Entrevista com o procurador jurídico da Câmara de Maringá, Odacir Júnior. Ele fala sobre os aspectos legais do projeto de lei que criava o Conselho Municipal LGBTI+, que foi rejeitado na Câmara de Maringá em 2021.

A entrevista ocorreu no dia 10 de março de 2022. Quem entrevistou foi Marcus Carr. Quem gravou foi Linda Guzman.

Este projeto foi produzido com verba do prêmio bolsa pesquisa e fazer artístico cultural de Maringá. Recursos oriundos da Lei Aldir Blanc (Lei federal nº 14.017, de 29 de junho de 2020).


# Entrevista com Odacir Fiorini Júnior

# Apresentação. Qual seu nome? Qual seu cargo?

Meu nome é Odacir Fiorini Júnior. Atualmente eu sou o procurador jurídico da Câmara de Vereadores de Maringá, que é responsável pela coordenação dos trabalhos jurídicos junto à instituição Câmara de Vereadores, coordenando uma equipe de três advogados de carreira concursados, que já tem mais de 10 anos de experiência no mercado.


# Qual é a função da Procuradoria Jurídica da Câmara? Como é sua atuação?

A função da Procuradoria Jurídica da Câmara, que nós chamamos carinhosamente de PROJUR, a função da PROJUR é basicamente é a assessoria dos atos jurídicos que precisam ser executados na câmara de vereadores. Com ênfase na assessoria à presidência da câmara, ao vereador eleito como presidente, bem como à mesa diretora. E também a assessoria dos atos administrativos, por exemplo, processo de licitação que precisa de um parecer jurídico, um processo de promoção funcional que precisa de um parecer jurídico. Mas assim, 80% do volume das atividades da procuradoria é voltado especificamente à assessoria dos atos jurídicos políticos que acontecem dentro da câmara de vereadores. Por exemplo, um determinado vereador que apresenta um projeto de lei, e esse projeto precisa passar pela procuradoria para uma análise da legalidade, da constitucionalidade do projeto. Para saber se esse projeto está adequado a ser levado ao plenário, para que daí os vereadores possam exercer a função de votar e aprovar o projeto que foi indicado por um deles, ou pelo prefeito, ou pela mesa diretora, ou até mesmo pela sociedade civil através da indicação popular.


# Como é em geral o processo de avaliação de projetos de lei da Procuradoria Jurídica?

Basicamente a avaliação de um projeto de lei, ela acontece da seguinte forma. Uma vez que o projeto tenha sido proposto, e aí o caminho para o projeto ser proposto ele passa pela indicação de um vereador ou grupo de vereadores, porque o projeto ele pode ter coautores; esse projeto ele pode ser proposto também por uma das comissões temáticas da casa; ele pode ser proposto pela mesa diretora da câmara de vereadores; ele pode ser proposto pelo prefeito municipal, que encaminha uma mensagem de lei para a câmara de vereadores. E dentre todo este universo, quando esse projeto ele adentra no nosso protocolo, e ele é inserido no nosso sistema eletrônico–no momento a câmara de vereadores, ela trabalha com o SEI, que é o Sistema Eletrônico de Informações, uma parceria com Tribunal Regional Federal 4–esse projeto estando no sistema, ele fica aguardando o momento que ele é lido no plenário.

O que é a leitura de um projeto no plenário? No início de toda a sessão ordinária, após o momento inicial que está no nosso regimento, que é o momento regimental da leitura de uma mensagem bíblica, o presidente em exercício dá como aberta a sessão, e aí passa a se ler as correspondências recebidas e a ordem do dia. Nesse momento é feito a leitura do projeto, que é nada mais que lê que existe um projeto de autoria de um vereador, ou daqueles núcleos que eu comentei com vocês que podem estar propondo a criação de uma lei, e qual é a temática. Então de maneira resumida: ‘olha projeto de lei de iniciativa do vereador fulano de tal, que versa sobre o assunto tal’. É só isso que é feita a leitura. Não se entra nos detalhes do projeto de lei, porque essa é uma fase inicial. Feito essa leitura, isso é registrado no sistema que o projeto foi lido no plenário, e aí na estrutura da Câmara de Vereadores de Maringá, esse projeto é direcionado para nós da procuradoria jurídica. Que é quando nós vamos acolher o projeto fazer a leitura da mensagem de lei ou do projeto de lei e vamos avaliar dentro de alguns aspectos quais seriam os quesitos que precisam ser corrigidos ou se esse projeto já estaria apto para poder estar indo ao plenário.

