Entrevista com o participante de organizações da sociedade civil, Hebert Villela. Ele fala sobre o processo de criação e da recepção do projeto de lei que criava o Conselho Municipal LGBTI+, que foi rejeitado na Câmara de Maringá em 2021.

A entrevista ocorreu no dia 7 de março de 2022. Quem entrevistou foi Marcus Carr. Quem gravou foi Linda Guzman.

Este projeto foi produzido com verba do prêmio bolsa pesquisa e fazer artístico cultural de Maringá. Recursos oriundos da Lei Aldir Blanc (Lei federal nº 14.017, de 29 de junho de 2020).


# Entrevista com Hebert Villela

# Apresentação. Qual seu nome, profissão? Quais cargos que ocupa nas diferentes organizações?

Eu sou Herbert Vilela. Sou advogado de formação, mas servidor público da Prefeitura de Maringá. Com relação aos movimentos, eu represento inicialmente, faço parte dá UNALGBT, que é uma organização nacional e tem a coordenação aqui em Maringá. Também faço parte da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB subseção Maringá. E agora também do COMDIPLGBT de Maringá, que é o conselho que foi criado pela associação civil, pela organização civil de Maringá.


# Comente um pouco sobre cada organização. Como é sua atuação em Maringá?

A UNALGBT ela é uma organização nacional onde tem representantes estaduais e municipais. Ela atua em defesa em promoção dos direitos das pessoas LGBTI+. Mas não somente dessa população, ela atua em qualquer causa que seja progressista. Então ela apoia qualquer outra causa seja ela de mulheres, ambientais, raciais. Então a UNA ela meio que abraça tudo isso. E ela tem a difusão de movimento social mesmo aquele movimento que atua não somente em articulações, mas que vai para o combate. O combate quando eu falo é assim de fazer protestos, fazer nota de repúdio. Então ela tá numa articulação nacional entre todas as UNAs, as coordenações, mas também está vinculada às outras organizações da pauta LGBT. A UNA basicamente é isso. Aqui Maringá, a gente está se consolidando agora, depois de todo ocorrido que teve, a gente tava meio que espalhado quem era filiado à UNA, mas agora a gente tá junto, tem um grupo até que coeso. A gente está tentando fazer movimentações mais específicas e mais atuantes.

A Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB é uma das comissões que existem da OAB. Existem várias, de várias matérias, do direito da família, direito da mulher. São várias comissões. Uma delas é essa, e como eu me interesso muito pelo assunto, eu desde 2019 eu faço parte dela. E ela procura fazer a orientação, atendimento, direcionamento da parte jurídica da população de diversidade sexual e gênero, não só de Maringá mas também da região. A gente já chega a atender alguns municípios vizinhos, municípios até às vezes um pouco distantes que não tem uma seccional da OAB, então a gente acaba atendendo essas pessoas. Então ela é um pouco mais prática no atendimento jurídico e no direcionamento do jurídico.

E da Prefeitura de Maringá sou servidor, sou concursado. Atualmente eu trabalho na procuradoria, mas o meu trabalho é administrativo, é separado. E também sou doutorando da UEL, em sociologia. Onde o meu tema de pesquisa é justamente todo esse contexto histórico, fazendo um link com o contexto nacional que vem desde antes de 2018/2019, que tem esse desmantelamento das pautas que eles chamam de ‘minorias’. Então eu faço essa análise de lá para cá do nacional até o municipal. E analiso tanto a parte como ocorreu aqui em Maringá e refletiu lá em Londrina também.


# Como foi o processo desde a ideia até a elaboração do texto do Conselho LGBT dentro da Comissão de Diversidade e Gênero da OAB?

Quando na segunda gestão do atual prefeito, agora em 2021, foi criada uma gerência que é uma gerência da diversidade, e essa gerência ela foi criada devido à demanda da população LGBT dentro de um processo anterior que chama elaboração do plano diretor de Maringá. Na elaboração do plano diretor de Maringá, nós demandamos para que a prefeitura criasse algum espaço para a população LGBT na administração pública. Seja ela gerência, secretaria, diretoria alguma coisa que atendesse a demanda. E para nossa surpresa em 2021 foi criado essa gerência. Entretanto, em 2021 quando foi criada a gerência, não havia a pessoa que ocupasse aquele cargo. Então a primeira reunião que a gente teve quando a gente verificou que tinha gerência foi a reunião com o secretário da pasta, que tá embarcada a pasta da gerência de diversidade, o secretário de juventude e cidadania o Emanuel Predestin marcamos uma reunião com ele e com o superintendente Guilherme Mariuci e estivemos presentes alguns membros da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero. Onde apresentamos um documento para eles com acho que foram três principais demandas para que a gerência pudesse atuar logo de imediato. Um deles era a criação do conselho, outro era com relação ao nome social, e o outro eu acho que era com relação à multa administrativa para quem praticasse LGBTfobia em ambientes comerciais aqui de Maringá. Então foi um documento que a gente apresentou para eles para que eles começassem a trabalhar.

