Entrevista com a participante de organizações da sociedade civil, Fran Rocha. Ela fala sobre o processo de criação e da recepção do projeto de lei que criava o Conselho Municipal LGBTI+, que foi rejeitado na Câmara de Maringá em 2021.
A entrevista ocorreu no dia 11 de março de 2022. Quem entrevistou foi Marcus Carr. Quem gravou foi Linda Guzman.
Este projeto foi produzido com verba do prêmio bolsa pesquisa e fazer artístico cultural de Maringá. Recursos oriundos da Lei Aldir Blanc (Lei federal nº 14.017, de 29 de junho de 2020).
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Entrevista com Fran Rocha
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Apresentação. Qual seu nome, profissão? Quais cargos que ocupa nas diferentes organizações?
Primeiro, eu queria agradecer o convite de vocês, realmente é um privilégio poder participar dessas entrevistas e relembrar um pouco do que aconteceu aqui na cidade. Eu sou a Fran Rocha, Francielle Rocha, conhecida como Fran Rocha, eu prefiro. Sou advogada. Advogo na área de direito das famílias e sucessões, e direito LGBTI. Eu fui durante duas gestões presidenta da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB aqui de Maringá. Hoje essa comissão está sendo presidida pelo Nathan, que é nosso queridíssimo colega, um homem trans, com uma representatividade ímpar, que nunca foi vista aqui na ordem. Atualmente eu presido o Conselho Maringaense de Defesa dos Direitos da População LGBTI, que é uma instituição privada, que nós criamos justamente para que as políticas públicas continuassem sendo propostas, para que a gente pudesse fazer na realidade o trabalhos que o conselho público não pode fazer porque a gente não teve a aprovação. Participo das Comissões do Direito das Famílias e Sucessões, Prerrogativas, e Direitos Humanos da OAB aqui de Maringá.
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Comente um pouco sobre cada organização. Como é sua atuação em Maringá?
Eu vou focar mais na minha atuação no âmbito profissional e de militância enquanto pessoa LGBT, enquanto mulher lésbica, que eu acho que essa minha identidade ela atravessa muito a minha atuação profissional. A comissão de Diversidade Sexual e de Gênero aqui da OAB, por exemplo, ela foi constituída a 10 anos, ela fará 11 anos agora no final do ano. E essa comissão ela tem a missão justamente de levar, primeiramente às advogadas e aos advogados o conhecimento sobre os direitos da população LGBTI+, e como esses direitos podem ou não ser efetivados no poder judiciário, como o advogado ou advogada vai manejar esses direitos. E em segundo lugar, a gente tem também além dessa capacitação também para advogados, a gente tem uma visão para a população LGBTI, que eu acho que é a principal função na realidade dessa comissão específica da OAB. A OAB, ela tem um papel garantidor da Constituição. Então ela tem que garantir que os direitos fundamentais sejam efetivados, esse é o papel da OAB. A OAB tem que brigar pelas minorias, pelos grupos vulnerabilizados. Então o outro olhar sobre essa comissão, ou a outra função, é justamente atuar nesse sentido, para que a população LGBT também saiba dos seus direitos, saiba quais são os seus direitos, e para que elas saibam os caminhos para que esses direitos sejam um também efetivados.
Junto a essa comissão eu penso que o mais significativo agora é o conselho, né? O conselho que nós criamos enquanto uma entidade privada, uma associação privada. E a ideia do conselho, o propósito do conselho é esse mesmo da comissão da OAB, mas em atuações distintas, em áreas distintas. Pelo conselho, nosso propósito também é fazer capacitação, mas além de para os agentes públicos, para a população LGBT, fazer protocolos de atendimento para que as pessoas saibam exatamente o que fazer quando forem vítimas de violência. E para que saibam, acima de tudo, identificar as violências. Porque nós LGBTs sofremos tantas violências todos os dias que às vezes nós demoramos até para perceber que alguma violação é de fato uma violência, e tá sendo tutelado sim pelo direito. Claro que não se limita ao âmbito de direito, então nós temos também a discussão na esfera da educação, da saúde, da segurança pública. Essa é a principal pauta atual do conselho: conscientizar a população sobre mecanismos de defesa e exercício de cidadania e de direitos. Em todos os âmbitos: segurança, saúde, educação, não só o direito judiciário propriamente dito.
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Como foi o processo desde a ideia até a elaboração do texto do Conselho LGBT dentro da Comissão de Diversidade e Gênero da OAB?
Essa comissão, ela foi dividida em três gestões, ela até foi para a quarta gestão agora nesse ano. A primeira gestão dessa comissão que foi lá em 2011, ela se pautou em se colocar na ordem, se mostrar para a advocacia, mostrar que existia para a advocacia. Foi uma uma gestão que não teve muitos avanços, que ficou um pouco imobilizada em razão de algumas discussões internas da diretoria da época, da diretoria da comissão, não da gestão da OAB. Mas esse objetivo ele foi relativamente alcançado. Na segunda gestão nosso objetivo foi fazer uma maior conexão com os movimentos sociais. Então nós começamos a atuar em parceria com os movimentos sociais, captávamos as denúncias e dávamos vazões a essas demandas. Na terceira gestão que começou em 19, nosso foco foi partir para uma atuação pautada mais em advocacy. Em tentar achar meios para que nós construíssemos políticas públicas e avançássemos um pouco mais aqui claro nosso âmbito regional, Maringá principalmente, apesar da subseção ela abarcar outras cidades vizinhas.