É muito importante deixar claro com vocês que essa é uma etapa técnica. Nós na procuradoria jurídica não entramos no mérito de um projeto de lei. Então independente de qual é a temática do projeto, pode ser um projeto às vezes muito bom, pode ser um projeto que na visão da sociedade ou de outros vereadores, sem ser aquele que esteja fazendo a propositura, não esteja adequado. Para a procuradoria isso não é um fator de decisão. Nós não podemos questionar o mérito, e eu não posso fazer avaliação política de um projet. Por que? Porque minha função é técnica. Eu tenho que ser isento e neutro. Eu tenho que garantir que o andamento do trâmite dentro da procuradoria seja neutro para que todos os vereadores de acordo com o seu posicionamento político, a sua equipe de apoio, e o seu eleitorado possam ser atendidos. Então a nossa análise é técnica. Então partindo desse pressuposto nós vamos verificar o interesse social, qual é o interesse por trás desse projeto, se esse projeto ele cumpre os requisitos de legalidade, se cumprir os requisitos de constitucionalidade, de regimentalidade. Porque os nossos atos aqui na câmara de vereadores são definidos pela Lei Orgânica do Município e pelo regimento interno vigente.

E se ele cumprir todos esses requisitos, nós vamos indicar que o projeto estaria apto a tramitar. Se algum desses requisitos não está cumprido, mas é de fácil correção, nós podemos indicar que o projeto está apto, mas que apresentam algumas ressalvas, que são detalhes técnicos que precisam ser corrigidos. Por exemplo, faltou juntar um consentimento da família ou é uma declaração de despesa do ordenador, que são requisitos fundamentais para a tramitação mas são fáceis de serem corrigidos. Então nós apresentamos uma opção de ressalva para que as comissões ou os vereadores em plenária se certifiquem que esse quesito técnico foi atingido.

Agora pode acontecer de determinados quesitos não estarem aptos, que o nosso parecer seja, por exemplo, um parecer negativo. Porque nós conseguimos levantar e identificar aspectos técnicos que infringem princípios que sejam constitucionais, da norma da Constituição Federal ou da Constituição do Estado do Paraná ou até mesmo da Lei Orgânica do Município ou já existe uma determinada lei e esse projeto de lei às vezes pode estar em conflito com outra lei. Então são quesitos que realmente são impeditivos para que o projeto tramite.

Agora é muito importante deixar claro que o parecer jurídico nos projetos de lei, ele é meramente opinativo. Como eu falei, nossa função é apresentar um parecer técnico, então ele é opinativo. O juízo de valor em construção, que é o valor dos edis, dos vereadores que vão manifestar o seu voto no plenário, ele é de construção do vereador. Então se houver uma negativa por parte da procuradoria de um quesito, por exemplo, que é constitucional regimental ou de legalidade, as comissões que vão avaliar esse projeto na sequência, que é a Comissão de Constituição e Justiça, a Comissão de Finanças e Orçamento, e a Comissão de Políticas Gerais, elas podem com base nesse parecer opinativo apresentar ‘olha realmente nós concordamos e isso é um impeditivos do projeto’, principalmente a Comissão de Constituição e Justiça porque ela pode sim apresentar um parecer de inadmissibilidade do projeto e aí esse projeto ele já seria orientado para arquivo, e não chega a ir ao plenário para discussão. Agora as demais comissões apresentam os seus pareceres negativos que tendem a ser norteadores para os vereadores no ato da votação. O vereador é obrigado a seguir esses pareceres? Não. Como eu volto a dizer, é um juízo de valor político que é construído com suas bases eleitorais, que construído com seus gabinetes, que é construído com o posicionamento político do vereador. Então a nossa função é técnica exatamente para fomentar que o vereador possa ter essa liberdade de fazer a avaliação política e não a avaliação técnica. A avaliação técnica a procuradoria, as comissões estão alí ajudando e auxiliando o vereador nesse quesito. Agora a questão do voto realmente é uma faculdade exclusiva do vereador.


