Entrevista com a participante de organizações da sociedade civil, Jéssica Magno. Ela fala sobre o processo de criação e da recepção do projeto de lei que criava o Conselho Municipal LGBTI+, que foi rejeitado na Câmara de Maringá em 2021.
A entrevista ocorreu no dia 11 de março de 2022. Quem entrevistou foi Marcus Carr. Quem gravou foi Linda Guzman.
Este projeto foi produzido com verba do prêmio bolsa pesquisa e fazer artístico cultural de Maringá. Recursos oriundos da Lei Aldir Blanc (Lei federal nº 14.017, de 29 de junho de 2020).
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Entrevista com Jéssica Magno
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Apresentação. Qual seu nome, profissão? Quais cargos que ocupa nas diferentes organizações?
O meu nome é Paula Jéssica. Sou estudante de pedagogia na Universidade Estadual de Maringá. Sou coordenadora da ONG Resistrans. Sou vice-presidenta do Conselho Municipal LGBT de Maringá. Sou membro da ONG Maria do Ingá Direito das Mulheres. Eu fui recém eleita Secretária de Mulheres do setorial de Maringá, onde sou a primeira travesti no Brasil a ocupar o cargo dentro do Partido dos Trabalhadores.
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A ONG Maria do Ingá, ela atua na contextualidade de formação e informação dos direitos das mulheres. Principalmente focado na questão da violência.
A ONG Resistrans, ela é focada na questão da deliberação e contextualidade de toda a pauta do segmento trans e travestis de Maringá, e a gente às vezes ultrapassa os limites do município ajudando pessoas de outros municípios.
E o Conselho Municipal ele é a junção de todos os coletivos e instituições que interferem referente a questão da pauta LGBTQIA+ de Maringá.
E eu esqueci de falar que eu também faço parte da UNA. Que é a União Nacional LGBT, que também é uma instituição que contextualiza a pauta.
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Como você ficou sabendo do projeto de criação do conselho? E por que decidiu participar?
Na verdade eu não fiquei sabendo, eu estava fazendo parte dessa criação. Fui uma das co-organizadoras. A minha participação, ela foi bastante efetiva na questão do chamamento do processo de contextualização da pauta trans de como nós seríamos estaríamos contempladas no processo do conselho. Então foi mais ou menos aí que a gente entra.
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Comente sobre como surgiu a ideia, como foi o processo de criação.
Há um tempo atrás, nós criamos o comitê permanente. Que era um coletivo onde tinha um pessoas e instituições ligadas à pauta LGBTQIA+. E foram surgindo outras pessoas com a vontade de construir algo mais institucionalizado. Então a partir daí surgiu a ideia da construção e da elaboração do processo que levaria a contextualização do Conselho Municipal LGBT via município.
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Comente sobre a importância do projeto do conselho. Quais resultados se objetivava conseguir com sua criação?
Acredito eu que todo ser humano, dentro da sua particularidade, ele deva ter o direito de ter políticas públicas voltadas ao seu segmento, entendeu. As mulheres com segmento de mulheres, como nós temos aqui em Maringá o Conselho da Mulher; o Conselho da Igualdade Racial, o Conselho de Segurança, como vários outros conselhos. Nós temos conselhos até para animais na cidade de Maringá, e por que não ter um conselho voltado à população LGBTQIA+ que é uma porcentagem grande?
Se eu não me engano passa dos 40 mil, segundo os dados da prefeitura, passamos de 40 mil pessoas. Então esse é um número bastante relevante, que inclusive pode chegar a eleger um deputado estadual ou até mesmo vários vereadores dentro de Maringá. A importância ela é bastante relevante. Por que? Dentro do conselho nós deliberamos e discutimos políticas públicas voltadas à população LGBTQIA+. Então o que acontece? O conselho ele contextualiza isso, e leva para o Poder Executivo e o Poder Executivo ele executa.
Nós teríamos um papel fiscalizador, um papel de conselho, e também teríamos um papel de fundamentadores de ideias. Nós não queríamos de maneira alguma como foram colocadas várias fake news que nós iriamos adentrar à igrejas, proibir pastores de pregar e essas coisas a demais. Então a importância maior do conselho seria dar dignidade à população LGBTQIA+ de Maringá. Principalmente aos corpos trans que dentro do recorte da sigla é o segmento que mais sofre, é o que mais morre, é o que mais passa por violência entre outras coisas referente à questão de políticas públicas.