Já em 19, nós tínhamos esse projeto de tentar dialogar com o Legislativo e o Executivo, e começamos a fazer alguns projetos, inclusive de capacitação em parceria com a Secretaria da Saúde e a Resistrans, que é uma instituição muito parceira nossa que é voltada para pessoas trans. Infelizmente em 20 veio a pandemia. Então nós demos uma desacelerada, demoramos um pouco para nos habituar à dinâmica do online, e em 21 a gente conseguiu retomar o projeto.
Então em 21 nós criamos um grupo de trabalho para que os projetos fossem retomados do ano de 20, e entre esses projetos tinha justamente a propositura de uma lei de enfrentamento a LGBTfobia aqui no nosso município com a aplicação de multas pros atos de preconceito e discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero e expressão de gênero, que inclusive deve estar tramitando, teve o parecer da CCJ, que foi proposta pela vereadora Ana Lúcia. E o conselho, a pauta do conselho.
Nós tivemos uma derrota, uma rejeição no ano de 2020, no início de 2020 que foi do nome social, foi também foi rejeitado pelo nosso legislador aqui do município, e isso fez com que a gente se fortalecesse ainda mais para que esse projeto fosse concretizado. Nós conseguimos organizar as associações, os grupos de estudo, as entidades, enfim, todas as pessoas que já são atuantes aqui em Maringá. Porque nós temos vários movimentos sociais em defesa da população LGBT aqui no nosso município. Então nós conseguimos fazer essa articulação e de uma maneira muito horizontalizada, nós trabalhamos na produção desse material e dessa legislação. Fizemos, claro que a técnica legislativa era das advogadas e dos advogados que compunham o grupo, e nós discutimos a possibilidade do que seria ou não incluído nesse texto da lei com a comunidade, com os grupos organizados. Quando o texto ficou finalmente pronto, então nós marcamos uma reunião com o Executivo, com o prefeito, apresentamos essa demanda onde participaram todas as entidades que estavam reunidas, mais de 10 de entidades reunidas, todas participaram para pedir para que o Executivo enviasse esse projeto de lei para que o Legislativo pudesse enfim votar o projeto da lei. Essa lei é de competência do Executivo, então não seria possível que algum vereador propusesse. Por isso desse caminho. Primeiro ao Executivo para que o prefeito pudesse encaminhar esse pedido de votação.
Então foi um texto que foi construído com muita base teórica. Nós fizemos o cotejo com a legislação de todos os outros conselhos, fizemos esse levantamento. Inclusive do Conselho do Imigrante, que havia sido recentemente aprovado, penso que talvez com 3 meses de diferença. E basicamente utilizamos aquilo que os movimentos sociais nos trouxeram enquanto demanda para fazer a adequação legislativa. Então o texto ficou absolutamente bem fundamentado. Nós fomos muito criteriosos nas análises, fizemos o cotejo também com os outros conselhos LGBTI municipais e estaduais. Mas infelizmente nós não conseguimos a aprovação desse projeto, sobre as mais variadas argumentações e narrativas que não condizem com direito, com a realidade, com qualquer tipo de fato jurídico, algo que realmente foi lamentável. Foi essa a nossa construção.
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Comente sobre a importância do projeto do conselho. Quais resultados se objetivava conseguir com sua criação?
O projeto ele é fundamental, primeiro para a visibilidade. Nós temos diversos conselhos municipais. E a proposta desses conselhos de fomento de políticas públicas, de implementação de políticas públicas é justamente discutir, ser um meio em que a população possa discutir com o poder público aquilo que lhe é mais sensível. São conselhos segmentados, então nós temos o Conselho da Mulher, da Igualdade Racial, temos uma série de conselhos aqui em nossa cidade. Cada conselho, ele tem justamente essa função de dialogar, de criar esse diálogo. E é como se fosse um meio efetivo, um meio de participação direta e efetiva em que a sociedade civil realmente pode fazer parte, sentar à mesa e participar dos atos decisórios da gestão. Participar como? Dando encaminhamentos e sugestões e apontando quais são as deficiências, ou quais são as dificuldades e onde a gente pode ou não, deve ou não fazer melhorias e modificações ou se atentar realmente para a falta do poder público na propositura e na efetivação das políticas públicas.
No nosso caso, a população LGBTI, é fundamental. Maringá é uma cidade que é absolutamente conservadora. Apesar de algumas pessoas dizerem que não é. Foi feito um estudo, um mapeamento da população LGBTI pela própria prefeitura, por meio da gerência de diversidade, onde se apontou que quase 70% da população LGBT de Maringá já sofreu algum tipo de violência LGBTfóbica. Ou seja, é uma população absolutamente vulnerabilizada, e que precisa ter seus direitos respeitados. Esse conselho gestor de políticas públicas, ele vem junto justamente para fazer com que essas políticas públicas sejam criadas e efetivadas. E é uma maneira de fiscalizar o poder público, para apurar se efetivamente essas políticas públicas estão sendo ou não promovidas.