# Pode explicar como funciona o processo de criação de um conselho municipal?

Normalmente, os conselhos municipais são prerrogativas do Poder Executivo. Por que? Porque é o Executivo que encaminha o projeto, a mensagem de lei para criação de um conselho municipal. Então a definição, a necessidade, a elaboração desse projeto de lei é única e exclusivamente do Poder Executivo. O que acontece? Uma vez que esse projeto é protocolado na casa, essa mensagem de lei é protocolada na casa, é feito o seu processo de leitura, ela é encaminhada para a procuradoria jurídica da câmara, a procuradoria, a PROJUR, ela vai fazer a análise técnica e verificar se existe algum erro. Às vezes no princípio de redação, se a técnica de redação da lei está adequada. Isso é feito em parceria com uma outra área que existe aqui na câmara de vereadores, que é a redação. Nós temos uma área, que é uma diretoria legislativa, e dentro dessa diretoria nós temos subdivisões dentro dela. E uma dessas áreas é específica para auxiliar nessa questão da técnica da redação do projeto de lei. Então nós podemos avaliar esse detalhe. Nós podemos avaliar se tem um desses princípios que estão sendo infringidos e apresentamos. Feita essa apresentação, o projeto, ele tramita para as comissões. Então ele vai passar pela Comissão de Constituição e Justiça, ele vai passar pela Comissão de Finanças e Orçamento, e ele vai passar pela Comissão de Políticas Gerais. Passou pelas três comissões, projeto sendo considerado apto a tramitar ao plenário, ele fica aguardando que o presidente da câmara coloque ele na ordem do dia, apresente ele para a pauta. Apresentou ele para a pauta, ele entra na sequência dos projetos que serão discutidos, e é feito a sua leitura no plenário, e aí começa-se o processo de discussão e de votação do projeto de lei.

Tecnicamente o regimento interno da câmara de vereadores prevê três votações. Contudo essa terceira votação ela só vai acontecer se houver necessidade de alterar a redação de um projeto. Se não, são apenas duas votações. A primeira votação que basicamente ela se concentra no aspecto técnico da lei, que é basicamente se ela é constitucional, se ela é regimental, se ela é legal. E a segunda votação que ela já tem um teor mais político. Aí realmente é a vontade das bases que impulsionam os vereadores pelas quais o vereador foi eleito. E a terceira votação? Se porventura na primeira ou na segunda votação foi apresentada alguma emenda que possa adicionar, excluir, modificar ou até mesmo substituir a mensagem de lei que foi apresentada, após essas duas votações existe a necessidade da realização dessa terceira votação para se votar especificamente o texto da lei. É muito importante, nessa terceira votação não se discute o aspecto da lei, o teor da lei, o que nós falamos do mérito da lei. Nós estamos falando se a redação tá correta. Se o A maiúsculo tá no lugar do A maiúsculo. Se a numeração dos artigos está correta. Se a numeração dos parágrafos está correta. De acordo com o que foi aprovado nas duas primeiras votações. Então esse seria o princípio, o processo de votação de um projeto de lei qualquer.


# Qual foi a avaliação da Procuradoria Jurídica do projeto de lei de criação do Conselho Municipal de Direitos LGBTI+?

Olha esse projeto ele tramitou na casa no ano passado. Num primeiro momento por parte da procuradoria jurídica da câmara de vereadores não houve problemas no projeto, problemas técnicos. Como volto a dizer, problemas técnicos. Na verdade nós apresentamos um parecer que o projeto estaria apto a tramitar, e apresentamos uma ressalva técnica, na verdade. Dentro da composição dos membros do conselho é comum que o Executivo oferte uma vaga para um representante da câmara de vereadores. E esse conselho não tinha essa indicação de um representante. Então nós sugerimos, às comissões e aos vereadores em plenário, que deliberassem a possibilidade de incluir um representante do Poder Legislativo, como existem em todos os outros conselhos existentes na cidade de Maringá. Então essa acho que foi o nosso parecer, que o projeto estava apto, com a ressalva de sugestão da criação de uma vaga de representante do Poder Legislativo.


# Caso o conselho estivesse implantado e em funcionamento, como seria o seu processo de implantação de políticas públicas?

