Entrevista com a participante de organizações da sociedade civil, Luiza Beltran. Ela fala sobre o processo de criação e da recepção do projeto de lei que criava o Conselho Municipal LGBTI+, que foi rejeitado na Câmara de Maringá em 2021.
A entrevista ocorreu no dia 7 de março de 2022. Quem entrevistou foi Marcus Carr. Quem gravou foi Linda Guzman.
Este projeto foi produzido com verba do prêmio bolsa pesquisa e fazer artístico cultural de Maringá. Recursos oriundos da Lei Aldir Blanc (Lei federal nº 14.017, de 29 de junho de 2020).
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Entrevista com Luiza Alvarez Beltran
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Apresentação. Qual seu nome, profissão? Quais cargos que ocupa nas diferentes organizações?
O meu nome é Luiza Alvarez Beltran. Eu sou advogada. Eu também sou hoje co-presidente da Associação Nenhuma A Menos de Maringá, uma associação feminista, de combate ao feminicídio e violência de gênero em Maringá. Eu também sou membra da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB, que atualmente estou com o vice-presidente da comissão. Também faço parte da Comissão de Igualdade Racial da OAB subseção Maringá.
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Comente um pouco sobre cada organização. Como é sua atuação em Maringá?
A Associação Nenhuma a Menos, ela atua no combate à violência de gênero. Então a gente tem uma rede de acolhimento de mulheres que sofrem violência de gênero, a gente tem canais de divulgação sobre o que é a violência de gênero, ciclo de violência, a gente tem algumas comissões que estudam o que é diversidade, como a gente pode incluir o maior número de mulheres possível nas políticas públicas, fazer políticas públicas bem pensadas. É um coletivo de mulheres bem interessante.
As comissões da OAB no geral, elas são feitas para estudar temas específicos. Mas algumas comissões, elas têm que ter uma atuação especial. Então por exemplo na atuação tanto da Diversidade Sexual e Gênero quanto de Igualdade Racial, a gente recebe denúncias de LGBTfobia e também de racismo. E a gente faz orientação de como essas pessoas podem proceder para buscar os meios legais de se protegerem, de ver acrescentadas a punibilidade dessas condutas também. E a gente vai fazendo o encaminhamento, se precisa a gente faz o acompanhamento, o acolhimento dessas pessoas. Então é um trabalho bem completo assim, mas sempre voltado para a atividade jurídica dentro das comissões da OAB.
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Como foi o processo desde a ideia até a elaboração do texto do Conselho LGBT dentro da Comissão de Diversidade e Gênero da OAB?
Eu entrei na Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero no início de 2020. Eu participei de uma reunião antes da pandemia somente, e já existia esse projeto, quando eu fui lá na primeira reunião já era um projeto criar um conselho municipal de políticas públicas voltadas para a população LGBT. Por que?
Porque quando a gente participa desses locais que recebem denúncias, ou quando a gente faz estudos numéricos com a população LGBT a gente vê os índices de violência contra essas populações, as causas de opressão, as causas de exclusão de tornar essas pessoas periféricas, a gente vê que atender cada uma dessas denúncias uma por uma, é um trabalho importante, é resistência, mas é um trabalho que a gente acaba enxugando gelo. Porque a questão da LGBTfobia ela é estrutural, ela não é conjuntural, ela não é de uma situação em específico. Não são casos isolados. Mas ela é toda uma estrutura que leva a sociedade a ser LGBTfóbica, certo. Então a gente entendeu que a gente só poderia diminuir esses números, a gente poderia melhorar realmente essa situação por meio de políticas públicas.
E não é só para a população LGBT, também é para a população negra, também é para a população indígena, também é para as mulheres em geral, então a gente precisa de pessoas pensando em políticas públicas voltadas para essas populações. Senão a gente não vai ver esses índices melhorarem. Índices de violência, índices de empregabilidade, coisas importantes para essas populações estarem realmente incluídas e representadas na nossa sociedade.
Então vendo com a nossa própria atuação vendo que a gente não podia só ficar enxugando gelo, recebendo uma denúncia aqui, ou fazendo uma ação informativa num lugar muito pontual, a gente almejava isso para ver realmente um lugar, um espaço em que as pessoas LGBT pudessem estar representadas, pudessem estar levando políticas públicas para serem implementadas no município, pudessem estar dialogando também com outros conselhos a nível estadual. Então a foi da nossa própria atuação que a gente percebeu a necessidade desse conselho.
Mas essa ideia já vinha de antes de eu entrar na Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero, ela só não foi implementada antes realmente por causa da pandemia. Claro que nem foi implementado. Mas a gente só não correu atrás disso antes porque no ano em que a gente pensou em fazer isso começou a pandemia. Então a gente teve que esperar a vacinação, arrefecimento assim dos casos para a gente começar a implantar algum desses projetos e dentre eles tinha o projeto de lei da criação do conselho municipal.
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Comente sobre o processo de criação da legislação. Como ocorreu? Falaram com outros grupos, outras entidades?
Sim, a gente tentou fazer um movimento bem plural e até foi interessante esse movimento porque a gente acabou conseguindo unir as várias entidades que a gente tem (LGBT) aqui em Maringá. Porque a gente tem várias entidades voltadas para isso em Maringá. Mas elas ainda estavam muito esparsas, cada uma atuando ali na sua letrinha, cada uma atuando num lugar num canto. E aí a gente fez o texto dentro da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero com base nos outros conselhos municipais que a gente tinha, inclusive com base no conselho municipal se eu não me engano de imigrantes que foi criado ali na mesma época. A gente pegou aquele texto, estudou, viu o que era compatível com a nossa realidade, o que que era benéfico. Pensamos nas cadeiras governamentais, não governamentais. E aí feito um texto base a gente convidou várias entidades que atuam na causa LGBT+ para discutir sobre esse texto. Olha o que vocês acham? Tá bom? Não tá bom? Para a gente ter realmente o diálogo com essas pessoas.
E isso foi muito fortalecedor para nós. Porque por mais que a gente tenha inúmeras divergências, sempre vão existir divergências, a gente conseguiu encontrar um ponto comum, um projeto comum. Então isso nos uniu demais. E aí passada essa primeira fase de discussão sobre o texto, tiveram diversas reuniões, todas online, na época era impossível se encontrar presencialmente, mas a gente teve muitas reuniões online, usamos muito a ferramenta do WhatsApp para discutir, ferramenta de Google Drive para todo mundo poder dar seu pitaco, e aí a gente chegou no texto final que a gente entregou para a câmara de vereadores. Na verdade, a gente entregou para o prefeito, para o prefeito entregar para a câmara de vereadores.