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Como foi o processo de construção da legislação? Com quem? Que duração? Tiveram divergências?
Na verdade nós não tivemos divergências que ocasionassem conflitos. As nossas divergências eram voltadas a questões mais institucionais: isso pode, isso não pode isso; é constitucional, isso não é constitucional; vinham ideias aí já não podia porque era inconstitucional. Nós não divergimos em nada na verdade. Não teve um processo de briga. Isso surgiu mesmo dá vontade de nós, tanto pessoas físicas quanto coletivos, de dar visibilidade para a população LGBTQIA+ de Maringá.
Porque querendo ou não, até esse momento, nós não tínhamos nenhuma discussão voltada à nossa população. A partir desse momento, o prefeito ele começa ali a construir algo, então meio que mastigado. E mesmo assim às vezes ainda não é o que de fato agrade a comunidade. Porque é muito fácil você colocar uma pessoa política para deliberar. Mas é de extrema importância você colocar alguém que realmente de fato conheça as necessidades da população, que viva na comunidade, que me milite junto com a comunidade. Não basta só colocar alguém para coordenar um projeto que envolva a população LGBT sem essa pessoa realmente de fato saber na essência a necessidade da comunidade.
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Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela câmara de vereadores?
Eu fui uma pessoa que eu fui muito crente. Até o último momento eu vou até me emocionar agora porque eu fiquei muito abalada no dia, muito abalada mesmo. Eu fiquei crente até o último momento que o projeto ia passar, e eu acreditava que o projeto ia passar. Eu achei de uma extrema covardia o que aconteceu conosco. Foi uma coisa assim que eu posso dizer traiçoeira. Porque como eu falei para você, existe conselho até para os animais e nós pessoas LGBTs fomos negados o direito à cidadania dentro do nosso município, exercer nossos direitos, enquanto conselho. Então não desmerecendo jamais a causa animal, nunca, mas os nossos direitos enquanto pessoas LGBTs valem menos do que animais? Então isso me causou muita dor no momento. Eu fui crente que o projeto ia ser aprovado e saí de lá carregada aos choros, em prantos porque briguei, fui aos tapas com pessoas da extrema-direita. Porque eu fiquei extremamente abalada, em estado de choque. Quem me acompanhou nesse processo, nesse pós votação sabe mais do que nunca o quanto que eu fiquei abalada e chocada emocionalmente.
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Houve algum tipo de tentativa de comunicação com os vereadores para buscar explicar o projeto?
O projeto, do começo ao fim, ele foi tratado de gabinete em gabinete. Nós fomos até nos gabinetes dos vereadores da oposição, eles falavam das tratativas deles, dos contras, se a gente podia modificar isso para melhorar o ponto de vista deles, para eles, entendeu? E nós às vezes cedíamos, colocávamos, tirávamos uma vírgula, alguma coisa parecida. Vamos tentando encaixar para que não desagradasse de forma grosseira, como eles colocavam, mas que ficasse uma coisa mais plausível.
Mas, todos os vereadores. Hoje nós temos o conselho privado, até então não era o conselho, eram as instituições junto ao Poder Executivo, que o projeto era do Poder Executivo, junto ao Poder Executivo discutindo e deliberando com pires na mão, pedindo apoio para que o conselho fosse criado de fato.
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Houve uma emenda pela: remoção do caráter deliberativo e fiscalizador do conselho.
Inclusive o Conselho do Animal, ele é deliberativo e fiscalizador, entendeu? E porque o nosso não seria? Se nós estamos ali para construir políticas públicas voltadas a um segmento social, eu acho de extrema necessidade que ele seja deliberativo e fiscalizador. A questão da fiscalização não é justamente o que colocaram nas fake news que nós iríamos adentrar espaços e iríamos tentar dar voz de prisão, que isso, que aquilo, entendeu? Foram várias notícias falsas que surgiram pela cidade no período.
Mas é a questão do fiscalizador, é você fiscalizar o Executivo. Se o Executivo de fato está deliberando as pautas no qual o conselho está deliberando. Como é que eu vou propor um projeto de lei sem essa deliberação? Né não? Eu acho assim foi de uma extrema ignorância da parte deles, uma grosseria sem tamanho, porque eles queriam no caso nos ter como um conselho, como que eu poderia colocar, como um conselho ou figurativo, entendeu? Onde nós não tivéssemos de fato poder de atuação. Porque nenhum conselho consegue ser ativo se ele não for deliberativo e fiscalizador.
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Houve uma emenda pela: remoção da competência da participação orçamentária do conselho.