Vamos citar, uma vez que o conselho não teve seu projeto aprovado, vou citar com base nos demais conselhos existentes na cidade de Maringá. Basicamente, após o conselho ser aprovado e ele se tornar uma lei, o Executivo ele deve convidar algumas pessoas para fazer parte do conselho. Algumas são indicações diretas dele e outras ele acaba convidando. Então ele encaminha, por exemplo, aqui para câmara de vereadores aos cuidados do presidente em exercício na legislatura um pedido para que seja indicado um representante da câmara. Dependendo da área ele encaminha para a sociedade civil organizada pedidos para que sejam indicados. É muito comum, às vezes, dependendo do teor do conselho terão representantes, às vezes, da OAB, do CREA, Conselho Regional de Medicina, Conselho Regional de Farmácia. Depende muito do teor do conselho. Uma vez indicado esses membros inclusive do Executivo e da sociedade civil organizada e do Legislativo, o conselho ele se reúne, ele toma forma. O prefeito ele faz um decreto de nomeação e nomeia os membros que fazem parte do conselho. Ali foi criado o conselho. O conselho foi criado numa lei e ali houve a composição do conselho.

A partir desse momento esse conselho ele vai precisar criar a sua forma de trabalho. Então normalmente os conselheiros, um dos primeiros atos é criar o regimento do conselho. E esse regimento é que vai dizer: periodicidade de reuniões, como é que eles se organizam, como eles estruturam. Algumas coisas a mensagem de lei já traz para o conselho, mas é o regimento do conselho que vai ordenar a ação do conselho. E isso é a cargo do Poder Executivo. É o Executivo que vai acompanhar esse trâmite. Aí a câmara de vereadores a partir do momento da votação, aprovação, envio dessa mensagem, sanção pelo prefeito, publicação, autógrafo, tudo que rege a estrutura de uma lei, cabe aos vereadores apenas a fiscalização dos atos do conselho.


# A proposta do conselho estipulava a criação de um órgão de natureza deliberativa. O que isso significa?

Normalmente os conselhos criados no município de Maringá, eles possuem natureza deliberativa, que é a função de aconselhamento do prefeito nos atos que precisam ser executados. E por que deliberativa? Porque a plenária do conselho tem o poder de orientar o prefeito. Vou citar um exemplo, o Conselho de Meio Ambiente. O Conselho de Meio Ambiente, quando o assunto é uma temática que envolve o meio ambiente, a plenária do conselho orienta de forma deliberativa o Poder Executivo para a condução dos atos que o Executivo pretende trabalhar com o meio ambiente. É por isso que existe o Conselho do Meio Ambiente.

Já para o Poder Legislativo, esse conselho ele não tem esse caráter deliberativo, é um caráter opinativo. É como se fosse um conselho que vai colaborar com as informações para os vereadores. A maior parte dos vereadores sempre tá em comum unidade ali com o conselho, até porque nós temos representantes nos conselhos também. Mas existe essa necessidade de que se o vereador, num determinado projeto que precisa passar pelo conselho, ele entender que a opinião do vereador é divergente do conselho, ele pode sim tomar uma decisão divergente do conselho. Por que? Porque cabe ao prefeito na função do conselho ser deliberativo, optar por vetar ou sancionar a lei que o vereador esteja encaminhando para eles lá. Então quem tem que se preocupar com o aspecto deliberativo acaba sendo o Poder Executivo. Para o Legislativo é só mais um aspecto realmente de consulta.


# Quais os limites dessa natureza deliberativa para o Poder Executivo?

É um pouco relativo. Porque normalmente os conselheiros já são compostos por indicações do prefeito. O próprio conselho ele vai ter alguns indicados que fazem parte da estrutura do Poder Executivo. Então, eles deliberam basicamente como esse conselho vai se comportar, como esse conselho ele vai caminhar. Para um determinado tipo de conselho, vai trabalhar sobre determinados tipos de assunto. Vou citar um exemplo: Conselho Municipal de Assistência Social. Poxa o Conselho Municipal ele vai deliberar por exemplo sobre órgãos e entidades que querem fazer parte e às vezes até passar a receber aqueles incentivos do poder municipal para custear as suas operações. Determinada entidade trabalha especificamente com acolhimento de pessoas em situação de rua e ela precisa de um subsídio do poder municipal, o Conselho Municipal de Assistência Social vai trabalhar esse aspecto.