A Constituição Federal ela preconiza que é dever do Estado, e todos os seus entes federativos, a promoção da igualdade, combate à discriminação, preconceito, e intolerância. Então o papel desse conselho é fundamental. É a sociedade civil articulada, do segmento LGBTI, claro, porque nós somos segmentados. A gente fala sobre políticas identitárias o tempo todo. Para que essas políticas públicas fossem implementadas, para que nós tivéssemos um olhar para a população LGBT. É uma população que tem suas especificidades, têm suas demandas. Então essa era a grande importância. Por isso é lamentável que não tenha passado, o projeto não tenha sido aprovado. Porque a grande pauta é a proposição da igualdade. São instrumentos para que a igualdade formal e material, principalmente material, seja de fato efetivada. Então foi lamentável que não tenha sido aprovada. Algo que só traria benefícios para a população.
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Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela câmara de vereadores? Você esperava que houvesse alguma objeção?
Nós sempre temos algum receio em relação ao Legislativo da nossa cidade, porque nós conhecemos o posicionamento muitas vezes conservador. E nós já havíamos recebido a rejeição também do projeto de lei do nome social que foi proposto por um vereador aqui do nosso município. Com essa rejeição da lei que regulamentava o nome social, que é algo basilar para a dignidade das pessoas trans, que é algo que nem deveria ser colocado em discussão, essa rejeição realmente nos acendeu ainda mais o alerta que nós já tínhamos.
É claro que nós já imaginávamos que poderíamos sim ter a aprovação desse projeto, com a primeira votação, que nós tivemos a aprovação por 3 contrários e o restante favorável, nós ficamos muito mais fortalecidos. Mas quando tivemos a segunda votação com a apresentação de mais de 20 emendas e a retirada de pauta, nós já sabíamos que iríamos com certeza enfrentar uma grande batalha para conseguir a aprovação. E principalmente quando vimos toda a movimentação que foi feita ao redor desse projeto, principalmente por fundamentalistas religiosos e por grupos conservadores que falavam e apresentavam notícias e fatos que eram absolutamente inverídicos. Isso tudo chancelado por vereadores, que foram democraticamente eleitos, então temos que aceitar essa situação, mas que colaboraram para a disseminação dessas fake news para inflamar o público. Fazendo com que acreditassem que na realidade o conselho seria um fiscal de religião alheia, o que não é verdade, muito, porque isso é impossibilitado pela Constituição Federal, que também garante o livre exercício religioso. Então foi algo que na realidade sabíamos que a luta seria intensa, tínhamos sim uma esperança de que conseguiríamos, mas a possibilidade da rejeição nos era muito clara ou pelo menos para mim, sempre apareceu muito claro. Principalmente depois dessas articulações do segundo momento onde conseguiram fazer a retirada do projeto para a apreciação de mais de 20 emendas, a gente já sabia que seria um longo caminho para enfrentar.
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Houve algum tipo de tentativa de comunicação com os vereadores para buscar explicar o projeto?
Sim, falamos com todos os vereadores, conversamos com todos, absolutamente todos os vereadores. Antes da primeira votação, depois da primeira votação, depois da suspensão. Os movimentos se articularam, nós fomos conversar com absolutamente todos. A maioria deles, por incrível que pareça, pelo resultado da votação, se mostrou muito favorável ao projeto, dizendo que eram favoráveis a leis que garantiam direitos à população vulnerabilizada, isso é um contra senso. Porque disseram em nossas reuniões que nós tínhamos esse apoio, mas quando foram pressionadas por um segmento ultraconservador, religioso, fundamentalista religioso, infelizmente cederam a essas pressões.
Claro que o jogo político, nós não sabemos de fato o que foi negociado, se houve ou não algum tipo de negociação, não sabemos. Mas o fato é que os vereadores sabiam, conheciam o projeto, inclusive nós tivemos reuniões com os vereadores contrários, e com um grupo de pastores da cidade de Maringá, justamente para explicar os pontos do projeto. Termos que eles levantavam como sendo polêmico na realidade eram termos técnicos, como por exemplo delegados para conferências estaduais, municipais. Delegado é um termo técnico, das pessoas que participam das conferências. Eles diziam que nós iriamos fiscalizar, os delegados iram fiscalizar a vida alheia, e como as pessoas criam os filhos em casa, e como a igreja deve ou não se posicionar, que o pastor não pode mais pregar sobre aquilo que acredita, teriam os delegados, enfim. Uma grande falácia.