Mas a primeira demanda que a gerência da diversidade começou a atuar foi um mapeamento da população LGBT de Maringá. Como a gente não tem um censo para essa população, não só a Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero, mas a própria secretaria por meio da gerência entendeu que seria necessário saber quantas pessoas, quem são essas pessoas, qual que é a renda dessas pessoas, quais são as demandas dessas pessoas. Então durante o primeiro trimestre, quadrimestre de 2021 foi realizado esse mapeamento. E a partir de então a gente veio demandando da gerência, daí veio o gerente Saulo ocupar o cargo, então abriu-se um pouco mais as portas para conversar com a gente e a gente passou a construir o projeto de lei da criação do conselho. Então o projeto de lei praticamente ele foi elaborado pela Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB mas foi avaliado por todos os movimentos de Maringá. Então nós não queríamos que partisse somente da comissão de diversidade, chamamos todos os outros movimentos AMLGBT, Resistrans, os movimentos acadêmicos que temos aí o DeVerso, NUDISEX, todos os outros se for relacionar tem vários. E passando o documento, o projeto de lei, eles foram dando os seus palpites e contribuindo para a criação desse projeto de lei. Até que entregamos, foi marcada uma reunião com prefeito Ulisses Maia, onde estiveram presentes todos os representantes desses movimentos, vereadores como a professora Ana Lúcia, o Vereador Mário Verri, e o pessoal da gerência e da secretaria, onde a gente apresentou essa proposta para que o Executivo desse andamento na proposta da criação de conselho.


# Houve participação do Executivo na elaboração do texto?

Sim, após que a gente passou a nossa sugestão de projeto de lei eles analisaram e fizeram as sugestões deles. Foram poucas alterações. Eles fizeram adequações mais alí da parte jurídica do Executivo, se era permitido, não era permitido. Porque tem todo um trâmite dentro da prefeitura depois que esse projeto de lei passa, a gerência analisa, aí passa para a parte jurídica e para a parte financeira, que é a secretaria da fazenda, para ver se não vai ter um impacto financeiro para o município, para aquilo. Então fizeram as sugestões, mas foram poucas sugestões, e logo foi encaminhado para a câmara. Logo não, demorou um tempo ali uns 3-4 meses.


# Como você sentiu que foi a recepção do Poder Executivo a esse projeto de lei e às demandas apresentadas?

Aparentemente o Executivo se mostrou muito solícito para com a nossa demanda. Pré essa reunião, tinha sido aprovada a lei do conselho dos imigrantes, então o prefeito Ulisses Maia entendeu que como a lei dos imigrantes tinha passado a nossa lei também passaria com tranquilidade, desde de que não tivesse nenhuma cláusula que eles fossem contrário. Então o Executivo sempre [se] mostrou muito receptivo. Até então se mostrava que ia dar apoio, que ia mandar para câmera e ter apoio lá na câmara. Mas assim, o apoio formal do Executivo em reunião, em mensagem trocada com pessoal do Executivo ocorreu. Entretanto, a gente sabe que esse apoio ele tem que ser um pouco mais incisivo para com a câmara. Se não tiver aquela negociação com os vereadores da câmara, não consegue aprovar.


# Comente sobre a importância do projeto do conselho. Quais resultados se objetivava conseguir com sua criação?

Bom a importância da criação do conselho seria unificar em um único espaço, num único debate todos os movimentos e o poder público para a gente poder colocar nessas reuniões, assim como existem em outros conselhos, quais são as demandas da população LGBTI+ de Maringá. Então a gente queria unificar num espaço, que seriam reuniões rotineiras, e demandar do Poder Executivo todas as demandas que a gente sabe que a população LGBT tem. E o objetivo seria a criação de políticas públicas para a população. Porque o próprio mapeamento, como comentei anteriormente, ele já apresentou a necessidade de políticas públicas: atendimento psicológico, ambulatório, política de nome social, empregabilidade, entre outras tantas, combate à violência. Então a gente queria começar primeiro a debater com os demais porque apesar da gente ser representantes de vários movimentos, a gente tem um bem comum, uma causa comum que seriam o atendimento dessas demandas. Entretanto cada movimento às vezes pensa de uma forma diferente e tem meios de chegar de forma diferente ao objetivo então a gente queria trocar essas ideias para poder chegar até o objetivo que era implantação de políticas públicas de forma mais rápida com o aval do Executivo. O Executivo podendo proporcionar para o concelho e para a população uma forma mais célere de chegar à população. O que não aconteceu, porque sem ser um conselho a gente fica meio que bloqueado para ter essa conversa com o Executivo. Fica cada movimento indo conversar separadamente. Então a intenção seria unificar mesmo.


# Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela câmara de vereadores?

No começo, com a criação da gerência de diversidade, a gente criou uma esperança muito grande com relação às demandas. A gente percebeu assim ‘nossa num tempo que a gente tá vivendo nacionalmente contra as pautas de orientação sexual e de gênero sendo retrocedidas no Brasil, e aqui em Maringá a gente está dando um passo à frente com a criação de uma gerência de diversidade?’. Então a gente viu nisso uma oportunidade de se demandar do poder público. Então até a elaboração da lei, o envio da câmara, a gente tava muito esperançoso, estava acreditando que poderia passar. Entretanto, um pouco tempo antes de ir para câmera, foi passado um outro projeto de lei lá que é do nome social, que é de iniciativa de um dos vereadores, que seria a implantação do nome social na esfera administrativa municipal de Maringá. E que foi rejeitado. Ele foi rejeitado, não sabemos ao certo, a gente não tem como provar isso, ou se foi por uma questão ideológica dos vereadores ou uma questão do que eles argumentam de que não houve um entendimento desta proposta de lei. Porque eles alegaram que o nome social já estava aprovado no âmbito federal. Entretanto o instituto nome, ele só pode ser matéria de legislação por cada ente federativo. Então se foi autorizado lá em 2017 pela Dilma na esfera federal, valeria só para o âmbito federal, para tudo que é vinculado ao âmbito federal. Não atingia os estaduais e os municipais. Então no município de Maringá, por exemplo, a gente não tem todos os cadastros hoje da Prefeitura de Maringá com o nome social. A gente tem algumas secretarias, alguns cadastros, porque tem portarias que vêm de outras instituições como o MEC, por exemplo, determina que na educação tenha o nome social. A Secretaria de Saúde também determina que tenha o atendimento com o nome social para as pessoas que assim entendem que querem ter. Mas outros cadastros não tem da prefeitura. Então por exemplo, para licitar com a prefeitura, no âmbito municipal, você vai fazer um cadastro, vai fazer uma licitação, lá não tem o campo nome social. Se você quer comprar um imóvel e vai registrar na prefeitura para ter o IPTU daquele imóvel, não vai sair com o campo nome social. Então essa lei ela não foi compreendida pelos vereadores na época e seria para implantar dentro da prefeitura, da administração pública todos os cadastros [terem] o campo nome social e ela foi rejeitada.