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Surgiram divergências no processo de criação do texto?
Não, na verdade foi bem tranquilo. Primeiro que é um texto muito básico. A gente teve assim umas conversas sobre se colocava maioria governamental, a maioria não governamental, se colocava a cadeira para a própria OAB, se colocava cadeira para alguma entidade em específico. Mas no geral foi uma conversa bem tranquila em que todas as entidades confiaram muito na nossa capacidade jurídica técnica do pessoal da OAB. A gente também toda hora explicava o que cada coisa significava: ‘Olha o que que é uma cadeira governamental? O que é não governamental? Para que serve um conselho municipal?’.
Geralmente as pessoas que estão mais inseridas nessa vida pública, de correr atrás dos seus direitos, de participação política, elas já tem uma noção maior para que que serve um conselho, como funciona o Legislativo, a casa legislativa. Mas mesmo assim, sempre que surgiam dúvidas a gente se dispunha a explicar. Então foi bem legal que teve um momento assim de uma confiança bem mútua. A gente confiando muito que era importante que eles participassem, e eles confiando muito tanto na nossa capacidade técnica quanto nas informações que a gente passava para esses grupos. Foi bem legal esse momento e a gente criou uma relação bem estreita.
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Como foi a recepção da prefeitura do projeto do conselho?
Olha o prefeito ele foi bem aberto a nossa demanda, sabe. Sempre que a gente conversou com ele, ele foi aberto a nos receber, ele foi aberto ao texto, a gente não teve problemas nesse sentido.
A crítica que eu posso trazer aqui ao Executivo na época foi que ele não mostrou uma posição na hora do vamos ver ele não colocou: ‘olha eu prefeito estou apoiando o projeto.’ Que foi a nossa crítica no final. Ele entregou o projeto e falou: ‘olha agora é ao deus-dará, vocês que vão ver como vocês vão resolver’. É claro que tem a ver também com uma perspectiva própria dele. Porque se você for pensar na teoria da separação dos poderes, ele como Executivo, tem um limite ali que ele pode pressionar para uma aprovação no Legislativo ou não que aí vai depender da visão política dele.
Mas nesse sentido, e aí eu posso falar de uma visão muito particular minha, que eu sei que outras colegas ali compartilham comigo, a gente se sentiu um pouquinho abandonada nesse sentido. Ele entregou o projeto e falou olha entreguei o projeto, mas publicamente ele nunca se colocou como favorável àquele projeto. O que eu até entendo também de um outro ponto. Porque na primeira votação aconteceu tudo muito tranquilamente, mas na segunda votação começaram a acontecer fake news assim, desinformação da assim da pior espécie. Então eu imagino que para ele tivesse, não que eu concorde, mas eu imagino que para ele fosse uma situação delicada, para ele colocar alí o rosto dele na televisão e falar sou a favor desse projeto. Gostaria que ele tivesse feito isso, mas ao mesmo tempo entendo que ele deve ter tido ali os motivos dele e também não sei se essa aparição pública dele assim teria feito tanta diferença na aprovação do projeto.
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O projeto enviado ao Legislativo foi o mesmo enviado ao Executivo? Não houve nenhuma mudança?
Não, não houve nenhuma mudança. A gente tem uma grande parceira que é a professora Ana Lúcia. A gente tem outros parceiros, o vereador Flávio Mantovani também, inclusive meu colega em algumas comissões, na Comissão de Direitos Animais que eu estive, agora não tô mais. O Verri também foi nosso parceiro. Especialmente a Ana Lúcia foi nossa parceira desde o começo. Mas a gente optou por não colocar o projeto como nenhum deles, não ser o projeto de nenhum deles justamente para não ter disparidade política: ‘ah eu não concordo com essa vereadora, então eu não vou voltar porque o projeto é dela’. A ideia de ser enviado pelo Executivo foi justamente ter essa ideia de isenção partidária
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Durante a construção do texto teve alguma contribuição de vereadores?
Teve muita conversa. Seria até importante eu explicar um pouquinho de como funciona o processo legislativo. O Executivo envia um projeto de lei e aí esse projeto de lei vai ser discutido dentro da, no caso, da câmara de vereadores. Esse texto, ele pode ser muito alterado, por meio de muitos debates, muita conversa. No caso, foram duas discussões. Foi aprovado em primeira discussão. Foi aprovado por 10 votos a 3: 10 votos favoráveis contra três contrários. No caso os contrários foram a vereadora Cris Lauer, o Rafael Rosa e o Sidnei Telles. Esses três foram os que votaram contrários no começo: foi a Cris Lauer, Rafael Rosa, e o Sidnei Telles. Então assim, quando a gente teve essa primeira discussão, a gente imaginou que tudo bem, vai ser aprovado porque era uma grande diferença. E a gente sabia que se caso desse empate, a gente contava com o voto de desempate do Mário Hossokawa, que era o presidente da câmara.
Então como que funciona a segunda fase. Aprovado em primeiro deliberação, em primeira discussão tem que ir para uma segunda discussão. Nessa segunda discussão é oportunidade que os vereadores têm de apresentar emendas para o projeto ou de tentar vetar, de tentar tirar algum trecho do texto. E aí foi nessa segunda discussão que foram apresentadas assim, de um dia para o outro, eles apresentaram 15 emendas assim, emendas que nem poderiam ser colocadas pensando em Constituição Federal, Lei Orgânica do Município, nem poderia ser colocado ali. Então ao longo disso a gente conversando no gabinete dos vereadores, todo dia batendo no gabinete de um, falando ‘e aí, o que você tá achando do projeto?’, ‘você pensa colocar alguma emenda?’, ‘você tem alguma sugestão?’. Então assim nunca, da nossa parte, nos faltou o diálogo para falar com os vereadores.
Inclusive eu mesma fui falar pessoalmente com a vereadora Cris Lauer, que tem um posicionamento político completamente divergente do meu. Mas estivemos abertas, conversamos com ela, eu acho que o único que a gente não conseguiu conversar por indisponibilidade dele foi o vereador Rafael Rosa, mas isso eu tenho que confirmar se nenhuma outra colega também conseguiu conversar. Talvez a Carol tenha conseguido e eu que não tenha conseguido. Então nem tenho certeza muito dessa informação. Mas a gente foi bem aberto de conversar, também de explicar qual que seria essa proposta.