E infelizmente alguns vereadores, mesmo sabendo que essa era uma argumentação inexistente, uma possibilidade juridicamente inexistente, chancelaram esse posicionamento, inflamaram a população, fizeram discursos que realmente levaram a população a acreditar que haveria algum tipo de constrangimento ou de limitação do direito à liberdade de expressão. Liberdade de expressão não é discurso de ódio. Então as pessoas têm liberdade de expressão hoje com ou sem conselho, mas não tem a possibilidade de propagar discurso de ódio. E é claro que se alguma pessoa fizer algum discurso de ódio em relação às pessoas LGBT, nós vamos sim fazer uma fiscalização enquanto cidadão, você não precisa de conselho para fazer essa fiscalização, e vamos fazer as denúncias para o Ministério Público, que deve apurar qualquer denúncia de violação de cunho LGBTfóbico. Quer dizer, liberdade expressão não se confunde com discurso de ódio. Por mais que essas pessoas têm se apropriado da liberdade de expressão para disseminar a sua intolerância, seu preconceito, são coisas que não se confundem juridicamente, tecnicamente, é muito fático.
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Houve uma emenda pela: remoção do caráter deliberativo e fiscalizador do conselho.
Na realidade eu enxergo todas as emendas como uma tentativa de ganhar fôlego para desestruturar o projeto de lei. Uma, duas, as 22 emendas. O objetivo era esse.
Caráter fiscalizatório, fiscalizador, todos os conselhos têm esse caráter. Aliás todas as pessoas podem fiscalizar como a gente já bem disse. É uma prerrogativa da população, dos concelhos, dos grupos. Nós temos essas condições de fiscalizar. Mas fiscalizar o que? O poder público, nesse caso do conselho. Esse caráter é em relação ao poder público, fiscalizar para saber se as políticas públicas estão sendo debatidas e implementadas. Não é fiscalizar religião e vida alheia, entende.
Em relação ao caráter deliberativo ou consultivo, nós fizemos um levantamento nos conselhos de Maringá, salve engano dois conselhos não eram de caráter deliberativo, eram de caráter consultivo, apenas dois. Isso não significa absolutamente nada de diferença prática para barrar esse projeto. Ainda que a gente tem um caráter deliberativo, a deliberação é sobre o que proporemos, ou poderíamos propor se tivesse sido aprovado, para o Executivo, ou se for de competência ao Legislativo, ao Legislativo. Mas a possibilidade de propor algo de deliberar algo não faz com que exista uma milícia legislativa, se a gente pode fazer uma referência, um poder paralelo do Legislativo que tem essa possibilidade. Não, não existe isso. Então foi uma emenda que tinha o objetivo, assim como todas as outras, de desarticular e ganhar tempo para que eles conseguissem movimentar esse jogo político e derrubar o projeto. Tanto que nenhuma emenda foi votada. Tanto que o vereador que fez a proposta, claro que por outros vereadores, nós sabemos, retirou todas as emendas e nenhuma foi levada à votação. Quer dizer, não foram emendas feitas para a discussão. Foram emendas feitas para articulação e rejeição do projeto, fica muito claro.
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Houve uma emenda pela: remoção da competência de participação orçamentária do conselho.
Mesma coisa, inclusive o orçamento participativo ele é público. Teve audiência pública e nós participamos fazendo sugestões para o orçamento. Mais uma vez, uma emenda que foi feita para que articulação fosse realizada para derrubar o projeto. Essas questões orçamentárias, elas são discutidas entre as secretarias, os conselhos eles podem participar, a população pode participar. Isso não significa que o conselho teria qualquer ingerência sobre o orçamento. São questões absolutamente distintas. Mais uma vez, mais uma emenda que foi realmente feita para desarticulação. Inclusive essa previsão ela está na criação de leis dos outros conselhos, não tem absolutamente nada além do que já se espera de atuação.
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Houve uma emenda pela: inclusão de 2 vagas no conselho a serem escolhidas pela OAB e pela OPEM.
Mais uma emenda que é absolutamente sem fundamento. Essa emenda que eles fizeram para a adição de cadeiras no conselho, para que se tenha ideia, o conselho, ele é composto por cadeiras do gov, do governamental, e não gov, da sociedade civil. A OAB e essa entidade dos pastores, ela é não-governamental, a emenda foi feita para que fosse garantido uma cadeira no segmento governamental, ou seja, primeiro que seria juridicamente impossível.
Segundo, ainda que fosse juridicamente possível, o que não é, mas só a título de argumentação, garantir uma cadeira de determinada religião seria excluir as demais religiões, se fosse algo crível de ser realmente debatido seria uma cadeira para religiões. E as religiões que tem as suas instituições ou as suas representações enquanto sociedade civil, aí sim fariam a candidatura para que pudessem concorrer a uma cadeira no segmento não gov, não no segmento gov com uma cadeira específica para uma religião específica, que sabidamente profere todo tipo de atentado à população LGBT, e não reconhece as pessoas LGBT como pessoas dignas e pessoas que podem constituir famílias, e não reconhecem famílias LGBT. Quer dizer, essa foi uma emenda vexatória, tecnicamente absolutamente errada, inconstitucional, vexatória
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Você disse que seria inconstitucional. Essa avaliação é devido a?
À limitação do caráter religioso para uma instituição religiosa.
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Existem outros conselhos em Maringá que possuem cadeiras específicas para determinadas organizações religiosas. Como você enxerga isso?