Com essa rejeição a nossa esperança com relação a criação do conselho ficou um pouco abalada. Porque se eles estão negando já uma pauta assim que é uma coisa tão simples de se entender, que seria o nome social, imagina um conselho que seria uma coisa muito mais complexa. Então a gente ficou um pouco meio receoso da pauta. Quando ela foi enviada para a câmara, o projeto de lei da criação do conselho, para a nossa surpresa na primeira votação foram 10 votos favoráveis e 3 votos contrários. Aí nos veio de volta a esperança que a gente tinha no começo. Se foi aprovado de 10 a 3, vai aprovar na segunda. E foi marcado para segunda votação. Só que nesse espaço de tempo, na segunda votação foi pedido para retirar por 4 sessões, e foi o tempo para que a chamada ala conservadora pode se mobilizar. A ala conservadora que eu falo da população e não dos vereadores, porque os vereadores estavam até então entendendo que o projeto de lei seria viável. Mas a ala conservadora, negacionista começou a fazer pressão nos vereadores que estariam propensos a declinar os seus votos, e quando veio a votação final, veio para nossa surpresa a virada nos votos. A gente perdeu de 10 votos contrários a 3 [ou] 4 favoráveis. Mas teve toda uma articulação nesse meio tempo aí entre a primeira e a segunda votação.


# A maneira como os vereadores agiram, essa mudança, te surpreendeu?

Assim não me surpreendeu, [para] a gente que entende um pouco do jogo político, porque os vereadores eles vão ceder à pressão do eleitorado deles. O que nos surpreendeu foi a movimentação da população fazendo pressão sobre os vereadores. Então até a véspera da votação final, a gente tava contando votos de que alguns vereadores ainda viriam com nós. E não que 10 debandariam para o lado contrário. A gente sabia que três ou quatro seriam contrários mesmo, já estavam convictos, já tinha afirmado essa convicção de ser contrário à votação, à composição do conselho. Mas os demais eram vereadores que até então haviam demonstrado um certo apoio para a nossa pauta. Só que alguns vereadores chegaram a comentar conosco, quando a gente tentou fazer uma espécie de advocacy com eles, que o advocacy é uma espécie de conversa com os vereadores em seus gabinetes, que eles estavam sofrendo uma pressão muito alta do eleitorado deles, e que talvez essa pressão prejudicaria a votação deles. Então a gente não tava alí numa batalha contra os votos deles e sim contra aquela população que estava fazendo essa pressão. Isso que surpreendeu. Que para a gente foi, assim, nos deixou muito abalados, toda a movimentação que teve entre a primeira votação e a segunda em redes sociais, em jornais. Muita fake news. Aquela questão de colocar aqui ‘ideologia de gênero', que não existe, a gente sabe que não existe, que a gente gostaria de mexer com as crianças das famílias, de desestruturar famílias conservadoras. Não era nada disso.

Um conselho para gente que estudou a fundo e fez os projetos seria só um espaço institucional para poder viabilizar a garantia dos direitos dessa população que não tem seus direitos garantidos. A gente não gostaria de fiscalizar ninguém, que foi colocado isso, que a gente ia fiscalizar igrejas, se igrejas estavam fazendo as terapias de conversão. Não, não. Essa não era a nossa intenção. A nossa pauta LGBT ela tem tantas demandas muito mais gravíssimas que a gente nem ia se preocupar com essas situações, entendeu. Então a gente tem questões de violência contra a população trans e travesti, por exemplo, em Maringá, é extrema. Todo ano a gente tem notícias com relação a isso. Então a nossa preocupação tava com relação a essas situações extremas. Ao atendimento à saúde da população LGBT no geral. Então eu acho que não teve um entendimento da população um pouco leiga que não tem um entendimento do assunto, que acabou sendo guiada pelas fake news que foram jogadas na mídia.


# Houve uma emenda pela: remoção do caráter deliberativo e fiscalizador do conselho.

É então, é o que eu comentei agora há pouco. Eles entendiam que o caráter fiscalizador estaria atingindo a esfera privada das pessoas, e não estaria. O caráter fiscalizador na verdade nem precisaria constar no nosso projeto de lei. Quando eles propuseram essa emenda, a gente até concordaria em tirar. Porque fiscalizar é um direito de qualquer pessoa, isso está na Constituição Federal. Então se você quiser fiscalizar o que o Estado está fazendo você pode fiscalizar. Na verdade a gente só tava ressaltando isso no nosso projeto que lei.

O caráter deliberativo também foi uma grande confusão. Que eles entendem que o deliberativo seria que o conselho teria poder para fazer o que quisesse dentro da Prefeitura de Maringá. E não é. O deliberativo ele seria para dentro do conselho. Deliberar dentro do conselho, as suas decisões. Vamos mandar a proposta ou não vamos mandar, vamos assinar o ofício ou não vamos assinar. São deliberações internas do conselho. Nós em momento algum pensamos em deliberar com relação às decisões do Executivo ou do Legislativo. Então foi uma grande confusão com relação a isso.