E assim eles são vereadores, eles tem que saber para que que serve um conselho municipal e saber que aquilo que eles estavam alegando que a gente iria implementar sexualização das crianças nas escolas, que a gente iria implementar um Talibã gay aqui em Maringá, que aquilo era mentira, que aquilo era impossível, e que a gente jamais conseguiria implementar certas coisas que eles estavam supondo sem a aprovação do Legislativo. Um conselho municipal ele serve para discutir, muitas vezes para deliberar, mas demandas de maior gravidade ou mesmo demandas que exijam orçamento público elas não podem passar sem aprovação do Executivo ou do Legislativo. Então é assim a maior falácia imaginar que a gente ia de forma arbitrária instalar qualquer ditadura gay aqui ou instalar a obrigação das pessoas de fazerem qualquer coisa.
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Antes do projeto ser enviado para a prefeitura, houve alguma contribuição dos vereadores? Ou só depois?
Não, a contribuição dos vereadores foi só depois que foi encaminhado para a casa legislativa. Como eu falei, a vereadora Ana Lúcia, por ser mais progressista, estar mais alinhada ali com a causa LGBT, ela sempre foi a nossa parceira. Então ela foi nos orientando nesse sentido mais político ‘olha encaminhem pelo prefeito para para ter uma isenção partidária’ e tudo mais. Mas o texto mesmo ela só teve acesso depois que foi enviado para a casa legislativa.
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Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela câmara de vereadores? Teve alguma surpresa?
Teve foi bem, bem surpreendente. Eu sempre digo que eu fui até um pouco ingênua assim, porque pra gente era muito simples, era um conselho municipal de políticas públicas voltadas à população LGBT+. Para a gente é muito claro que a população LGBT+ precisa de políticas públicas voltadas pra nós. Isso a gente consegue ver por dados estatísticos. Não sou eu que tô dizendo, são os dados estatísticos. Então a gente pensa, tem Conselho Municipal do Direito dos Animais, têm Conselho Municipal do Idoso, da Criança, da Saúde. É um conselho para discussão.
Jamais imaginei que haveria a comoção que houve. Tanto é que a primeira discussão foi muito tranquila, como eu falei, passou de 10 votos favoráveis contra 3 contrários. Eu só fui perceber o plot twist que a situação ia ter quando foi assim alguns dias antes da segunda votação, que aí a gente começou a receber as fake news que estavam circulando. E aí a gente começou a bater lá na porta dos vereadores para perguntar se tinha alguma alteração, se ia votar contra, se ia votar a favor, se tinha alguma dúvida em relação ao projeto. Porque muitas vezes pode acontecer do vereador, ‘olha não entendi direito esse ponto do projeto, vou voltar contra’. Então a gente buscava muito explicar o que que a gente queria dizer, deixar muito diálogo aberto. E aí conforme a gente foi batendo ali nos gabinetes conversando de um por um a gente foi vendo, ‘olha a população tá aqui me pressionando’.
E o que aconteceu muito é que os vereadores, eles eram, assim, constrangidos sinceramente. Muitos me mostraram assim o celular com centenas de mensagens copiadas e coladas, faziam um copia e cola da mensagem e mandavam, e mandavam. E falavam ‘porque isso você vai autorizar a pedofilia, porque você pode nunca mais contar com meu voto, eu vou destruir sua candidatura’. Então assim coisas pesadíssimas que eram passadas lá para os vereadores que eles mesmos mostraram ali pra gente.
Então eu já sabia que fake news existia, eu já sabia que disparo em massa tinha se tornado uma estratégia política já, mas assim, eu vivenciei na pele isso assim. Não era um projeto meu, era um projeto coletivo, mas que eu estava atuando tanto, então pessoalmente foi surpreendente e assustador. Ao mesmo tempo que foi muito engrandecedor também como experiência, sabe, foi realmente uma surpresa pra mim, pra mim. Talvez eu estivesse assim um pouco otimista demais assim em relação aos tempos que a gente tá vivendo.
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Houve uma emenda pela: remoção do caráter deliberativo e fiscalizador do conselho.
Duas visões. A primeira visão é que é para esvaziar completamente o projeto. Para que então? Então a gente pode se reunir ali na sala da minha casa, né? Falar de poder institucional sem ter o caráter deliberativo, sem ter o caráter fiscalizador. Fiscalizar, isso é algo que eu achei interessante assim, quando falavam ‘imagina, porque agora vão fiscalizar se alguém falar qualquer coisa’. E eu falo gente mas já tem o Ministério Público aí para isso. Se você cometer homofobia, você não tem que ter medo de um conselho municipal. Se você cometer homofobia você tem que ter medo do Ministério Público, entendeu? O Ministério Público já estaria aí para fazer isso. Então nem seria o nosso papel, a gente fiscalizaria assim se políticas públicas estão sendo empregadas. Então até o discurso da corrupção, certo, ‘ah, porque vai ter dinheiro público’, nós estaremos fiscalizando como o dinheiro público que está direcionado para nossas políticas está sendo empregado. Está sendo empregado certo? Tá tendo desvio? Tão comprando o que realmente falaram que iam comprar? É esse o caráter fiscalizador.
Não só esse né, claro que também tem a fiscalização de por exemplo censura de certas atividades municipais. Então dentro da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero, por exemplo, eu recebi denúncias de escolas que censuraram atividades que queriam discutir os papéis de gênero. Então assim era uma atividade que tinha numa foto uma menina brincando de carrinho e na outra foto um menino brincando de cozinha ou de alguma coisa que é historicamente atribuído às meninas. E era assim ‘descreva o que essas crianças estão fazendo’, não falava nem sobre gênero, mas era uma imagem que surtou ali alguém que não concordava com aquilo e aquela atividade foi censurada, entendeu. Então esse tipo de fiscalização. Porque as crianças elas têm direito a esse debate dos papéis de gênero, as meninas, elas têm direito a saber que elas não precisam só ser aquilo que é atribuído ao papel das mulheres, entendeu. Elas não precisam só ser donas de casa, só serem enfermeiras, ou só serem professoras. Elas podem ser o que elas quiserem. Se elas quiserem ser alguma dessas coisas ótimo, assim como os meninos também. Então isso é direito também das nossas crianças, correto? Então isso estaria dentro do caráter fiscalizador.
A pessoa que comete homofobia, ela vai ser processada não pelo conselho. É claro que o conselho ele teria o poder de reunir material e encaminhar para o Ministério Público. Mas quem vai acusar do crime de homofobia, que é equiparado ao crime de racismo, é o Ministério Público não é o conselho municipal. E eu via muito isso, as pessoas tinham medo de que a gente fosse entrar nas igrejas e proibir os padres de dizer o que eles tinham pra dizer, os pastores principalmente.