Não sei, depende dos conselhos. Tem conselho que a ideia é fazer esse diálogo com as religiões? Nós temos o Conselho da Mulher que tem uma cadeira de religiões, mas são segmentos religiosos. Essa informação eu não tenho certeza, então não sei nem que seria bacana você utilizar, quem vai conseguir falar eu acho que vai ser é a Jéssica, ela tá no Conselho da mulher vai conseguir falar dessa cadeira. O Conselho da Igualdade Racial tem as cadeiras para as religiões também, mas não é para uma religião específica, para um segmento específico, são para os segmentos que compõem.
Por que eu digo que seria inconstitucional? Porque você tá privando todos os outros segmentos religiosos para colocar um único segmento religioso, que sabidamente quer atuar para que o conselho fosse derrubado. Foi isso que aconteceu. A inconstitucionalidade tá aí, em privar que a participação de religiosidades fosse feita em detrimento dessa única religião, sabidamente conservadora, e que nós sabíamos qual era a intenção porque estiveram conosco, para falar sobre essas questões.
Absolutamente eu acho que as religiões elas podem participar dos conselhos, mas elas devem ser eleitas também. E não destinar vaga para um ou outra religião, para um ou outro conservadorismo religioso ocorrente. Os conselhos eles estão aí para serem ocupados, e as pessoas elas devem se filiar às instituições e pleitear as vagas. Mas fazer o recorte para um segmento religioso, absolutamente contrário ao nosso princípio da igualdade, absolutamente contrário. E no que diz respeito à equidade, não à igualdade formal basicamente. A igualdade material e equidade. Você fazer um recorte desse nesse conselho da população LGBT é absolutamente inconstitucional ao nosso ver.
Inclusive debatemos muito sobre esse tema na época com o Ministério Público, com a CAOP, que é o [Centros de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça]. O doutor Rafael da CAOP do Ministério Público, que é esse centro operacional das promotorias de direitos humanos, nós conversamos muito com ele durante esse projeto. E discutimos sobre essa possibilidade das cadeiras, inclusive da cadeira para segmento religioso específico. A Defensoria Pública foi nossa parceira também, conseguimos notas técnicas de apoio tanto da Defensoria quanto do Ministério Público, e do Conselho Estadual de Direitos Humanos também, na época era presidido pelo Dr. Marcelo.
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Houve uma emenda pela: remoção do requerimento que representantes da sociedade civil estarem “atuantes no campo da promoção e defesa dos direitos de pessoas LGBTI+”, passando a permitir a participação de representantes de qualquer área de promoção dos direitos humanos.
É mais uma tentativa de dissolver, de esvaziar a proposta, o projeto de lei. É mais ou menos o que aconteceu em 2015 quando teve a votação dos planos municipais. Eles tiraram o termo LGBTI de todo o projeto, então aquilo que se referia a população LGBTI, eles tiraram como se transformasse em realidade em um conselho para direitos humanos.
Imagina, você tem o Conselho da Mulher por exemplo, são instituições que atuam na defesa dos direitos das mulheres, não seria o contrário. E a proposta justamente do Conselho LGBTI é a participação popular. Quem tá apto para participar do conselho? Entidades que atuam naquela área em benefício do segmento específico, que é a população LGBT.
Imagina, teve emenda para tirar a equidade de gênero, paridade de gênero. Tiraram o termo gênero e o termo LGBTI, tentando esvaziar completamente o projeto de lei transformando em tese em um projeto de criação de conselho de direitos humanos, que poderia discutir sobre toda e qualquer violação. O que é muito positivo, inclusive existe um conselho de direitos humanos aqui na cidade, que não tá atuante, mas existe essa lei. A nossa intenção era criar um projeto para criação de um conselho para defesa da população LGBTI. Por isso é mais que evidente que as entidades que participam deveriam ser entidades que primam pela implementação das políticas públicas e pela promoção humana da população LGBTI. Mais uma vez uma emenda que tentou esvaziar o texto, e não só o texto da lei, mas o objetivo dessa legislação.
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Houve uma emenda pela: remoção da recomendação de um mínimo de 50% de representatividade feminina no conselho.
Em um país que é o quinto no ranking de feminicídio e o primeiro em trans feminicídio, sabidamente são mulheres trans que são assassinadas, você se insurgir em relação a algo que garantia a equidade de gênero é absolutamente contrário a qualquer princípio que nós temos de defesa de dignidade, de liberdade, de igualdade. É contrário àquilo que se vem lutando no mundo todo pela equidade de gênero, então uma emenda que retira essa recomendação de que 50% das pessoas que compõem o conselho deveriam ser compostas por mulheres, realmente é mais uma situação que é vexatória, mesmo. Quando eu digo vexatória é nesse sentido.
Essas pessoas que propuseram isso, elas certamente fizeram porque queriam esvaziar o nosso conselho, esvaziar a nossa lei e ganhar esse tempo. E não tem justificativa crível que leve a essas emendas. Você fazer uma emenda que você retira a garantia de cadeiras para 50%, é contra todas as políticas públicas de promoção das mulheres, e feminilidades, e mulheridades, que nós temos. Inclusive na OAB, que a partir dessas eleições do último ano garantiram 50% para as candidaturas femininas. Então é completamente contrário a qualquer política pública de inclusão e de igualdade
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Houve uma emenda pela: remoção da garantia de vagas para cada um dos segmentos que compõem a sigla LGBTI.