Quando houve essa proposta de emenda de tirar esses dois caracteres, a gente toparia tirar se tivesse uma conversa com o Legislativo. Porque não teria necessidade mesmo de estar porque já tá garantido para a gente o nosso caráter fiscalizatório. O deliberativo a gente poderia depois estar negociando com o Executivo.


# Houve uma emenda pela: remoção da competência da participação orçamentária do conselho.

Primeiro, em Maringá nós temos aí mais de 20 conselhos de várias pautas: idoso, criança e adolescente, bem-estar animal, recentemente aprovado os imigrantes. Todos os conselhos possuem um orçamento próprio para sua manutenção. Então quando foi criado o projeto de lei, quando nós criamos a questão orçamentária seria para poder direcionar a proporção de executar as políticas públicas que seriam demandadas, e não pro conselho em si. E também como que você pode fazer com que políticas públicas ocorram sem orçamento público? Não tem como. Só na base do voluntariado não vai ser viável.

E porque os demais conselhos possuem orçamento e justamente o conselho LGBT não possuiria um orçamento mínimo que fosse? Para a manutenção pelo menos administrativa do conselho, vamos colocar ali com despesas com papel, despesas às vezes para poder ter um espaço para fazer uma reunião. Porque às vezes a prefeitura não dispõe desse espaço. Então o orçamento seria mínimo. E quando foi passado para a gerência da diversidade da Secretaria de Juventude, esse orçamento foi ali a base dos mil reais mensais que é mínimo para um conselho. Sendo que a gente tem conselho aí que mexe com valores exorbitantes até.


# Houve uma emenda pela: inclusão de 2 vagas no conselho a serem escolhidas pela OAB e OPEM.

Com relação às vagas a serem escolhidas pela OAB, na verdade a gente já havia deixado as vagas para instituições no geral. Então a OAB poderia participar pleiteando por essas vagas.

Agora para a participação da OPEM, a gente muito estranhou. Primeiro que eles pediram uma vaga da OPEM dentro das cadeiras gov, que a gente chama de cadeiras governamentais. Nós entendemos que a OPEM, que é a Ordem dos Pastores de Maringá, não é uma entidade governamental. Ela deveria pleitear, se ela quisesse, uma cadeira na espera não-governamental. E também desde que atendesse os demais requisitos. Se a gente está falando de conselho dos idosos, por exemplo, a gente vai tratar com organizações que tratam dos interesses dos idosos. Quando a gente trata então do conselho da população LGBTI+ então a gente vai tratar com organizações que defendem a promoção dos direitos da população LGBTI+. Então se a OPEM tivesse algum mecanismo ou alguma instituição dentro dela que tratasse de direitos da população LGBTI+, ela poderia pleitear uma cadeira dentro do outro conselho também. Mas eu não sei se isso acontece.

Essas emendas que foram propostas, nós visualizamos quando nós analisamos pela comissão da OAB, que foram emendas totalmente protelatórias. Por que? Não foi analisado como foi colocado essa emendas. Quando a OPEM pediu para participar na parte governamental, já verifica aí que um total desconhecimento de como funciona a estrutura de um conselho municipal. Parte governamental somente as instituições vinculadas ao governo, que seriam as secretarias. Então a OPEM deveria solicitar uma cadeira na parte não-governamental. Então essa foi uma das emendas gritantes que a gente verificou que eram protelatórios


# A OAB entraria nas cadeiras gov?

Não, não. A OAB, ela não é governamental. Porque ela entraria como organização civil da sociedade devidamente constituída. Então a OAB poderia entrar ali, Ministério Público, Defensoria Pública. Apesar de ser do governo, mas não é do governo municipal. Então a gente disponibilizou ali dez cadeiras para não governamentais, que daí qualquer um de qualquer outra instituição poderia pleitear as cadeiras alí. E 10 cadeiras para instituições governamentais, que daí a gente tentou direcionar, com orientação da Secretaria de Juventude, quais seriam as secretarias chaves para poder compor esse conselho. São secretarias que poderiam opinar em políticas públicas: como fazenda, cultura, Secretaria da Mulher, Secretaria de juventude. São secretarias que poderiam propiciar políticas públicas pro conselho.


# Houve uma emenda pela: remoção do requerimento que representantes da sociedade civil estarem “atuantes no campo da promoção e defesa dos direitos de pessoas LGBTI+”, passando a permitir a participação de representantes de qualquer área de promoção dos direitos humanos.

Num contexto geral, primeiro, o conselho que estava sendo formado era um conselho da população LGBTI+, e não um conselho de direitos humanos. Existe o Conselho de Direitos Humanos, inclusive criado em Maringá, mas não tá ativo. Então já tem um desvirtuamento aí do objetivo do conselho.

E também essa demanda ela vem de um histórico aí dos últimos anos de tentar esvaziar as leis e criações de instituições voltadas para população LGBTI+ tirando os termos diversidade sexual, gênero, orientação sexual. Então eles tentam tirar todos esses termos das leis porque eles são aversos a esses termos. Então se você verificar em todo projeto de lei, eles tentam tirar todos esses termos. O que para nós, é extremamente importante porque é isso que nos representa. E fazer com que uma entidade, organização, seja ela qual for, que não seja em promoção do direito e da defesa daquelas pessoas, daquele conselho participar daquilo a gente vê uma [total] falta de nexo. Então uma organização de defesa dos animais, por exemplo, poderia participar desse conselho? Daria brecha para outras organizações participarem. Então ali a gente gostaria de concentrar organizações que tratam dos direitos e da defesa da promoção das pessoas LGBTI+. Somente dessas pessoas. Assim como os outros conselhos têm essas concentrações.