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Caso o projeto fosse aprovado sem esse caráter deliberativo e fiscalizador, que danos você enxergaria para a atuação do conselho? Comente sobre os danos ao papel de fiscalização e deliberação.
A gente não poderia fazer. A gente não poderia fazer. Aí a gente seria acusado de estar extrapolando o nosso o nosso papel institucional. A gente teria a nossa atividade muito engessada.
Se a gente retirar todos os conselhos municipais em Maringá, são todos os conselhos municipais de Maringá, eu não sei precisar o número que a gente tem, mas são vários, tem caráter fiscalizador, deliberativo e consultivo. Todos. Então tirar o nosso poder de fiscalizar e de deliberar também seria um preconceito, já pararam para pensar nisso? Por que só o nosso? Não seria uma segregação, uma diferença entre nós? Então para mim essa proposta foi assim absurda. Todos os outros têm o direito de fiscalizar e deliberar e só a gente não. Além disso, seria esvaziar completamente a proposta do conselho.
Sobre essa questão da gente ter os prejuízos de fiscalização, seria muito perigoso porque se a gente extrapolar a nossa definição por lei, a gente poderia sofrer sanções, a gente poderia perder conselheiros, a gente poderia até enfraquecer o próprio conselho. A ideia de ter uma lei regulando aquilo é justamente para não se extrapolar, não ter nem mais nem menos.
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Houve uma emenda pela: remoção da competência da participação orçamentária do conselho.
Eu também enxergo como muito triste. Por que as pessoas LGBT não podem fazer parte? Não podem ter um orçamento destinado para nós? Nós não somos pagadoras de impostos também? Nós não estamos precisando dessas políticas públicas também? Então por que esses recursos não podem ser destinados a nós? Apesar de que o projeto que a gente desenvolveu ele teria um baixíssimo custo orçamentário. Eu lembro que se não era 0 era quase 0, assim era muito pouco.
Mas ainda assim é um discurso vazio no fim das contas. Porque somos pessoas, pessoas com as nossas especificidades? Sim. Agora quando a gente pensa no Conselho da Mulher, a gente pensa que as mulheres também são pagadoras de impostos, também são cidadãs, então tem direito de um viés orçamentário destinado a elas, igualmente como eu falei criança, idoso, animal, e tantos outros conselhos que existem saúde. Eu lembro que tem um muito aleatório que existe, agora não vou lembrar o nome, mas eu fiquei indignada assim que dá para destinar orçamento até para o Conselho dos Animais, com todo o respeito aos animais, mas não pode deixar com o orçamento para as pessoas LGBT, que numericamente, assim por dados, são mais vítimas de violência, são mais vítimas de discriminação.
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Houve uma emenda pela: inclusão de 2 vagas no conselho a serem escolhidas pela OAB e OPEM.
É risível. Da OAB eu até entendo. E na verdade essa foi uma divergência que aconteceu no nosso grupo. Porque nós como OAB a gente tem um papel institucional e constitucional. A gente tem também um papel de fazer acontecer a Constituição Federal e a lei. Eu até entenderia se a proposta fosse colocar um representante de religiões ali. Ainda assim acharia estranho porque o estado é laico, mas por quê? Por que um pastor? Por que a Ordem dos Pastores Evangélicos? O que eles iam fazer ali? É risível.
Assim, quando eu recebi essa proposta eu recebi como absurda. E sendo bem sincera aqui com vocês, a OPEM conta com um alto poder de barganha, eles têm muita força política aqui em Maringá, muita força política. Então eles sabem que eles podem propor esse tipo de coisa que poucas pessoas vão achar tão absurdas quanto eu achei. Porque se você for pensar de maneira técnica, de maneira legal, legalista, o que um pastor está fazendo nesse conselho? Ainda se fosse alguém que representasse religiões, de um setor religioso, mas também para quê? E para que alguém precisa tá lá? Para representar o que? Essa cadeira vai representar o que? Vai falar o que? Porque você pensar o papel de um conselho municipal, ele não é para fazer discussão? Então se você vai fazer discussão sobre alguma coisa você tem que colocar representantes que tenham um entendimento técnico, que tem uma vivência. Então você vai convidar, no caso de um conselho LGBT, você vai convidar pessoas que vivem a realidade por serem LGBT ou pessoas que estudam diversidade sexual e de gênero, não precisa necessariamente ser LGBT. O que que um pastor entende disso? Tudo bem, pode ser que ele tenha um entendimento técnico e seja pastor, tudo bem. [Trecho faltando] foi de ter uma cadeira para Ordem dos Pastores Evangélicos de Maringá. E qual é a política que eles têm voltada para as pessoas LGBT? Nenhuma. Qual é o entendimento técnico? Qual é a vivência que eles têm? Eles têm um projeto de acolhimento para pessoas LGBT?
Gente eu achei, sério, eu achei risível, absurda. Ao mesmo tempo que eu ria eu chorei. Porque eu falei gente para eles terem coragem de propor uma coisa dessa eles têm [um poder político], mas ele tem um poder de barganha político muito grande aqui nessa cidade. E aí é o que a gente vê, que a igreja ainda tem um papel muito forte no nosso Estado, infelizmente. Quando a gente vê os argumentos que foram trazidos para não aprovação do conselho a gente rasgou a laicidade do Estado, a gente rasgou o estado laico completamente. Foi muito triste nesse sentido. E na minha opinião essa proposta ela rasga isso também.
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Existem outros conselhos na cidade que possuem cadeiras destinadas a organizações religiosas. Alguns possuem vagas para a Arquidiocese, outros para a OPEM. Uma das justificativas seria por ter participado da criação do conselho e por representar parte da população.
Sobre isso de ter uma cadeira por ter participado da concepção do conselho, é a mesma ideia da cadeira para OAB, da proposta para a cadeira da OAB. A OAB, surgiu de lá, nós temos realmente um papel institucional, nós temos um papel de garantidores também da ordem constitucional, da legalidade, e nós participamos ali né, tivemos tanto trabalho. Então é algo que eu pensei até faz sentido. E aí eu não sei dizer quais são esses outros conselhos, mas isso vai depender muito da temática. Por exemplo, se eu não estou enganada, tem uma cadeira para setor religioso, para religiões de matriz africana no Conselho de Igualdade Racial de Maringá, no COMPIR. Isso faz sentido, né? Porque é do complexo ali da vivência negra, então ali faz sentido. Agora dos outros eu não sei muito te dizer.