Então o conselho tem essa função deliberativa porque ele acaba tomando importantes decisões que fundamentam a execução das secretarias vinculadas ao Poder Executivo. Essa seria a natureza e os limites desse deliberar. Agora a secretaria e o prefeito poderiam tomar ações divergentes? Poderiam. Agora é possível que nessa divergência o próprio Ministério Público acabe fazendo alguma intervenção junto ao Poder Executivo querendo questionar o porquê. Porque se tem a natureza deliberativa haveria uma necessidade de alinhamento das decisões junto com a necessidade do Poder Executivo.


# A proposta do conselho estipulava a criação de um órgão de natureza fiscalizadora. O que isso significa?

Muito semelhante à natureza deliberativa, os conselhos criados em suas áreas de atuação acabam passando por uma natureza de órgão fiscalizador. Muito semelhante a um observatório social ou a um outro conselho que existe no município, a função é acompanhar se a execução da política pública para que o Poder Executivo esteja traçando a meta ou o direcionamento, e que seja vinculado àquele conselho. Eu não posso, por exemplo, o Conselho de Meio Ambiente estar finalizando por exemplo a natureza econômico fiscal da Secretaria de Fazenda; não tem nexo. Quem faz esse acompanhamento é o Conselho Fiscal. Da mesma maneira que o Conselho Fiscal não estaria atribuindo ali nas funções do Conselho do Meio Ambiente, e assim por diante. Cada conselho tem sua natureza específica. E a fiscalização se dá exatamente dos atos que o Poder Executivo esteja caminhando com ele e de acordo com o andamento do que foi proposto pelo conselho específico. Então se é uma ação de natureza e meio ambiente, tá alinhado com a recomendação do Conselho de Meio Ambiente? Ok. É uma ação fiscal, tá alinhado com a ação do Conselho Fiscal? Ok. É uma ação do plano diretor, está alinhado com o que o Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial está prevendo para a ação? Ok. Tem nexo. Então essa seria a natureza do poder fiscalizador.

Não é a mesma natureza, por exemplo, que o vereador tem de como poder fiscalizador do município. Nós temos que entender que são órgãos distintos. O vereador ele tem nas suas atribuições, a partir do momento que ele é eleito, a natureza de ser um agente fiscalizador das ações do Poder Executivo. O conselho tem uma vinculação com o Poder Executivo, então ele também realiza e norteia esse quesito que fiscalizador? Norteia. Mas levando em consideração que é um órgão do Executivo fiscalizando as ações do Executivo. Já o vereador é um poder, Poder Legislativo, fiscalizando ação de um outro poder, Poder Executivo.


# Os poderes de fiscalização do conselho são mais abrangentes que os concedidos a uma pessoa física?

São. Por mais que nós tenhamos a visão de que o eleitor ele tem poder de não só fiscalizar: a gente costuma dizer que o próprio Código Penal permite que um cidadão maior de idade possa efetuar uma prisão civil, até isso é previsto na Constituição, no Código Penal e outras coisas. Então o poder de fiscalização pode acontecer por qualquer cidadão. Ele não precisa estar especificamente dentro do conselho. Por que que eu acho que o conselho ele tem um pouco mais de, eu não diria poder, eu diria de responsabilidade? Porque ele foi criado com essa noção fiscalizadora. E normalmente as pessoas que estão dentro de um determinado conselho tem uma visão mais específica da função do conselho.

Eu não coloco, por exemplo, num Conselho de Engenharia uma pessoa que não tenha formação técnica em engenharia ou em arquitetura ou em construção civil. Por que? Por mais que a pessoa às vezes tenha boa vontade, falta, padece para ela conhecimento para esse sentido. Então o conselho na sua diversidade, que isso é uma coisa muito importante–não significa que todos os conselheiros tenham que ter o mesmo tipo de formação escolar ou técnica–mas dentro da sua diversidade eles possuem conhecimento suficiente para poder discutir determinados assuntos que é a natureza da criação do conselho. E já o cidadão comum às vezes não têm esses know-how, não têm esse conhecimento. Isso é ruim? Não. O cidadão comum pode aprender e adquirir esse conhecimento? Pode. Ele poderia estar apto a frequentar um conselho? Com certeza. Desde que ele tenha a representatividade de um determinado segmento da sociedade, que é importante. Os conselhos eles são compostos por representantes de segmentos da sociedade civil organizada. Então isso é muito importante. A pessoa fala assim ‘ah, eu não sei o que o conselho faz’, mas se ela não se inteirar, se ela não interagir com a sociedade, se ela não começar a fomentar esse tipo de política, ela realmente não vai entender o funcionamento de um conselho. Então é muito importante que os membros do conselho sejam indicados com seu aspecto de representatividade, seja ela qual quer que seja dentro do conselho. E quanto mais diversidade existir dentro de um determinado conselho, seja ela uma diversidade técnica ou uma diversidade cultural, é importantíssimo.