# Houve uma emenda pela: pela remoção da recomendação de um mínimo de 50% de representatividade feminina no conselho.

É uma emenda que vem muito contrário a toda a movimentação que Maringá vem fazendo da pauta das mulheres. Que a gente vê que a pauta feminina, dos direitos da mulher em Maringá vem numa ascensão muito grande. Então a gente tem o movimento Mais Mulheres No Poder, foi criada a Procuradoria da Mulher e outras instituições aí nos últimos anos. Então essa emenda vem contra ao que o município vem propondo, que são mais mulheres ocupando os espaços. Quando a gente colocou essa cláusula, foi isso, para poder garantir a equidade entre mulheres e homens. Entendendo aqui mulheres e homens com relação aos seus gêneros. E daí a gente verifica nessa proposta de emenda aquele discurso também que vem atrelado a ideologia de gênero, ao discurso anti-feminista que é nacionalmente conhecido que tenta evitar que mulheres tenham poder, possam ocupar espaços e é totalmente contrário ao que a gente vem propondo, quer propor. Então isso a gente não abriria mão nunca, porque a gente entende que tem que ter uma equidade. Para caminhar junto com as propostas e com a política que a Prefeitura de Maringá vem desenvolvendo.

Houve uma emenda pela: remoção da garantia de vagas para cada um dos segmentos que compõem a sigla LGBTI. (Vídeo 2, 11:30) Eu enxergo que houve um desconhecimento de quem fez essa emenda. Porque talvez eles não conhecem como o movimento LGBTI+ ele ocorre. Que dentro do movimento LGBTI+ às vezes há uma certa falta de equidade entre as letras, os segmentos. Então às vezes as mulheres lésbicas reclamam que existe muita representatividade gay. A população trans reclama que tem muita representatividade cisgênero. Então a nossa ideia aí era cobrir essa demanda. Então que cada cadeira fosse ocupada por cada letra e se não tivesse as letras ocupadas, às vezes não têm voluntário para aquelas cadeiras, daí sim ia chamado os próximos. Então a intenção era ter um segmento para cada cadeira: de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, intersexo, todas as letras do movimento. Se tivesse representação, alguém que se voluntariasse para essas cadeiras. Então quando houve essa proposta, eu vejo que quem fez essa proposta de emenda, desconhece o que acontece dentro do movimento LGBT.


# Como que foi o processo de definição dos segmentos que iriam compor o projeto de lei? Por exemplo, existem segmentos que não foram contemplados como a letra A (assexuais e arromânticos) e Q (queer).

O projeto de lei, na verdade, não definiu todas as letras. Falou que deveria ter representantes de todas as letras. Então conforme fosse aparecendo, se o conselho fosse constituído, iam sendo direcionados. Então se eu sou do movimento de pessoas assexuais e arromânticas, então teria lá uma cadeira para pessoas A, entendeu? Só que em Maringá, quando a gente fez toda a movimentação para a criação do conselho, a gente não tem movimentos específicos para certas letras. A gente tem movimentos que abarcam ou todos os movimentos, todas as letras, a gente tem movimentos que às vezes defendem uma letra outra. A gente não tem um movimento de pessoas intersexo, por exemplo. Então a gente teria que estar sendo ocupado por um movimento que é global, de todos os movimentos, e que talvez ali teria uma pessoa intersexo que poderia representar o seu segmento, entendeu? Porque ainda é muito prematuro o movimento de certos segmentos. De pessoas intersexo por exemplo, de pessoas assexuais, as pessoas queers. O termo queer é uma coisa muito recente no Brasil, que ainda não foi criado o movimento de pessoas queers, entendeu? Mas quando a gente propôs criar e dar uma cadeira para cada um dos segmentos, seria poder atender aqueles que existem e poderiam vir a existir. Pensando aí em pessoas demisexuais, pessoas gênero-fluido. Então a gente queria que todos pudessem estar ali sendo representados.


# Que impacto você acredita que essas emendas teriam no projeto caso todas fossem aprovadas?

Olha o impacto se todas fossem aprovadas seria um esvaziamento do projeto de lei. Seria um projeto de lei sem o conselho conseguir atuar. Então a gente estaria engessado em várias partes, haveria um esvaziamento da pauta. Porque eles estavam propondo tirar tudo quando é termo vinculado à pauta LGBT, e outras propostas que tirava qualquer possibilidade de mobilidade desse conselho. Quando foi apresentado essas emendas, nós da Comissão de Diversidade da OAB analisamos emenda por emenda. E verificando que acho que das 20 [ou] 21 emendas que tiveram, a gente poderia ceder em praticamente todas quase. Duas ou três que a gente não conseguiria ceder. Então essas duas ou três seriam essenciais para manter o conselho da forma que um conselho deveria existir. Só que não houve uma negociação com o Legislativo. A casa de leis não chamou os movimentos e a secretaria que que ajudou a criar esse projeto de lei para conversar e negociar essas cláusulas.

A gente foi surpreendido na segunda votação, que foi adiada, quando foi a votação final, que o vereador que colocou todas essas emendas retirou. Então não teve uma discussão em cima delas. Na retirada dessas emendas a gente daí verificou que realmente eram totalmente protelatórias. Houve um esvaziamento e depois votaram contrário. Então foi um jogo político, não era uma questão da lei. A lei em si, o projeto do conselho em si, talvez isso não ofendesse a casa de leis, os vereadores. Mas a pauta LGBT sim mexe com a moral deles, mexe com o eleitorado deles. Então foi uma luta aí de jogo político para poder manter o eleitorado e não aprovar um projeto que era simples, que não ia mexer com a vida de ninguém, não ia mexer muito com orçamento público igual tavam falando. Era totalmente diferente. As pessoas não entenderam qual era o projeto na sua essência.