É muito importante que num movimento social tão diverso, como é o movimento LGBT, que cada sigla, cada pessoa que compõe essa sigla, cada identidade, tenha a sua participação. As especificidades das mulheres lésbicas são diferentes das mulheres trans, cis lésbicas, trans lésbicas. As especificidades de cada pessoa, de cada sigla são absolutamente distintas. O propósito que nós tivemos de incluir a garantia da participação de cada uma dessas pessoas que compunham esses segmentos, é justamente dar voz para que todas e todos se sentissem representados e para que pudessem levar as suas demandas e as suas especificidades. Os movimentos LGBTs eles têm uma uma dinâmica em que se você não garante participação de pessoas diversas nós somos dominados por homens gays cis brancos, em todos os movimentos. Então a ideia, a intenção, o propósito justamente era dar visibilidade para todas as siglas e para todos os segmentos. Porque cada uma tem as suas especificidades que tem que ser respeitado e tem que ser levado para discussão quando se quer construir políticas públicas. Fazer a retirada dessa possibilidade seria um esvaziamento, seria na prática não garantir que todos esses segmentos fossem representados.
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Como que foi o processo de definição dos segmentos que iriam compor o projeto de lei? Por exemplo, existem segmentos que não foram contemplados como a letra A (assexuais e arromânticos) e Q (queer).
Essa é uma questão que eu não me lembro exatamente… Vocês já entrevistaram a Margô? Vocês vão entrevistar? Ah não, ela que iria saber dizer isso, ela que fez esse estudo,
É algo da conferência, tem umas conferências nacionais que elas estipulam, tô falando assim porque eu não vou conseguir responder essa. Tem uma conferência nacional que ela estipula qual é, como se fosse a sigla oficial. A gente teve essa discussão, não vou me lembrar exatamente, a gente teve inclusive na nossa comissão mas eu não [...] para saber o que colocaríamos. E a gente resolveu seguir algum padrão para ficar para não ficar desconectado. Eu não vou lembrar se for da Aliança Nacional, ou se foi da conferência, eu não vou conseguir te responder. Mas foi um padrão que foi uma escolha consciente que foi baseado em alguma dessas duas instituições porque é o que é normativo. Porque as siglas elas vão mudando o tempo todo, o tempo todo, não tem como a gente prever tudo. Inclusive dentro do direito, a gente fala que a gente precisa ser generalista porque se a gente for–aí falando do direito, só fazendo um parêntesis–se a gente levar muito ao pé da letra as questões identitárias a gente não consegue garantir a legislação geral.
Então foi essa a discussão que teve. Salvo engano é estipulação de alguma Conferência Nacional, da última Conferência Nacional. Mas eu não vou conseguir te responder essa pergunta. Foi algo ou conferência nacional ou Aliança LGBT. Acho que ficou LGBTI+, não foi? Alguma dessas duas. Que a gente queria colocar LGBTQIA+, só que o Queer tem aquela discussão que na realidade é não é uma orientação ou uma identidade mas é um movimento político, e a dos assexuais, eu não me lembro exatamente qual foi, mas era dessa mesma… não era orientação também, do A eu não me lembro, mas teve essa discussão. Inclusive a gente precisa retomar essa discussão. Mas vou ficar devendo.
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O que acha do arquivamento das emendas? Que impacto você acredita que teve?
Bom, primeiro que as emendas, elas foram propostas para desarticular o projeto. Não foram propostas para que fossem debatidas e votadas. Caso tivessem sido nós teríamos debatido e de fato elas teriam sido votadas. Elas foram arquivadas na realidade porque foram propostas para desarticular esse movimento, esvaziar essa votação. Essa foi a intenção. Esse foi o objetivo, por isso elas foram arquivadas. É muito claro para a gente que participou de toda essa articulação, que conversou com os vereadores, que conversou com os movimentos sociais, que estava efetivamente presente.
Veja bem, nós fomos, depois da rejeição do projeto, nós fomos culpados por algumas das pessoas envolvidas, fomos culpados pela rejeição porque fizemos manifestações. Quando da rejeição do projeto do nome social nós fomos culpados pela rejeição porque não fizemos manifestação. Ou seja, a culpa é sempre nossa, das pessoas que são um vulnerabilizadas e que são vitimadas por essa intolerância, a culpa é sempre da vítima. Essa tentativa das emendas por mais que os vereadores no dia tivessem defendido que não houve diálogo, não houve tentativa de diálogo por parte dos movimentos LGBTI, na realidade quem fechou o diálogo foram eles, que propuseram emendas vazias e que nem mesmo levaram a discussão e a votação. Retiraram absolutamente todas, por que? Porque conseguiram o tempo que precisavam para desestabilizar, desarticular o projeto para conseguir a rejeição total. Então as emendas elas não foram feitas para ser discutidas, elas não foram feitas para serem votadas. Elas foram feitas para ganhar tempo, para que essa articulação toda pudesse ser realizada pelos opositores, para a derrubada desse projeto.