Inclusive, eu não sei, mas alguns outros conselhos eles tem uma verba mínima, que é justamente para a contratação de secretário, a questão do cafezinho que é servido durante a reunião. Não seriam fatores de milhões, como acredito que muitos por aí devem ter pensado. Seria uma quantia mínima para que a gente pudesse manter e se manter nas reuniões. Não seria algo que seria usado em outro espaço, em um outro ambiente que não nas reuniões, e nas questões que envolvessem o conselho.
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Houve uma emenda pela: inclusão de 2 vagas no conselho a serem escolhidas pela OAB e OPEM.
Para mim não teria problema nenhum a participação da OAB. Pelo contrário, a OAB, ela é uma instituição que representa de fato uma parcela da população. Ela é o poder fiscalizador do advogado. Então por que não ter uma cadeira? Para mim não teria problema algum.
Da OPEM para mim também não teria problema algum. Porque a OPEM, querendo ou não, nós temos pessoas LGBTs que estão em questão de privado de liberdade. Então para mim também não teria problema algum.
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Houve uma emenda pela: remoção do requerimento que representantes da sociedade civil estarem “atuantes no campo da promoção e defesa dos direitos de pessoas LGBTI+”, passando a permitir a participação de representantes de qualquer área de promoção dos direitos humanos.
Vamos se dizer assim, por exemplo, na questão, dentro do conselho ou da gerência da diversidade racial existem pessoas brancas? Não. Então porque a gente iria ter um conselho a onde a sociedade civil que contextualiza, pauta, organiza, fiscaliza, e delibera ações voltada à população LGBT fosse excluída dessa discussão? Não tem lógica alguma.
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Houve uma emenda pela: pela remoção da recomendação de um mínimo de 50% de representatividade feminina no conselho.
É na verdade para mim poderia até ser 100%, entendeu? Porque eu sou extremamente feminista. Acredito que nós mulheres devemos ocupar o maior número de espaços, o maior número de cadeiras em qualquer lugar de representatividade. Então para mim a paridade de gênero, ela é algo que é plausível, porque a gente consegue alinhar as discussões. Porque na verdade o que acontece, a maioria da militância LGBTQIA+, a maioria acaba sendo mulher, somos nós que damos a cara a tapa.
Então pode ser que esse número não seria significativo, porque a gente poderia simplesmente ultrapassar. Porque quem indica a pessoa é a instituição. E a instituição pode deliberar se é um homem, se é uma mulher, entendeu? Mas respeitar a paridade de gênero, eu garanto que sem sombra de dúvida para mim é bastante plausível.
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Houve uma emenda pela: remoção da garantia de vagas para cada um dos segmentos que compõem a sigla LGBTI.
A questão é: eles queriam esvaziar o quanto mais, entendeu? Aí o que acontece, teria que você criar uma ONG ou uma instituição especificamente para mulheres lésbicas. Aí teria que se criar uma instituição especificamente para a população trans. Então eles sabendo que o movimento em si já é unificado, nós já contextualizamos as pautas voltadas a essas questões, a ideia dessa emenda era justamente esvaziar, entendeu, o conselho.
Lógico e evidente que nós temos sim, sem sombra de dúvida. Tanto é que eu coordeno a ONG RESISTRANS, que pauta e contextualiza o direito da população trans e travesti. Temos coletivos de mulheres lésbicas? Temos. Mas o intuito dessa emenda era justamente esvaziar o conselho de uma forma escabrosa. Porque a ideia deles era que nós não tivéssemos de fato a representatividade.
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Que impacto você acredita que essas emendas teriam no projeto?
O projeto, ele saiu do Executivo, então ele foi muito bem estudado tecnicamente, entendeu? Ele foi algo assim muito maleável, ele foi algo muito bem contextualizado, em tudo, entendeu? Então essas tratativas de emendas foram justamente para dificultar o processo, entendeu? Teve vereador que pediu a retirada da pauta do projeto por não sei quantas sessões, teve vereador que fez outras emendas ainda mais escabrosas do que essas que vocês viram.
Dentro do senso comum pode não parecer muito agressivo. Por exemplo, ‘não vamos dar cadeira para todos os segmentos que contextualizam a pauta LGBTQIA+, e sim vamos dar cadeira para cada um segmento’. Isso quem aí deliberar seria a assembleia constituinte, que iria fazer a composição dos conselheiros. Porque querendo ou não, eu acho de extrema importância cada sigla ter sua representatividade, mas isso no caso pode causar uma falha, porque uma instituição pode vir a deixar de existir, e uma outra que contextualize também a pauta, mas que leve dentro do seu nome a sigla toda possa deixar de exercer a sua funcionalidade dentro do conselho, entendeu? Então assim foi bom sem sombra de dúvida a ideia, mas pensada de uma forma traiçoeira.