# Qual sua visão sobre o arquivamento de todas as emendas?

A minha visão foi essa um jogo político. Foi uma estratégia em protelar a votação para poder dar tempo da população tomar conhecimento e fazer pressão nos vereadores. É isso que eu vejo que aconteceu. Nós que estivemos ali do outro lado verificando toda a movimentação da população que apoiava, mas ao mesmo tempo via a movimentação da população que estava atacando a esse projeto. E chegou para gente assim muitas manifestações horríveis assim, sabe, dizendo coisas tenebrosas. Então quer dizer, eles colocaram essas emendas, 20 e poucas emendas, o que é um absurdo para um projeto de lei. Você não vê um projeto com tantas emendas assim ainda mais um projeto simples. E depois retiram todos sem a discussão de cada um? Ou seja, onde que tá o processo democrático em cima disso? Onde que tá a possibilidade daquele que fez a proposta debater e discutir sobre as propostas que foram feitas e dialogar com a oposição se ela concorda ou não concorda? Não houve, entendeu? Foi retirado e a discussão não pode ser mantida naquele naquele exercício legislativo mais. Então a perda foi essa para essa situação.


# Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela população maringaense?

Eu não conhecia muito assim a população maringaense nesse engajamento político ideológico. Nós sabíamos que tinha uma certa resistência com relação à pauta, mas nós não entendíamos que um projeto de criação de uma instituição de um instituto de conselho poderia mobilizar tanto assim a população. Porque não era um projeto que estava prevendo a implantação em políticas educacionais, igual o discurso neoconservador fala aí que a gente quer mexer com as crianças, com as famílias. Não tinha nada disso. Era só um instituto para criar um espaço de discussão. Então quando a população começou a reagir, na verdade eu verifiquei que a reação da população, ela foi engajada por pessoas maliciosas. A população, muitas vezes, ela replicava o que ela escutava. Então aquelas pessoas que são defensoras da pauta pró família, pró vida começaram a espalhar discursos totalmente desvinculados do que era a essência do conselho. Não explicava o que era um conselho, para que que ele servia, qual que era o objetivo. Enquanto nós do movimento LGBT e toda a população que apoiava, não só a população LGBT, mas muitos acadêmicos, muitos operadores do direito, pessoal que analisa conselhos, se manifestou, mandaram vídeo explicando para que serve um conselho, qual que seria a importância do conselho. Não só para a população LGBT, mas para a sociedade como um todo.

Se você trata essa população em específico, você trata a sociedade como um todo, você tira, por exemplo, as garotas que estão na rua se prostituindo, você dá oportunidade de emprego para elas, se elas quiserem. Você reduz o desemprego, você reduz questões de saúde, por exemplo. Muitas pessoas utilizam meios de saúde, medicamentos sem procurar um médico, por exemplo, e acabam ocasionando prejuízos maiores. Isso onera ainda mais o poder público. Então se a gente conseguisse fazer políticas públicas de saúde voltadas para essa população, a sociedade como um todo ganharia. Então a gente verificou que a sociedade não entendeu qual era a proposta. Mas eu não culpo muito a sociedade, eu culpo quem desvirtuou a ideia do conselho. São as pessoas que propagaram as idéias erradas com relação ao conselho.


# Você consegue identificar algum tipo de articulação/movimento/ação que poderia ser feito para aumentar a chance do projeto passar?

Hoje depois que a gente passou por tudo isso e aprendeu com os erros, a gente poderia ter feito mais o que a gente chama de advocacy, que são as conversas em gabinetes de cada vereador. Foi feito com o prefeito mas a gente poderia ter enfatizado mais com o Poder Executivo. Poderia ter chamado para um debate essas pessoas que se opuseram a criação do conselho, para dirimir as dúvidas dessas pessoas. ‘O quê que vocês estão entendendo que esse conselho é?’, ‘desse jeito’, ‘não, é desse jeito’; ‘como que ele vai funcionar?’, ‘é desse jeito’. E às vezes a gente poderia até acatar alguns pontos que essas pessoas poderiam colocar. Mas eu acho que com relação ao que os movimentos poderiam ter feito seria isso.

Não muito mais que isso porque fugiu do nosso alcance. O que aconteceu depois estava meio que de má fé aí diluído na sociedade. Mas a articulação, ela poderia ter sido um pouco melhor. Mas aprendemos que foi uma articulação muito boa, a gente tirou muito proveito disso. Os movimentos se juntaram até então eles tavam esparsos. Então eu acho que de perdas e ganhos desse processo todo, a gente pode ter perdido a criação do conselho mas a gente ganhou muito com relação à mobilização da população LGBT e de seus aliados em Maringá, da união dos movimentos em prol desses segmentos. Teve uma união porque até então eles estavam trabalhando separadamente. Às vezes a gente nem sabia da existência de certos movimentos e eles apareceram. E também tomou proporções fora do município. Chegou a outros municípios, no estado, até nacional. A gente teve redes sociais de âmbito nacional divulgando a nossa mobilização e apoiando nós. Então foi importante para isso, então a gente tirou proveito nesse sentido.


# Houve uma crítica que: o conselho não deveria poder atuar no campo da educação.

Eu enxergo que o conselho ele deve atuar nas esferas que atingem a população que lhe cabe. Se é um conselho do idoso, você vai atuar em todas as esferas para o idoso. Seja ela assistência social, saúde, idoso pode até ter educação, às vezes tem idoso que quer estudar.