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Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela população maringaense?
A população maringaense é sabidamente conservadora. Então qual a população a gente fala? A população também é LGBT. A população também é composta por pessoas que são vulnerabilizadas. Esse projeto não iria impactar de maneira nenhuma a população heterossexual e cisgênero. E iria impactar diretamente a população LGBT. Então qual o recebimento, qual era a expectativa do recebimento desse projeto em uma sociedade que tem consciência do outro, que tem consciência de quais são seus direitos, seus limites, seus deveres, seria realmente muito festejado. Porque nós teríamos mais um instrumento de inclusão social. Era esse o objetivo, é esse o objetivo de conselhos, os conselhos gestores de políticas públicas.
Mas nós vivemos na realidade maringaense, onde quase 70% da população LGBT já sofreu algum tipo de LGBTfobia. Então nós imaginávamos sim que haveria algum tipo de reação. Mas reações que não são justificáveis sobre o ponto de vista jurídico. Afinal de contas, o projeto ele estava absolutamente, formalmente, materialmente adequado. Não distante de qualquer outro projeto dos conselhos que nós temos na cidade. A reação conservadora e arbitrária e violenta da população, porque nós tivemos naquelas votações e nós sofremos todos os tipos de violência que vocês podem imaginar, fomos atacados por aquelas pessoas que se diziam cristãs e conservadoras. É um recorte de uma população que realmente não tem a mínima preocupação com justiça social, com inclusão, solidariedade, igualdade, liberdade, e muito mais com conhecimento científico e com o próprio convívio com o diferente. Essa reação foi realmente algo que nós não gostaríamos que tivesse acontecido mas em algum momento, depois de tanta fake news, depois de tanta notícia absolutamente irreal e de tanta manipulação por parte de líderes religiosos sim, que fizeram vídeos absolutamente mentirosos, tecnicamente impossíveis, e que fizeram defesas de algo que é inconcebível sob o ponto de vista jurídico, líderes que tinham essa consciência, sabiam que estavam mentindo, essa é a palavra, nós esperávamos que a reação fosse realmente violenta naquele momento.
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Você consegue identificar algum tipo de articulação/movimento/ação que poderia ser feito para aumentar a chance do projeto passar?
Não, não vejo. Não vejo nada que nós poderíamos ter feito para que o projeto pudesse passar. A articulação, ela foi feita no sentido de derrubar o projeto. Nós não conseguimos articular pra tirar de pauta para que nós pudéssemos debater mais com os vereadores que haviam mudado o posicionamento. Nós não conseguimos fazer a discussão de emendas. Nós não conseguimos fazer absolutamente nenhuma articulação, além das muitas que foram feitas no transcorrer de todo o projeto, desde a idealização, até redação, a propositura e as votações todas. Não vejo essa possibilidade.
Tem muita gente que diz que a culpa foi dos movimentos sociais porque fizeram as manifestações, mas a culpa é do preconceito, a culpa é da intolerância. Não tem como você querer culpar um movimento por se manifestar. Então nós devemos o que? Ficar escondidos e reclusos, e apresentar nossos companheiros e companheiras, esposos e esposas como amigos, e em voltar para um tempo em que não era reconhecida a cidadania, a afiliação, a parentalidade, a conjugalidade, a identidade das pessoas LGBT? Não vejo absolutamente nada que nós pudéssemos ter feito para que esse projeto fosse aprovado. O que eu vejo é que esse projeto, ele pode ser aprovado se a gente realmente investir em políticas públicas de promoção humana para que essa intolerância toda ela seja cada vez mais diluída.
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Houve uma crítica que: o conselho não deveria poder atuar no campo da educação.
Não entendo porquê. Qual seria o problema da atuação no campo da educação? Não existem pessoas LGBT que estão inseridas no universo educacional? Não somos crianças, adolescentes que têm alguns problemas e inclusive de enfrentamento a LGBTfobia que são levadas a expulsão das escolas e não conseguem entrar no mercado de trabalho depois justamente porque não foram acolhidas nas escolas? É uma justificativa e que não é crível, não é viável. É irracional. Parte de um pressuposto de que todas as crianças e adolescentes são crianças e adolescentes heterossexuais e cisgêneros. É uma argumentação absolutamente excludente. A escola é o lugar de falar sobre diversidade sexual e de gênero sim.
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Houve uma crítica que: não há necessidade de criar um conselho LGBT, já que essas questões poderiam ser abordadas em outros conselhos.
As questões dos outros conselhos também poderiam ser abordadas em outros conselhos. A gente teve o Conselho do Migrante que foi aprovado dois meses antes. O curioso, mais do que engraçado, o curioso é que nenhuma dessas críticas foram feitas a instituição de nenhum dos outros conselhos. É incrível como justamente quando a discussão é sobre a população LGBTI, não precisa ter, não precisa existir, porque já foi abarcado por outras demandas. É muito curioso que isso aconteça. Em todas as pautas da população LGBTI.