É claro que a igreja, não só igreja mas a religião, ela é um componente da nossa sociedade. A igreja é uma instituição formadora da nossa sociedade. Inclusive o papel estrutural e estruturante da homofobia tá muito na igreja. Não tô falando que todos os religiosos são homofóbicos, ‘nossa todos os religiosos são assim’, não é isso. A gente tem que entender que não é sobre uma pessoa ou outra, não é sobre um pastor ou outro padre, a gente tá falando sobre uma estrutura de pensamento que vem sendo colocado há muitos anos, e que a igreja faz parte da estrutura do pensamento social. Então faz sentido que eles ocupem algumas cadeiras em alguns conselhos e especialmente naqueles que eles ajudaram a construir pelas razões deles. Não estou falando que eles não podem participar de nenhum, eu só tô falando que eles não deviam participar daquele. Que assim só essa proposta para mim foi risível, até porque eles foram os nossos grandes oponentes nessa situação, além de outros, especialmente bolsonaristas, principalmente, assim seguidores do presidente Bolsonaro, que muitos eram na época, agora já romperam e tudo mais. Mas eles foram os nossos grandes oponentes. A gente sabia que eles não queriam nem a existência daquilo, que eles viam aquilo como ferir os direitos deles. Na minha opinião eles gostariam de estar ali mais para estarem infiltrados mesmo. Para estarem controlando as nossas ações e não para dar uma construção melhor para o que a gente estaria debatendo lá, não para fazer uma construção do debate mais estruturada, mais aprofundado, mas sim para estar ali para estar nos vigiando, do que a gente poderia ou não fazer. Mostrando que obviamente eles não entendem para que que serve um conselho municipal
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A emenda afirmava que seria uma pessoa indicada pela OPEM, não necessariamente seria um pastor.
Seria uma cadeira garantida para a Ordem dos Pastores Evangélicos de Maringá, essa era a proposta. Que seria indicado por eles. Agora se teria que ser pastor, se teria participar ali da hierarquia deles, eu acredito que não mesmo. Mas teria que ser indicação deles.
Mas daí a gente tem que abrir para todas as outras regiões, né? Você não concorda? Porque se a gente for colocar só os evangélicos lá vai ficar desigual. Porque a gente tem pessoas LGBT de todas as vertentes religiosas, assim como a gente tem pessoas LGBT que são ateus. A gente tem que entender que não é sobre isso.
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Houve uma emenda pela: remoção do requerimento que representantes da sociedade civil estarem “atuantes no campo da promoção e defesa dos direitos de pessoas LGBTI+”, passando a permitir a participação de representantes de qualquer área de promoção dos direitos humanos.
Então sobre todos esses requerimentos, como eu já tinha explicado, na minha opinião muitos deles foram colocados ali para ter entraves ao projeto. Porque daí a gente teria que debater, demandaria mais tempo, demandaria mais discussão. Então tudo isso foi colocado para ir dificultando o nosso caminho. É uma estratégia política. Se uma estratégia política ética, a gente já não sabe. Porque na minha opinião não engrandece o debate.
Agora sobre quando você tira alí a temática LGBT e coloca direitos humanos aquilo fica muito amplo. E na verdade a gente já tem um conselho de direitos humanos aqui em Maringá, é que ele não tá funcionando, mas ele existe. E se você cuida de todo mundo, é como se na verdade você não cuidasse de ninguém. Porque direitos humanos todos somos. Hoje em dia o Disque 100, por exemplo, do Governo Federal, hoje em dia ele também teve o uso dele totalmente deturpado, assim porque todo mundo é direitos humanos. Então agora você pode ligar lá no Disque 100 se você não puder adentrar em algum lugar porque você não tem passaporte vacinal. Sendo que direitos humanos, onde começou esse debate? A gente começou esse debate ali da dignidade da pessoa humana. Qual é o mínimo para um humano continuar sendo um humano e não se tornar um bicho, entendeu? Qual é o mínimo para um humano ter a sua dignidade e ser respeitado, não ser ferido no seu íntimo. Essa é a discussão dos direitos humanos. E é claro que a LGBTfobia é uma grave violação dos direitos humanos, sim. Mas é de uma especificidade muito pontual, que não caberia retirar a temática, não caberia retirar essa palavra do projeto, sob pena de esvaziá-lo. Sobre pena dele acabar não cuidando de nada.
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Que danos você esperaria caso essa emenda fosse aprovada.
A gente não teria o que a gente estava buscando. A gente queria pessoas pra discutir a temática LGBT. Então a gente queria pessoas para discutir quais são os problemas das mulheres lésbicas? O que elas enfrentam? O que elas precisam para serem inclusas na sociedade onde elas não estão inclusas? Falando aqui da letrinha L, falando aqui das lésbicas, a gente tem lésbicas negras, a gente tem lésbicas brancas, indígenas. Então cada uma delas tá ali em um espectro ali de periférico ou não, ou de centralidade, ou de estar dentro de um padrão ou não. E como que a gente faz para inclui-las, fazer com que o fator lésbica não seja mais um fator de discriminação? Assim como as outras letrinhas: as pessoas bissexuais, como que a gente vai incluir as pessoas trans que são tão marginalizadas. E a ideia é essa.
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Houve uma emenda pela: pela remoção da recomendação de um mínimo de 50% de representatividade feminina no conselho.
Eu enxergo que é outro fator estrutural, certo. Porque a estrutura ela sempre vai tentando se colocar novamente. Então parte dessa estrutura é composta pelo machismo. A estrutura para ela se manter da forma com que ela se mantém ela precisa do machismo, assim como ela precisa da LGBTfobia, do racismo, de tudo isso que a gente já discutiu.
Então assim, a paridade ela tem que ser buscada, na minha visão, em todos os aspectos da vida pública, a paridade de gênero. E ali era um lugar tão representativo para conter uma paridade ou pelo menos maioria de mulheres. A gente sempre teve as leis e as normas e as instituições criadas com maioria masculina. Por que a gente não pode, de vez em quando, agora ter algumas discussões feitas com maioria de mulheres?
É uma discussão até interessante, se eu puder me alongar mais um pouquinho. Lá no Chile a gente teve essa discussão na constituinte do Chile. Porque foram eleitas para a constituinte do Chile mais mulheres do que homens, e as regras da constituinte diziam que teria que ser número igual. Então a gente acabou tirando, a gente não, os chilenos, acabaram tirando algumas mulheres da discussão da constituinte para ter paridade de gênero. Olha que incrível conseguiram mais mulheres do que homens e aí retiraram. E eu fui super contra ao contrário de algumas amigas, algumas amigas falaram ‘ah mas já tava combinado que ia ser paridade 50/50’, mas a gente sempre teve normas escritas com maioria de homens, porque a gente não faz uma perspectiva feminina agora, uma perspectiva feminista, uma perspectiva das mulheres agora em que a gente tem essa maioria?