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Qual sua visão sobre o arquivamento de todas as emendas?
Se eu não tô muito enganada, quem pediu para arquivar essas emendas foram os próprios vereadores que fizeram as propostas. Até então ficamos felizes por entender que eles tavam respeitando a nossa ideia de conselho, mas nós não esperávamos que a ideia de retirada era para lá na frente eles darem um supetão e um puxão de tapete na gente.
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Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela população maringaense?
Eu acredito que toda pessoa LGBTQIA+ tenha mãe, tenha pai, tem irmão, tem um primo, tem amigo. Então eu não vi a população de Maringá revoltada. Eu não vi a população de Maringá assim se sentindo ameaçada com o conselho. O que nós vimos foi um grupo seleto de pessoas conservadoras ligadas às igrejas de cunho religioso conservador querendo boicotar, entendeu? Algumas pessoas ligadas a movimentos políticos de extrema-direita querendo nos boicotar. Não era a sociedade maringaense, eram pessoas com pensamentos conservadores com pensamentos errôneos referentes ao ser humano LGBT, entendeu? Porque as pessoas têm que entender que o nosso estado é laico. E quando o nosso estado é laico, ele simplesmente diverge a opinião religiosa do ser civil.
E nós pessoas LGBTs pagamos nossos impostos, nós somos cidadãos, entendeu? Nós elegemos inclusive esses vereadores, elegemos o prefeito. Inclusive eu votei no prefeito no processo de segundo turno. Então assim, é assustador. Porque não era a população, era um grupo que eu posso dizer de extrema ignorância. Um grupo ignorante de pessoas que simplesmente não estavam nos vendo enquanto os seres humanos, e sim abominações demoníacas, seres que foram simplesmente criados por um demônio. Esqueceram que nós fazemos parte de uma sociedade e essa sociedade, ela delibera e limita direitos e deveres.
Não é porque eu sou LGBT, que eu sou uma mulher trans, que eu não deva ter o meu direito e eu também não tenha minha obrigação como cidadã. Então eles não nos vêem quanto a isso. Eles nos vêem como abominações. Então é bastante assustador. E dói, dói muito. Eu posso garantir isso, o preconceito, a transfobia ela dói e ela mata.
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Ao que você atribui a rejeição do projeto na câmara?
Olha eu não queria falar muito porque tem gente que diverge da minha opinião. Mas eu acredito que foi uma sacada política. Uma questão de agradar a gregos e troianos, entendeu. Eu apresento aqui depois eu peço para retirar ali, entendeu? Foi mais ou menos isso. É minha opinião.
Você consegue identificar algum tipo de articulação/movimento/ação que poderia ser feito para aumentar a chance do projeto passar? (Vídeo 3, 4:50)? Querido, ações que nós fizemos eu acho que até se esgotou. Porque nós fomos para as ruas, nós conversamos, as mídias locais abriram várias discussões, foram feitas várias reportagens de pessoas a favor, de pessoas contra, entendeu? Com pessoas que estavam na discussão da elaboração do projeto. Então assim foi o feito o máximo, nós demos o máximo de nós para que esse projeto fosse aprovado, para que existisse de fato um conselho. Não poderia o quê ser feito a mais, entendeu?
Acredito o que poderia ter sido feito a mais era o Poder Executivo, com o poder que ele exerce sobre a sua bancada de apoio determinar que vocês votem junto com o governo, vocês votem o projeto. E os partidos também, os partidos alguns de centro-direita, uns de centro-esquerda, se submeteram à insolência e ao medo. Uns se acovardaram na verdade. Acharam que aprovando o projeto poderiam perder leitores, mas eles esquecem que a população LGBT é uma população que também vota. E nós somos uma população que a gente não esquece, a gente apanha, apanha mas não esquece.
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Houve uma crítica que: o conselho não deveria poder atuar no campo da educação.
Muito fácil. Por exemplo, na questão da discussão de gênero, eu falo discussão de gênero porque eu sou estudante de pedagogia, então eu mais do que ninguém entendo do assunto.