LGBT é a mesma coisa. Então ia chegar um momento que o conselho ia precisar atuar junto à Secretaria da Educação para realizar certas políticas públicas. Mas nós do movimento LGBT de Maringá, [todos os movimentos], era de consenso que a pauta educação ela era muito sensível. E a gente ia ter que tratar com muito tato, com muito cuidado. Porque a gente sabe do histórico que vem aí nacional. Então é a população LGBTI+ ela necessita de educação. Então ela precisa de políticas públicas voltadas para a educação. A gente sabe que essa população tem uma evasão escolar muito grande. Principalmente as pessoas travestis e transexuais. Então a gente teria que verificar por que que isso acontece. A gente sabe porque acontece, mas teria que fazer um trabalho de campo mais estruturado, dar subsídios para a secretaria poder atuar e evitar essa evasão. Saber lidar com pessoas da população LGBTI+ dentro das escolas para não ocorrer discriminação, preconceito. Então a ideia é essa. Não existe aí uma questão de ideologia de gênero para com as crianças, para com a educação, não. Tem uma ideia de consciência das pessoas que lidam na educação para lidar com a com as pessoas LGBTs. Que a gente sabe que existem crianças LGBTs. E nós que somos LGBTs adultos sabemos como que a gente passou por essa situação na idade escolar. Então a gente não quer que essas crianças que estão aí e estão por vir passem pelo mesmo que a gente passou.


# Houve uma crítica que: não há necessidade de criar um conselho LGBT, já que essas questões poderiam ser abordadas em outros conselhos.

É uma redundância. Por que e os outros conselhos? O Conselho do Imigrante, por exemplo. Não querendo desmerecer o Conselho do Imigrante, ele é muito essencial. Mas vamos fazer um paralelo, uma analogia. Não pode ser tratado também nos demais conselhos? Conselho do Direito Humano, Conselho da Saúde, conselho do não sei o quê. Então o Conselho da População LGBTI+ tem uma especificidade, por que? Senão a gente não teria os números que a gente tem apresentado hoje aí nos relatórios de violência, de empregabilidade, de tantos outros problemas que a população LGBTI+ tem. Então essa especificidade deveria ser tratada dentro de uma instituição, dentro de um órgão que seria o conselho.

Se fosse possível, a gente estaria atuando nos demais conselhos. Mas hoje, por exemplo, nos conselhos de Maringá que existem aí, mais de 20 e pouco, a população LGBT só tem cadeira em dois conselhos que é o Conselho da Mulher e o Conselho de Igualdade Racial. Nos demais conselhos a gente não tem cadeira nenhuma. Estamos aí tentando pleitear cadeiras em outros conselhos para poder conseguir fazer com que políticas públicas avancem nessas pautas. Mas e nas pautas que não tem conselho criado? A gente não tem um conselho da violência, por exemplo, em Maringá. Então seria o Conselho LGBT para tratar violência específica dessa população. Que a gente sabe que é uma violência diferente. Não é uma violência que se dá devido a um furto, a um roubo ou qualquer outra coisa. É uma violência LGBTfóbica, devido a esse fato, da pessoa ter uma intolerância com relação a pessoas LGBTs. Então como eu posso tratar isso em outros conselhos se tem uma especificidade diferente? Como eu posso, por exemplo, propor políticas públicas para que em certas secretarias se capacitem para atendimento da população LGBTI+, se sendo que tem certas secretarias que não tem um conselho vinculado? Então é necessário. Se não fosse necessário, não existiriam outros que existem no Brasil. Apesar de [estarem] sendo aí desmantelados devido ao quadro geral nacional que a gente vive. Mas tem outros que permanecem e conseguem avançar com os direitos dessa população muito.


# Houve uma crítica que: a criação de um conselho específico para a criação de políticas públicas LGBT seria discriminatório, já que defende o interesse de apenas parte dos cidadãos de Maringá, e não todos; o correto seria criar um conselho de direitos humanos para defender os direitos de todo mundo.

Já existe o Conselho de Direitos Humanos que não tá na efetividade em Maringá. Entretanto, conselho de direitos humanos é uma coisa muito ampla e complexa. Ela pode lidar com várias outras situações.

Não é uma discriminação. É a mesma coisa da gente falar de racismo reverso. Eles estão falando que a gente está discriminando as pessoas que não são LGBTs? Não existe uma discriminação para com pessoas que não são LGBTs. Na verdade a gente quer tratar uma parte da população que sofre discriminação e não possui direitos e garantias efetivas dentro do poder público. Então por isso a necessidade da criação de um conselho. Não há discriminação alguma. Eu acho que eles estão querendo inverter o discurso deles. Há uma discriminação da população que não entende essa camada da sociedade, para com os nossos, que são os LGBTs.


# Tem algum conselho ou dica que você daria para pessoas em outras cidades que estão pensando em implementar um projeto similar?

Pelo histórico que nós passamos, que seja elaborado o projeto junto com o Poder Executivo, Legislativo. Porque a nossa pauta é uma pauta muito sensível. As pessoas elas ficam muito moralistas quando falam da pauta LGBT. Então para que isso não ocorra, chame todos os atores que vão participar desse processo de constituição. Tanto da escrita da lei, depois da votação e da implementação da lei. Chame todas as pessoas importantes, aquelas que não entendem, para poder dialogar. Eu acho que o diálogo é a melhor solução. Nós tentamos fazer isso, entretanto foi um espaço de tempo muito curto e também não houve assim uma abertura.