Porque isso não faz parte do novo mundo que a gente está tentando criar e da extirpação dessa estrutura, que não faz mal só para as mulheres, faz mal para a sociedade toda. O machismo, racismo, LGBTfobia, xenofobia, todos esses problemas não são problema de quem sofre, é um problema da sociedade como um todo. Então se a gente tiver uma sociedade menos violenta é bom para todo mundo. Se a gente vê uma sociedade mais igual, mais representativa é bom para todo mundo. Foi outro requerimento para tentar driblar, dificultar o nosso caminho. Mas sou totalmente a favor de se valha isso. Se valha a paridade ou no mínimo cinquenta por cento de mulheres, sempre.
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Houve uma emenda pela: remoção da garantia de vagas para cada um dos segmentos que compõem a sigla LGBTI.
Esse requerimento é uma coisa interessante. Porque a gente tem as pessoas que são declaradas LGBT, então por exemplo eu sou declarada bissexual, certo, e a gente tem as pessoas que simplesmente não se declaram, a gente não vai ter uma carteirinha ali. E é a mesma coisa, a gente sempre teve as pessoas hétero ou que pelo menos não se declaravam LGBT pensando as políticas públicas. Pensando nessa questão de vivência, que num debate você precisa ter o debate técnico e o debate empírico, o debate de vivência, é muito importante que tenha uma representante de cada letrinha ali. Porque como que eu que não sou lésbica vou falar das dores de uma mulher lésbica? Como uma pessoa que é hetero vai falar da vivência de uma pessoa bissexual? Isso não retira a necessidade de um debate imparcial, imparcial assim, um debate com uma visão técnica. Então assim não retira a necessidade de alguém que tenha um estudo acadêmico, estudo com base de dados para estar participando. Essa pessoa se ela vai ser hetero, se ela é trans, se ela é bissexual, se ela intersexo, isso não faz diferença. Mas a nível de vivência, a nível de representatividade, de a gente ter pessoas LGBT participando da vida pública, é importantíssimo que tenha uma representante de pelo menos cada uma das letrinhas alí. Então também seria uma proposta de esvaziamento, da ideia do que é um conselho, que seria um debate de ideias.
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Que impacto você acredita que essas emendas teriam no projeto caso todas fossem aprovadas?
Eu acho que se não me engano foram 15 ou 16 requerimentos que foram apresentados assim 6 horas da tarde para serem discutidas 8 horas da manhã. Então a gente passou a madrugada debatendo sobre eles, e conversando, e fazendo pesquisa para levar para os outros vereadores e falar ‘olha, porque você deve votar contra esse requerimento’.
Como eu falei, o texto base que a gente criou, que a gente usou foi de um conselho que tinha sido aprovado muito recentemente em Maringá. Tudo bem que tem a especificidade de ser LGBT, mas não faria sentido que eles tivessem aprovado algumas semanas antes um conselho de texto quase igual, e logo depois ‘nossa achamos um monte de problemas nesse texto’, e apresentado 15 emendas. Eu não posso falar assim que todas as emendas, até porque eu não lembro de cabeça quais são todas, mas boa parte dessas emendas, na minha concepção, foram criadas ali para dificultar o nosso debate. Para fazer com que a gente ficasse mais tempo lá discutindo, para fazer com que ‘nossa, olha surgiu um argumento tal e tal’, então na minha opinião foi uma estratégia política que como eu falei, se é válido ou se não é válida, aqui não acho que cabe discutir, mas que foi uma estratégia política para entravar, para dar mais dificuldade para a aprovação do projeto.
Tanto é que o Paulo Biazon, que foi o vereador que apresentou a maioria, se não todas, mas a maioria dessas emendas, no dia da votação ele cancelou todas elas. Porque ele já contava com a histeria popular que tinha acontecido pelas fake news e ele já contava que o projeto não ia ser aprovado. Então a verdade é essa, eles não queriam diálogo, eles não queriam dialogar sobre essas emendas. Eles não queriam falar sobre a importância delas ou não. Não queriam discutir o texto. Eles queriam dificultar o nosso projeto para que no fim das contas ele não fosse aprovado.
O que eu percebi é que o tempo acabava ganhando a favor deles. Por mais que a gente foi muito para a mídia tradicional. Eu fui para Jovem Pan. A Carol ou a Fran, não me lembro, foi para a RPC. A gente foi para vários canais de comunicação da mídia tradicional. Mas a gente não conseguia competir com o que chegava no WhatsApp das pessoas, entende? Então foi algo realmente assustador, que a gente via que cada dia que eles conseguissem enrolar, eles conseguiam soltar mais fake, mais fake, mais fake. E essa ideia da ideologia de gênero, assim que começaram a atrelar com pedofilia. Então assim, cada hora que eles ganhassem com essa discussão eles conseguiam disparar mais fake, conseguiam ganhar mais material ali, para não ter aprovação. Mais histeria coletiva, pânico moral completamente para não ter aprovação.
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Qual sua visão sobre o arquivamento de todas as emendas?
É o voto que eu falei do Paulo Biazon. Ele que apresentou senão todas, eu não posso falar que foi todas porque eu não tenho certeza absoluta, mas se não foram todas foi a grande maioria foi ele que apresentou. E foi realmente para dificultar nosso trabalho, porque a gente virou a madrugada estudando essas propostas e ele sabia que elas todas teriam que passar por uma votação, teriam que ser discutidas e tudo mais. Então foi uma estratégia para ir enrolando o nosso projeto.
E daí o arquivamento demonstra claramente que a estratégia era essa. Porque quando ele viu que a maioria dos vereadores já tinha sido vítima do pânico moral das pessoas ali, ele viu que não ia ser aprovado ele retirou todas. Isso demonstra que ele não queria diálogo. Porque se ele quisesse discutir esses requerimentos ele tinha tirado uma ou outra. Não é? Mas ele não queria. Ele não queria realmente colocar essas emendas, ele queria vetar integralmente o projeto. E foi o que ele conseguiu fazer. Tanto é que ele retirou todas de uma vez.
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Acredita que houve perda de não ter acontecido a discussão das emendas?
Quanto às emendas eu acredito que não. Todas elas eram muito vazias assim, muito esvaziadas de conteúdo, muitas delas assim elas juridicamente elas não poderiam nem existir. Elas seriam contra a Constituição, seriam contra a Lei Orgânica do Município. Então assim elas eram bem vazias de conteúdo.