Por exemplo, citando um exemplo assim, eu tendo um determinado conselho, como o Conselho, por exemplo, de Cultura do município, e eu ter apenas pessoas vinculadas à dança. Significa que o conselho está desguarnecido? Não. Porque o pessoal que trabalha com dança também tem a visão dos outros segmentos culturais. Mas se eu posso ter mais pessoas indicadas no conselho então eu posso ter uma pessoa vinculada à dança, uma vinculada à música, uma vinculada ao teatro, uma vinculada ao cinema, uma vinculada à poesia, uma vinculada à literatura. Não significa que eu tenho que obrigatoriamente ter todos os setores representados. Não. Também não preciso dessa necessidade. Mas é importante que sejam pessoas com esse tipo de representatividade para poder entender o aspecto cultural. Agora posso ter pessoas que não tem formação nenhuma lá dentro? Posso. Isso não é impeditivo também.


# A natureza fiscalizadora do Conselho Municipal LGBTI+ é diferente da natureza fiscalizadora do Conselho Municipal dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas?

Olha tem uma diferença, é simples porque o Conselho Municipal dos Refugiados ele foi criado então ele já tem uma natureza fiscalizadora, o outro infelizmente não foi aprovado o projeto. Mas assim, teoricamente, se fosse aprovado, eles teriam divergência apenas no aspecto de suas atribuições. Mas a natureza de fiscalização seria muito parecida. O conselho A fiscaliza assunto A, o conselho B fiscaliza o assunto B. O conselho B pode fiscalizar o assunto do conselho A se o assunto permear os dois conselhos. E isso acontece com uma certa frequência. Determinados assuntos e determinados projetos acabam passando pelo crivo de vários conselhos em Maringá.


# Essa mesma resposta se aplicaria à natureza deliberativa? (Vídeo 2, 11:50)

Também, também.


# A proposta do conselho estipulava a competência de “Assessorar e acompanhar a implementação de políticas públicas em todos os níveis da administração pública direta e indireta, com o objetivo de eliminar toda e qualquer manifestação atentatória e discriminatória ou ato de discriminação em razão de orientação sexual e/ou identidade ou expressão de gênero”. Essa competência se estende ao âmbito não público? Ou seja, é de competência do conselho “eliminar toda e qualquer manifestação atentatória e discriminatória” de organizações ou indivíduos não ligados à administração pública?

Olha essa é uma pergunta que eu preciso dar uma resposta bem duvidosa para vocês, eu diria sim e não. Não porque realmente no teor da lei é basicamente o assessoramento deliberativo ao Poder Executivo. Só que todos os conselhos possuem uma natureza deliberativa e uma natureza consultiva. Então essa opinião do conselho ela pode sim ser levada em consideração na hora de você elaborar um projeto de lei e esse projeto de lei pode sim trazer impactos e reflexos para toda a sociedade, não só o poder público, mas também a iniciativa privada.

Vamos citar um exemplo concreto: eu tenho um determinado imposto que quero criar no município, eu vou passar ele pelo crivo de alguns conselhos. Se ele for votado, ele não vai ser uma lei que vai ficar apenas ao poder público, ele também vai ser espelhado à iniciativa privada. Mas eu não tô não preciso falar especificamente de tributos, leis. Até porque isso é algo bem complexo. Vamos falar por exemplo o aspecto simples. Nós temos determinados movimentos para abertura, por exemplo, de um templo religioso: ‘isso aqui é uma via comercial, uma via industrial, quero abrir uma igreja aqui’. Independente de qual seja segmentação religiosa que vai ser trabalhada ali. Dependendo do zoneamento da cidade, conselhos importantes como do Meio Ambiente, Conselho de Planejamento Territorial, o próprio IPPLAM vai ter que avaliar se é possível ou não que aquela região receba, por exemplo, uma igreja. Que às vezes muitas pessoas independente do seu credo, seja Católico, Evangélico, Espírita, Umbanda, Candomblé, não importa. Independente da vertente que a pessoa vai trabalhar religiosamente, ela olhar e falar assim: 'não, mas aqui não pode’ ou ‘aqui pode’. E às vezes o conselho, na sua recomendação, ele tem uma influência sim e que poderia impactar na iniciativa privada. Da mesma maneira que poderia estar impactando em outros aspectos da sociedade.