As pessoas, elas criam falácias como a questão da ideologia de gênero. Geralmente quem estupra a criança é um parente próximo, entendeu? Então na maioria das vezes, se você parar para analisar, as pessoas que negão essas discussões são homens mais velhos, mulheres conservadoras ligadas a seitas religiosas que são alienadas a fatores bíblicos.
Então a ideia de difundir, discutir junto à comunidade educacional é justamente para que as pessoas entendam que existem corpos e corpos, então existem crianças e crianças, e existem adolescentes e adolescentes. E todas essas pessoas devem ser respeitadas, não somente enquanto indivíduos, elas devem ser respeitadas como seres humanos, entendeu? Em Maringá, por exemplo, não existe nenhuma discussão que contemple ou discuta o acompanhamento psíquico-social, psicológico de uma criança que venha a ter traços LGBTs.
Então essas pessoas têm medo de que a ideia que as pessoas passem a se respeitar, que a criança entenda que aquele carinho não é carinho, cause na criança um start de conhecimento. Porque é justamente isso, ninguém nasce homofóbico, ninguém nasce racista, isso são coisas difundidas socialmente e dentro de casa. Então a escola muita das vezes ou palestras extracurriculares possam difundir e discutir o empoderamento dessas crianças, desses jovens, muitas das vezes adultos, de que pessoas elas têm que ser respeitadas não pela orientação sexual dela mas elas têm que ser respeitada por elas serem quem são, e respeitarem a particularidade delas como seres humanos.
Eu vou falar seres humanos porque nós somos seres humanos e devemos ser respeitados como igual, entendeu? Nada diferencia a nós de outras pessoas. Eu não vou ser menos capaz porque eu sou uma mulher trans travesti, você não vai ser menos capaz porque você é negro, e ela não vai ser menos capaz porque ela é mulher. Então a sociedade, muitas das vezes, tenta nos afastar dessas discussões justamente para nos tornar incapaz, entendeu? Porque quando você não leva a informação para as pessoas a gente cria o que futuros conservadores, futuras pessoas que vão ir com a ideia de uma maioria, que muita das vezes está fundamentalizada justamente nessas ideias ‘pecaminosas’. Então é mais ou menos isso.
E na questão do conhecimento, é muito importante que a criança respeite a outra criança. Porque a discussão gênero ela desmistifica e desconstrói o ato do bullying. Porque, por exemplo, aqui em Maringá, existe muito aquela questão de separar menino e menina, fazer brinquedo rosa para as meninas, brinquedo azul para os meninos. E as pessoas não sabem o porquê do rosa e do azul. Como surgiu a ideia de que rosa é feminino, e azul é masculino. Até séculos passado o rosa era utilizado por homens. Já que vai ficar documentado, eu posso dizer um pouquinho de como que foi que surgiu isso. Isso foi a indústria da moda infantil que lançou essa ideia. Então as pessoas se fundamentalizam por ideias que nem elas sabem da onde veio. Então eu acredito que esse medo, ele sejam um medo carregado de culpa: ‘Eu tenho culpa, porque um dia eu passei a mão na perna da minha sobrinha, e um dia ela pode descobrir que aquela passada de [mão] na [perna] dela não foi uma simples passada de [mão], foi um estupro’.
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Houve uma crítica que: não há necessidade de criar um conselho LGBT, já que essas questões poderiam ser abordadas em outros conselhos.
Eu não discuto direito animal, no Conselho da Mulher. Simples.
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Houve uma crítica que: a criação de um conselho específico para a criação de políticas públicas LGBT seria discriminatório, já que defende o interesse de apenas parte dos cidadãos de Maringá, e não todos; o correto seria criar um conselho de direitos humanos para defender os direitos de todo mundo.
Mas já existe conselho voltado à questão dos direitos humanos em Maringá. Inclusive recentemente foi criado o conselho que contextualiza o [refugiado, migrante e apátrida]. Então existe conselho para tudo em Maringá. E todas essas pessoas são contempladas. Mas me pergunte quantas delas existe uma cadeira destinada para o segmento LGBT? Nenhuma. A única que ainda contextualiza é a secretaria de mulheres, porque foi uma imposição do movimento que incorporasse as mulheres LBTs dentro do conselho. E então, isso é algo que nem deveria ser colocado em pauta, por pessoas ignorantes
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Houve uma crítica que: o conselho seria antidemocrático, já que apenas grupos atuantes na promoção dos direitos LGBTI+ poderiam participar.
