí a população e os movimentos sociais LGBTI+ também conseguiriam estar fazendo algumas retificações em alguns entendimentos que de fato, ‘olha isso aqui não é importante, vamos ajustar isso aqui’. Para de fato chegar a uma proposta bem coerente e nós não tiver dando problema ou dificuldade para que o projeto não seja aprovado. Então eu acredito que faltou toda essa parte mais ampla de discussão.
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Houve uma crítica que: o conselho não deveria poder atuar no campo da educação.
Primeiro que o conselho ele seria um controle social. Ele ajudaria muito a gestão. E na área da educação, não tem o porquê nós não trabalharmos na área de educação. Até porque no município existe uma lei. Hoje no município de Maringá existe uma lei específica que é a Lei Escola Sem Homofobia, que a gente precisa trabalhar. Nós estamos já articulando para trabalhar sobre essa questão. Então não faz sentido o conselho juntamente com a gestão não trabalhar na área da educação, se nós temos uma lei que fala escola sem homofobia, não é? E escola sem homofobia é educação. Nós precisamos trabalhar nesse setor. Nós precisamos capacitar essa área também para que possa preparar bem o ambiente, o espaço escolar para as crianças. Começar pela base. Os professores, os funcionários. Não tem como nós não trabalharmos com a educação se é um dos pontos mais importantes da sociedade. Não faz sentido.
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Houve uma crítica que: não há necessidade de criar um conselho LGBT, já que essas questões poderiam ser abordadas em outros conselhos.
É muito importante que todos os públicos tenham participação em todos os conselhos. Isso é democracia. Isso é trabalho em conjunto, coletivo. Só que os demais conselhos, eles vão trabalhar demandas específicas daqueles conselhos. Eles não vão dar atenção, um olhar direcionado para o público LGBTI+. É diferente. O que nós propomos é que as políticas públicas, a atenção, o olhar direcionado é para nosso público LGBTI+, que tem as suas especificidades. Lá eles não vão trabalhar essas especificidades, eles vão trabalhar as especificidades daquele conselho. Então seria só uma cadeira representando LGBTI+, mas não vai ser trabalhado de forma direcionada. Então nós precisamos sim ter nosso espaço para trabalhar com o nosso público, com a nossa especificidade.
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Houve uma crítica de que: o caráter deliberativo e fiscalizador permitiria ao conselho patrulhar o pensamento e a conduta das outras pessoas, fazendo com que líderes religiosos se sentissem ameaçados de poder sofrer algum tipo de sanção do conselho.
Na verdade essa crítica ela vem de uma população muito específica, um público muito específico que não quer que os nossos direitos LGBTI+ sejam discutidos, sejam trabalhados. E que são opositores à criação do projeto. É normal eles terem essa resistência e não entender com a proposta do conselho, achando que o conselho tem uma outra função. Não, o conselho LGBTI+ é explícito: é para controlar as políticas públicas do Executivo, a atribuição é para trazer demandas para nós discutirmos. Não é para nós ficarmos ameaçando públicos da sociedade civil, não é esse o objetivo. Então essa população específica aqui de Maringá, eles não entenderam a proposta, então eles se sentiram ameaçados e punidos achando que ali eles teriam problema se realmente fosse criado esse conselho. Não tem nada a ver com a religião, não tem nada a ver com motivos ideológicos, não. Aqui a ideia, a proposta é simples: na garantia dos direitos dessa população que tem essa especificidade, tem essa discriminação, tem essa violência, tem é essa violação. E esse público específico não entende as nossas especificidades.
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Tem algum conselho ou dica que você daria para pessoas em outras cidades que estão pensando em implementar um projeto similar?
Sim, até eu articulei com outros representantes do Executivo de outras cidades, por exemplo, dei algumas dicas para eles não sofrerem, para não ter [as] dificuldades que nós tivemos, que eu coloquei agora a pouco, fazer um caminho inverso do que nós fizemos. Para que de fato eles lá consigam aprovação, né? Até por exemplo, Londrina após o nosso também teve essa questão, essa resistência e não conseguiram também aprovar, mas eles já estavam tentando bem antes de nós e lá eles não conseguiram. Então eu pontuei algumas questões, que eles poderiam fazer o caminho inverso, com mais calma, trazer toda a sociedade maringaense, discutir, trazer a relevância do projeto, para depois sim encaminhar para de fato que lá possa ser aprovado.
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Está ocorrendo uma organização para a criação do conselho como organização não governamental. Qual sua avaliação disso?
Eu acho assim, importantíssimo. Porque se nós não conseguimos por esse caminho, que era o projeto de lei. Quando é um projeto de lei é algo concreto, ninguém vai tirar quando é lei. Mas eu entendo assim, que quando há um outro caminho igual o conselho maringaense dos direitos da população LGBTI+ que é essa movimentação que tá acontecendo, que é só da sociedade civil, é uma oportunidade também de nós trabalharmos juntos, de nós conquistarmos juntos, de nós fazermos o controle social juntos. É possível fazer as coisas juntos, mesmo sem ser um projeto de lei. E digo mais, é uma chance, uma oportunidade única de a gente demonstrar, e da gente comprovar, que o trabalho nada mais é do que esse, a proposta é essa, só não é um projeto de lei, mas o objetivo é o mesmo. Então assim, eu vejo com bons olhos tudo que é criado com benefício e pensando no bem comum da população LGBTI+.
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Explique o termo controle social.
O que é o controle social? Ele vai conseguir discutir, contribuir ali com o Executivo, no caso se não for projeto de lei, se for só o controle da sociedade civil, sendo um conselho da sociedade civil, ele vai conseguir por exemplo: entra em contato com a gerência, que é do Executivo, ‘como é que tá as demandas?’, ‘tem alguma forma da gente poder fazer esse trabalho?’, ‘tem orçamento para isso?’, ‘como é que está sendo trabalhado?’. Ele pode fazer esses questionamentos, tirar essas informações que está sendo trabalhado na área da diversidade, propor. É um controle social, entre sociedade, o que que tá acontecendo dentro do Executivo na área da diversidade. Nós estamos alcançando essa população? Nós estamos conseguindo ter condições físicas, financeiras para a gente poder estar trabalhando com o recorte da diversidade? É uma forma de ter um controle social, dentro do Executivo. Nós temos esse espaço em Maringá. Hoje nós não temos o conselho como projeto de lei. Mas agora está tendo essa movimentação do conselho da sociedade, é uma forma de que tá trabalhando mão-dupla também e havendo o controle social normalmente. Esse é o fator controle social. Saber o que tá acontecendo, perguntando, trazendo demandas, informando, analisando. Tudo voltado à diversidade.
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Tem algo a mais que você gostaria de dizer? Conclusões.
Diante de todas as nossas discussões, os nossos trabalhos envolvidos com todas as pessoas que participaram para que de fato esse conselho chegasse na câmara. Eu quero dizer que fomos vitoriosos. Eu quero deixar bem claro que nós fomos vitoriosos e que nós vamos continuar na luta. Porque a luta, ela é como um oceano, não tem fim. Hoje a gente não conseguiu por esse caminho, nós vamos por esse e nós vamos conseguir, nós vamos continuar a batalhar, a buscar todas as formas possíveis que a diversidade possa ser trabalhada no município de Maringá com parcerias, com apoio, com articulação. E vamos trabalhar de forma assim bem pragmática, para que nós possamos também, num outro momento, trazer essa proposta de novo para a gente conseguir o projeto de lei. Porque quando existe um projeto de lei a gente tem uma garantia, por lei. E hoje as nossas garantias por lei são muito menores que outras garantias aí. Então eu acho que o caminho é esse.