Eu acho que a gente perdeu a oportunidade de fazer uma discussão importante ali na câmara de vereadores, se os vereadores estivessem abertos a discutir. Alguns estavam, alguns não estavam. Alguns estiveram conosco desde o começo, alguns tiveram contra nós desde o começo. Mas a gente perdeu oportunidade de enriquecer o debate quando a gente colocou essa discussão como refém de um grupo que tava interessado na verdade em ganho de capital político.
Muita gente ganhou muito capital político com a nossa discussão. Então sendo contra a ideologia de gênero, quanto vereador eu poderia falar um aqui em específico, dois assim em específico, ganharam muito porque são mais ligados à vertente bolsonarista, à vertente de extrema-direita. Quantos ganharam falando ‘olha, eu sou contra a ideologia de gênero’. Então eles ganharam muito em cima da gente.
No fim das contas não era sobre o nosso projeto, mas era o que eles ganharam em cima do nosso projeto. E não só os vereadores mas outros entes aí da comunidade maringaense, principalmente do setor religioso, ganharam muita visibilidade, apareceram na TV falando sobre como eles eram contrários à nossa proposta. Sendo que eles tavam se valendo de uma enormessísima fake news talvez a maior da década que é a tal da ideologia de gênero. Se não dessa década passada de 2010, de 2020 deve ser a maior, uma das maiores.
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Você consegue identificar algum tipo de articulação/movimento/ação que poderia ser feito para aumentar a chance do projeto passar?
Eu acho que só o fato da gente ter conseguido colocar essa pauta em discussão, já foi uma enorme vitória. Nos tempos que a gente vive hoje. Que a gente vive um tempo de ascensão da extrema-direita, a gente vive um tempo que na verdade os direitos LGBT estão sendo reduzidos. Que é uma contra onda do que a gente teve, dos resultados que a gente teve no STF recentemente. Então assim, só o fato da gente ter conseguido lançar esse projeto, só o fato da gente ter conseguido fomentar essa discussão, só o fato da gente ter se unido tanto, já foi uma vitória.
Eu não consigo enxergar na conjuntura que a gente teve alguma articulação única que teria sido determinante para o projeto ter sido aprovado. Porque o que a gente viu foi realmente um problema estrutural. Um problema estrutural de desinformação da população, um problema estrutural que a gente está vivendo de aparelhamento político, de descontrole das fake news, a gente não tem mais como controlar o que está sendo dito, sabe. E não controlar num sentido ruim, mas controlar num sentido assim do que tá fazendo mal para as pessoas. Aquilo tá fazendo mal as pessoas acreditarem que as pessoas LGBT ou as pessoas que lutam pelos direitos LGBT são ligados à pedofilia, sabe? Isso faz mal para a sociedade como um todo. O pânico geral que isso gera faz mal para a sociedade como um todo.
Então eu não consigo ver um ponto único que teria revertido esse processo, esse resultado. Mas eu consigo imaginar que assim, com passinhos de formiga, com informação, com conscientização, com debate, com luta, com resistência, a gente consegue reverter esse resultado, mas isso vai ser algo a longo prazo. A curto prazo para esse projeto em específico eu não consigo imaginar como a gente conseguiria ter revertido.
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Houve uma crítica que: o conselho não deveria poder atuar no campo da educação.
Eu já falei até de um caso que apareceu aqui. O que acontece é que quando a gente fala de um conselho LGBT a gente discute necessariamente gênero, os papéis de gênero. Inclusive essa é uma pauta que interliga tanto a pauta feminista com a pauta LGBT+. Quando a gente discute papéis de gênero, a gente não tá discutindo só sobre a sobre a questão de determinar o gênero pelo sexo, pelo órgão sexual. A gente também tá discutindo os papéis de gênero que são atribuídos na sociedade. Então o que as meninas podem fazer, o que os meninos podem fazer.
Também seria no nível de conscientização nas escolas. Então, por exemplo, eu tenho um filho que vai para uma escola pública e eu também tenho namorada. Então eu preciso que na escola o meu filho não seja discriminado por ter uma mãe que é bissexual, entendeu. Só que isso eu só vou conseguir se eu puder conversar com a Secretaria de Educação. Eu não tô falando de impor nada para a Secretaria de Educação, isso tem que ser muito dito e repetido. Ninguém ensina alguém a ser LGBT. Ninguém ensina alguém a ser gay, lésbica, bissexual, transexual, intersexo. Ninguém ensina. Essa é uma condição que a pessoa nasce assim. A pessoa é assim e simplesmente é. Então a gente não pode imaginar que trabalhando na educação a gente vai doutrinar as crianças, não. Isso é para que as crianças saibam que elas podem ser o que elas quiserem, para que elas sejam acolhidas. Porque pensando que é uma condição que a pessoa nasce assim, a criança que nasce gay, a criança que nasce transexual ela precisa ter um acolhimento diferenciado. E não só isso, a professora precisa saber olhar, reconhecer, saber como lidar com aquilo, a diretora, a funcionária. Todas essas pessoas precisam estar capacitadas para reconhecer e acolher uma criança com essa condição, entendeu.
Além do fato de ser uma instituição de família. A escola também é uma instituição social. Então ela precisa tá preparada para lidar com essa situação. Não é sobre impor nada na categoria de educação, ensinar a ser LGBT, nada disso. Mas é uma esfera importante. Se a gente está falando de um problema estrutural é óbvio que as escolas têm que entrar, certo. Porque a gente está falando de nível de conscientização, de informação, então a gente precisa sim atuar nas escolas.
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Houve uma crítica que: o conselho levaria a implantação de ideologia de gênero nas escolas de Maringá.
O debate vai lá para trás. A ideologia de gênero, eu até tô estudando um pouco sobre isso nos últimos tempos, e a ideologia de gênero foi uma ideia que foi criada como reação à legalização do casamento gay no Brasil. Que foi uma determinação pelo STF, o registro de casamento civil por casais homoafetivos. Como resposta começou a surgir inúmeras contra ondas. Um movimento social é assim. Sempre que existe a ascensão de um movimento vai existir um movimento contrário. Então, por exemplo, a gente vê agora a ascensão da extrema-direita, a gente tá vendo um movimento muito forte de resistência por parte da esquerda. Isso é um movimento social, quem estuda história, quem estuda sociologia vai perceber isso.
Com isso, construíram esse debate da ideologia de gênero, que se você procurar na academia, se você procurar nas universidades, aí eu tô falando a nível mundial também, você não precisa só ir para as nossas qualificadíssimas universidades brasileiras, você vai ver que não existe ideologia de gênero. Isso é algo que é inventado. Se a gente for pensar o quê que é uma ideologia de gênero, que seria algo imposto, que seria algo que a gente tem que ser, a gente vai cair na verdade nas cisheteronormatividade. O quê que as pessoas querem que a gente seja ou esperam que a gente seja? As pessoas esperam que a gente seja cis e que a gente seja hétero, entende? Quando a gente vai nos filmes da Disney, quando a gente vê as nossas referências nos comerciais, quando a gente vai para a igreja, para a escola, o quê que a gente é ensinado? Que o ‘normal’ é ser hétero e é ser cis.