Outro conselho também seria procurar organizações que promovem direitos da população LGBT, que atuam aí na esfera nacional, que proporcionam meios de conseguir trabalhar essas questões. Nós temos aí a Aliança Nacional, a ABGLT, a ANTRA, que são instituições renomadas no Brasil e que sabem lidar nesse processo legislativo de leis. Então consultem essas pessoas, pedem o apoio delas. Não só o apoio formal, mas o apoio de ir até lá e conversar junto aos seus vereadores e ao prefeito da cidade.


# Ocorreu a organização para a criação do conselho como uma associação não governamental. Como foi esse processo e como é a atuação atualmente?

Após a votação final do conselho na câmara, onde nós perdemos a proposta, nós passamos um período que nós chamamos de período de luto. Ficamos muito abalados por toda a situação, e as pessoas que participaram desse processo pró-conselho não conseguiam nem reagir, nem saber como sair dessa situação. Que proposta a gente iria encaminhar. Mas em pesquisas realizadas aí pelo pessoal do movimento, a gente verificou que existem conselhos na esfera nacional criadas de forma privada, como organização civil organizada. Um exemplo é o Conselho de Segurança Pública, que tem em praticamente todos os municípios do Paraná.

Então nós seguimos esse molde. Já que não foi nos proporcionado a oportunidade de criar o conselho de forma estatal, e nós queremos que tenha um conselho para a nossa interação dos movimentos, então vamos criar a organização da sociedade civil que vai se chamar conselho. Porque as organizações privadas, você pode dar o nome que você bem entender, que é o nome social da empresa. E daí no final do ano, então, realizamos a assembleia geral com todos os movimentos que quiseram participar. Houve a adesão de 11 movimentos. E elegemos então a mesa diretiva e estamos em processo de regulamentação junto aos poderes aí, cartório tudo e tal.

Mas ele já vem atuando mesmo de forma muito incipiente. Mas ele já vem atuando, desde janeiro com reuniões aí mensais e com atuações também, poucas, mas já está atuando sim. Então a ideia é que esse conselho se consolide, como o Conselho de Segurança Pública, consiga conversar com o Poder Executivo, porque essa porta não pode ser fechada é um direito a qualquer cidadão, qualquer organização. E demandar de forma igual, consensual de todos os movimentos junto ao Executivo. Então a gente vai chegar num consenso o que que a gente vai levar pro Executivo, em vez de cada movimento levar uma demanda. Então vai ter essas discussões. E além da gente criar também uma cadeia de ajuda entre os movimentos, às vezes um movimento não consegue atender uma pessoa, passa pro outro, e assim vai.

E nossa ideia agora é continuar assim, e quem sabe futuramente propor novamente para a câmara, quando for possível, a criação via estatal. E regulamentar via poder público. Num contexto aí diferente quem sabe com diálogo mais aberto junto ao Legislativo.


# Tem algo a mais que você gostaria de dizer? Conclusões.

Só fazendo um apanhado geral de tudo, igual eu falei. Tudo isso serviu para um grande aprendizado. Não só para os movimentos de Maringá LGBTs, mas como para toda a população, população LGBTI+ e aliados que não estão engajados nos movimentos. E para outras cidades também, Londrina por exemplo passou pela mesma situação. E nós tiramos dessa, eu não vou chamar derrota porque a gente ainda não está derrotado, dessa perda, tiramos proveito. Porque nós aproveitamos para nos unir para verificar como que é o andamento da máquina pública, como que é o andamento do Poder Legislativo, e como que as coisas se constituem.

Então agora o movimento LGBTI+ de Maringá ele está muito mais unido e muito mais direcionado do que estava antes. Então antes não havia assim um posicionamento das pessoas LGBTI+ por meio de movimentos, agora está havendo, entendeu? Então está tendo bastante procura das pessoas. Então a gente tá vendo que tem pessoas que precisam dessa movimentação. E a gente não desistiu. O conselho só foi uma das pautas. Outras pautas estão sendo demandadas junto ao Poder Executivo, e a gente vem obtendo êxito. Claro que se tivesse conselho seria muito mais rápido, muito mais fácil de fazer. Mas a nossa população não desistiu, pelo contrário. Se tornou mais forte, mais engajada devido a toda essa situação.


# Comente sobre as pautas atuais e futuras.

As pautas que estão em andamento junto ao Poder Executivo, as mais recentes, estamos começando com a questão da empregabilidade. Tá tendo um apoio aí de organizações nacionais como a Aliança Nacional, o Grupo Dignidade, e juntos aos movimentos daqui e levando uma proposta de empregabilidade da população LGBTI+ de Maringá, principalmente da população trans e travesti. Quando a gente fala empregabilidade é uma coisa muito mais ampla do que dar emprego. E sim é desde lá dar capacitação para as pessoas que precisam de emprego e capacitação para os empregadores que vão oferecer o emprego e receber essas pessoas. Então tem todo um contexto, está sendo trabalhado isso.

Também está em andamento, essa última semana, foi passado uma proposta para a gerência de diversidade com relação à capacitação dos servidores públicos de Maringá, de algumas secretarias. Inicialmente, que é a mais sensível aí, que lida com população, que a Secretaria de Saúde. Então tá sendo elaborado um planejamento, um projeto onde vai ser oferecido cursos oficinas, expedido algumas cartilhas de como tratar de forma humana e digna à população LGBTI+ na área da saúde. E depois a gente pretende atingir outras secretarias: Segurança Pública, Educação. Então aí voltando né, a gente cai na educação, a gente só quer capacitar os servidores de forma a atender de forma humanizada a população LGBTI+. É desse jeito que a gente quer atingir as pessoas. E não mexendo com qualquer outra esfera.