Todo conselho ele abre justamente para segmentos, coletivos. Se você tem um coletivo e você acha que o seu coletivo tem um potencial de atuação para entrar dentro do conselho, você pode concorrer à vaga de conselheiro, entendeu? Não existe nenhum conselho que não seja feito dessa forma. Você tem que representar algo. E esse algo ele está direcionado a pessoas. Então não tem nada de antidemocrático, é super democrático. Porque ele está representando justamente uma parcela da população que é esquecida.
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Tem algum conselho ou dica que você daria para pessoas em outras cidades que estão pensando em implementar um projeto similar?
O conselho que eu daria é não confiem. Não confiem. Sejam bastante cautelosos porque a mesma mão e o mesmo braço que te apoiam é o mesmo que vai te apunhalar.
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Ocorreu a organização para a criação do conselho como uma associação não governamental. Como foi esse processo e como é a atuação atualmente?
Depois da facada nas costas que nós recebemos dos canalhas dos nossos vereadores, nós pensamos assim ‘nós não podemos ficar parados’. Nós pensamos em várias ações para a volta do projeto daqui a um tempo para a câmara de novo. Mas nós pensamos assim, nós precisamos de representatividade, nós precisamos deliberar, nós precisamos discutir. Então foi tomada a decisão de construir o conselho municipal privado. E esse conselho, ele está atuante. Inclusive é aberto desde que a pessoa faça uma pré solicitação para fazer parte da reunião. Ela não terá direito a voto, mas ela terá direito a voz e é isso.
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Comente sobre a atuação atual e o que espera da atuação futura deste conselho.
A atuação atual do conselho, ela é justamente a que era para ser se fosse municipal. Nós simplesmente tomamos, não um rumo diferente, mas uma roupagem diferente. Porque quando você é privado, você não consegue direcionar as políticas públicas reais que poderiam ser tomadas pelo Poder Executivo. Mas nós podemos de forma pluralista fazer essa discussão, elaboração de projeto em parceria com o Executivo, tanto com o Legislativo, quanto com outras instituições. Só que ela perdeu o caráter municipal, ligada ao município.
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Tem algo a mais que você gostaria de dizer? Conclusões.
O que eu posso dizer de tudo isso é que para mim foi um aprendizado muito grande, real. Nunca ser muito confiante, e nunca ser menos confiante. Você sempre estar ali naquela questão do ‘será se vamos?’, ‘será se vai dar certo?’. Porque às vezes o tombo pode ser menor e a dor pode ser menor. Porque eu fui muito confiante nesse processo todo, me doei pelo processo todo, assim como todos os outros doaram. Eu não sei se doeu tanto quanto em mim. Porque como eu represento justamente essa parcela que é a mais agredida, que a mais violentada, que é a que mais morre, isso me doeu muito. Muito, muito, muito.
Porque infelizmente no Brasil, nós mulheres trans e travestis ainda somos a parcela da sigla LGBT que mais morre, é a que mais apanha, entendeu? E nós não morremos de formas somente naturais, nós somos a parcela que morre de forma brutal. É com facada, é com tiro, é com paulada, são com objetos introduzido em nossos corpos, vamos dizer mesmo anus. Então isso dói muito. Muito porque eu penso assim ‘se hoje foi ela, amanhã pode ser eu’. ‘E se hoje foi ele, amanhã pode ser meu amigo’, entendeu?
Então a gente vive numa sociedade, que apesar da cidade ter o título como a grande melhor do Brasil para se morar, ela ainda não é a grande melhor cidade do Brasil para a população LGBT viver. Porque ainda temos vereadores ignorantes, ainda temos pessoas ignorantes, temos pessoas conservadoras que não nos respeitam e não nos dão o direito de ser cidadãos, de ser pessoas que tenham os seus impostos revestidos em dignidade. Então tudo isso que aconteceu me trouxe esses fatores como aprendizagem.
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Agradecimentos.
Mas enfim, eu quero agradecer a todos que se doaram naquele processo. A todos que deram seus nomes, a todos que deram seus corpos, a todos que intermediaram as ações. Quero agradecer a todos os vereadores, aos vereadores que nos apoiaram, que votaram a favor do projeto, que permaneceram conosco até o final, isso para mim é muito bom e engrandece eles enquanto seres humanos. Porque o papel do vereador é justamente isso, muitas das vezes legislar com o coração e não com ideologias religiosas e com pensamentos conservadores. Porque afinal eles são eleitos com o dinheiro público e eles devem sem sombra de dúvida defender a população e defender os direitos da população.