Então se existe uma ideologia sendo implementada, uma ideologia de gênero sendo implementada é a ideologia cisheteronormativa e não é ideologia de ser gay, ser lésbica, ou ser trans, ou ser LGBT no geral. Assim como a ideologia dos papéis de gênero, que eu acabei falando aqui também. Se existe uma ideologia de gênero que está implementada, é a ideologia de que mulheres devem fazer uma coisa e homens devem fazer outra. Que a gente já vem desconstruindo, a gente já vem desconstruindo há décadas, há séculos. Então assim gente, vai acontecer conservadores, vai acontecer, é uma questão de tempo. Não a implementação de ideologia de gênero até porque isso não existe. Essa é uma invenção da própria extrema-direita, dos próprios conservadores. Mas a gente vai viver um mundo mais diverso, a gente vai viver um mundo mais plural, a gente só tá realmente demorando um pouquinho mais do que poderia ser.
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Houve uma crítica que: o conselho seria antidemocrático, já que apenas grupos atuantes na promoção dos direitos LGBTI+ poderiam participar.
Mas não é verdade. Não é verdade. Como eu disse aqui não existe carteirinha LGBT, então não teria que fazer a apresentação do documento. É claro que é importante, como eu expliquei, ter a presença de pessoas que são declaradamente LGBT para gente contar com essa experiência, com essa vivência dessas pessoas. Mas isso não é verdade, existiam cadeiras ali que poderiam ser ocupadas por pessoas LGBT ou não.
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Tem algum conselho ou dica que você daria para pessoas em outras cidades que estão pensando em implementar um projeto similar?
Tem: façam. O meu conselho, a minha dica é que façam. Pode ser que não passe. Mas pode passar em um outro ano e isso vai fortalecer muito o movimento. De novo, não é um problema conjuntural, não é um problema que a gente tem aqui em Maringá ou lá em Londrina ou aqui no Paraná, é um problema estrutural não é porque ‘nossa, os nossos vereadores são monstros, são horríveis, são homofóbicos’. Pode ser que seja, pode ser, mas não é sobre isso, é sobre a estrutura. Então, por mais que não venha a ser aprovado, como não foi aqui, é um movimento simbólico, é um movimento representativo, é um movimento muito importante. Então bora juntar com pessoas que têm um entendimento mínimo de técnica. Pega ali um modelo na internet, conversa, entre em contato com um vereador da sua cidade, vai atrás de fazer acontecer, que é necessário, assim. É necessário os conselhos municipais, não só LGBT, mas qualquer um conselho municipal, eles são essenciais para gente ter uma atividade democrática, essenciais para a gente fazer debate de política pública, para a gente engrandecer a nossa sociedade. Então tem que ir atrás de fazer. O meu conselho é que façam. E de preferência procurem alguém que tem um conhecimento técnico, procurem também um vereador, façam isso pensado. Organizem-se. Não precisa fazer na louca, sair agora e tudo mais, mas se organizem, conversem com as pessoas ali também LGBT da sua cidade, para vocês fazerem um movimento organizado e bem pensado que é muito importante.
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Ocorreu a organização para a criação do conselho como uma associação não governamental. Como foi esse processo e como é a atuação atualmente?
A gente deu um tempo depois que a gente teve a não aprovação, a gente deu um tempo, deu uma distanciada, que foi assim um baque para nós. Foi algo que todo mundo que tava envolvido se entregou muito para aquilo. E depois a gente pensou ‘tá, disseram que não, mas a gente vai fazer mesmo’. Assim é claro que não têm as mesmas possibilidades de um conselho municipal mas ao mesmo tempo também não tem as mesmas limitações de um conselho municipal. A gente fez do jeito que a gente achava certo. A gente fez com pleno diálogo com as instituições LGBT. A gente fez com muita técnica jurídica também, contando também que existem diversos advogados ali. Então foi mais ou menos esse processo, a gente deu um tempo, depois a gente pensou ‘tá, não é isso que vai nos parar, como que a gente vai continuar e se manter organizados’. Porque se manter organizados é muito importante. É assim essencial para construir um movimento que vai ter êxito.
Porque a gente pode não ter tido êxito na implementação, mas a gente teve êxito em muitas outras situações. A gente teve um diálogo muito bom com o Executivo, a gente conseguiu diálogo com o Ministério Público, a gente teve diálogo com vereadores que, por mais que não tenha passado na casa legislativa, a gente teve outros vereadores parceiros. A gente tem possibilidade agora de pensar os projetos no conselho privado, como organização privada e levar esse projeto para um vereador que seja nosso parceiro para ele encaminhar para a câmara, para a câmara fazer a discussão lá. A gente tem como emitir nota. A gente tem como fazer os nossos pareceres. É claro que não é igual, não é exatamente igual, mas é muito importante também para a gente se manter unidos e organizados.
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Qual o status do conselho atualmente? Ele está em funcionamento?
Ele tá em funcionamento, mas a gente ainda tá desenvolvendo o estatuto para fazer o registro do estatuto e a gente vai existir, não é como organização não-governamental tá, é como associação privada. A ideia, ainda não temos, mas a ideia é que a gente tenha um CNPJ e funcione como uma associação que é sem fins lucrativos. E a ideia é realmente manter assim a afinidade entre os grupos, né, para gente não se dispersar novamente como a gente tava antes desse projeto.
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Existe interesse em retomar a tentativa de existir como um conselho ligado ao ente público no futuro?
Sim. Existe. Estrategicamente não vou ficar passando muitos detalhes. Mas a ideia não é desistir da gente ter essa representatividade não. Talvez não seja agora para o ano de 2022, porque vai ser um ano difícil, um ano eleitoral, que vai ter muita polarização. E quanto mais a gente fomentar a polarização, na minha opinião, é pior. Então eu acho que a gente tem que ter foco em outras coisas agora nesse momento, mas pode ser que venha também. Mas provavelmente vai ser algo que vai ser colocado em pauta. É que não pode ser colocado em pauta na mesma legislatura, tem que ser na outra, a não ser que a maioria dos vereadores tope fazer essa discussão de novo. Então provavelmente vai ficar para alguns anos seguintes aí. Mas é uma ideia sim, com certeza.