Tá mas aí você vai falar assim ‘poxa, mas o conselho é contra?’. Não. Mas é que a opinião do conselho, a deliberação do conselho pode sim impactar em todo uma outra estrutura. Volto a dizer, independente do cenário político, é uma realidade. O conselho, ele tem essa atribuição. E às vezes a opinião do conselho pode sim prejudicar, fomentar ou até mesmo modificar algo que iria acontecer na iniciativa privada seja ela econômica, administrativamente ou estruturalmente falando.


# E nesses casos a opinião do conselho para fazer algum tipo de modificação precisa de aprovação do Executivo ou Legislativo? Ou poderia atuar de forma independente?

Na verdade toda manifestação do conselho, ela é direcionada ao Poder Executivo ou ao Poder Legislativo. Ele pode sim influenciar o direcionamento da decisão tanto do Executivo quanto do Legislativo. No caso do Legislativo de forma como consulta, opinião e no Executivo de forma deliberativa como a gente conversou já. Mas de forma única: ‘olha o conselho optou por a partir desse momento nós vamos criar uma regra que não se pode mais colocar asfalto na rua, porque agora vai ser tudo rua de terra porque o asfalto está sendo prejudicial para o meio ambiente’. Não, o conselho não tem essa força. Mas ele pode direcionar um parecer uma recomendação que acabe tornando uma necessidade de decisão do Executivo ou uma opinião que o Legislativo precise ter, ele pode dar a direção de como vai ser essa resposta. Então isso sim, como eu falo de forma muito técnica, ele pode ser tanto benéfico quanto prejudicial.


# A proposta do conselho estipulava a competência de participar da proposta orçamentária. Como seria essa participação na prática?

Olha, normalmente o orçamento do município é definido pelo Poder Executivo através de sua Secretaria de Fazenda e das demais secretarias. É feito todo um levantamento de necessidades e isso se resume basicamente em algumas leis que vêm aqui para câmara para que os vereadores possam deliberar e aprovar. Normalmente a lei orçamentária, a LOA que a gente fala. Existem outras duas que também são norteadoras. Mas o orçamento anual, ele é aprovado uma vez por ano aqui pelos vereadores na câmara de vereadores. E aqui já vem dizendo: olha eu vou ter X reais para área tal, X reais para o projeto tal, X reais para secretaria tal. Esse planejamento é feito pelo Executivo, eu não tenho como te dizer como é feito. Eu posso te dizer que por exemplo até mesmo na lei orçamentária os vereadores, eles estão ali para verificar onde está sendo aplicado e eles podem sugerir sugestões ou então reprovar: ‘olha, não queremos que o orçamento seja dessa forma, queremos que o orçamento seja de outra forma’. E o Executivo vai montar um novo orçamento e vai encaminhar. Mas os vereadores eles não podem atravessar a autonomia do Executivo; eles votam, deliberam, e fiscalizam isso.

Então é muito comum às vezes a pessoa falar assim ‘ah, mas por que o vereador não tirou o dinheiro da área tal e colocou na área tal?’, porque o vereador não pode fazer isso. Agora o vereador pode fiscalizar se o dinheiro X para a área A tá sendo bem aplicado, está sendo executado. Isso é função de fiscalização do vereador. O conselho ele tem essa questão de auxiliar na composição, por exemplo, vai ser trabalhado uma determinada política que precisa de um determinado orçamento, o conselho pode sim fomentar junto ao Poder Executivo que seja direcionado esse orçamento mas cabe exclusivamente ao Executivo atender essa recomendação ou não. Às vezes o Executivo vai virar e falar ‘olha conselho, ok mas eu não tenho como prover esse recurso para vocês’. E quando eu falo vocês é para a execução daquela determinada política. E aí cabe ao conselho uma vez que exista um direcionamento de recursos acompanhar de forma fiscalizatória se esse recurso tá sendo bem empregado ou não. Essa seria talvez a natureza de acompanhamento orçamentário que o conselho teria.