Os conselhos de políticas públicas, que formulam políticas públicas, os conselhos gestores de políticas públicas, eles justamente tem que ter aquele olhar segmentado. Aquele segmento social específico tem alguma vulnerabilidade, algum atravessamento que lhe é próprio, específico. Então como ele poderia ser tratado por outros conselhos? De maneira superficial, tentamos levar as nossas demandas aos outros conselhos. Mas de maneira aprofundada, de maneira efetiva, realmente com uma discussão apenas segmentada [que] seria possível que fosse sido feito.
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Houve uma crítica que: a criação de um conselho específico para a criação de políticas públicas LGBT seria discriminatório, já que defende o interesse de apenas parte dos cidadãos de Maringá, e não todos; o correto seria criar um conselho de direitos humanos para defender os direitos de todo mundo.
É uma tentativa de esvaziar completamente a discussão séria sobre a implementação e elaboração de políticas públicas. É o mesmo que dizer que não precisa de um conselho da mulher, porque e os homens, onde ficariam? Não precisa de um conselho de igualdade racial, porque e as pessoas brancas, onde ficariam? É exatamente a mesma coisa.
Um conselho de direitos humanos é absolutamente relevante sim. E é um conselho amplo em que várias questões podem ser discutidas. Mas nós queremos compor um conselho de direitos LGBTI. Nós queremos discutir as especificidades da população LGBTI. Essas violências que são próprias que atravessam os corpos das pessoas LGBTI. Seria muito simples dizer que violaria a igualdade sem levar em consideração que a igualdade, na realidade, é tratar as pessoas de acordo com a sua própria desigualdade. Tratar igual os iguais e os desiguais na medida da sua desigualdade. Tratar de maneira desigual os desiguais na medida da sua desigualdade. Nós não temos aí uma igualdade puramente formal em que todos são iguais perante a lei e isso é suficiente. Não. Nós vamos buscar uma igualdade material, em que pra que todos sejam iguais, às desigualdades elas precisam ser apontadas e precisam ser levadas em consideração para que as políticas públicas, e as leis como um todo, sejam efetivamente elaboradas e implementadas, efetivadas, e solicitadas.
Quando a gente parte do princípio de um entendimento tão superficial do que é a igualdade, nós estamos na realidade colaborando para que essa igualdade nunca seja alcançada. O fato é que não somos todos iguais. Nós queremos sim que essa igualdade se torne uma realidade um dia. Mas para que ela se torne realidade as nossas diferenças elas precisam ser ressaltadas. As violências que cada segmento da população passa, precisam ser ressaltadas, precisam ser elaboradas, precisam ser trabalhadas. Nós precisamos fazer essas denúncias. Nós temos que ter noção desses atravessamentos.
Então dizer que violaria a igualdade primeiro que é um absurdo. É uma alegação de quem não sabe o que significa igualdade. Não sabe o que é o princípio da igualdade. Qual é a sua importância no nosso estado democrático de direito. Principalmente após a Constituição de 1988. É alguém que não tem conhecimento algum sobre o que fala, e fala uma bobagem apenas para não perder a chance de ficar calado, que é o que devia ter feito.
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Houve uma crítica que: o conselho seria antidemocrático, já que apenas grupos atuantes na promoção dos direitos LGBTI+ poderiam participar.
O conselho é absolutamente democrático. Primeiro porque as pessoas elas são eleitas para compor. Segundo que se essas pessoas que querem participar de algum conselho, elas podem perfeitamente propor a criação pro Executivo para que encaminhe ao Legislativo para a votação.
É um conselho de direitos específicos. É um conselho de direitos que busca realmente fazer o levantamento das necessidades, das violências que atravessam a população LGBTI. É um conselho temático. Isso posto, não há como ser antidemocrático porque o conceito de democracia ele abarca também essa possibilidade de que grupos específicos se unam para pleitear aquilo que lhe é mais latente, mais sensível.
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Houve uma crítica de que: o caráter deliberativo e fiscalizador permitiria ao conselho patrulhar o pensamento e a conduta das outras pessoas, fazendo com que líderes religiosos se sentissem ameaçados de poder sofrer algum tipo de sanção do conselho.
Uma falácia. Um absurdo de uma falácia. Essa mesma crítica foi feita quando do julgamento da ADO, da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, número 26 que criminalizou a LGBTfobia no ano de 2019. Então hoje a LGBTfobia é crime, é criminalizado. Qualquer pessoa que presenciar um ato LGBTfóbico pode fazer uma denúncia. Essa crítica, esse medo que eles têm eles devem ter mesmo porque sabem que são LGBTfóbicos. São cuidadosos, são cautelosos, mas eles sabem que eles são. O conselho não teria essa possibilidade porque não é competência do conselho. O conselho teria a possibilidade de fiscalizar atos do poder público e propor que políticas públicas fossem promovidas pelo ente público. É absolutamente falaciosa essa crítica. Mas isso foi muito utilizado para que o projeto fosse desestabilizado. Essa argumentação que pauta no cerceamento, num suposto cerceamento da liberdade religiosa foi o carro-chefe para que as articulações de embaraço desse conselho fossem feitas e efetivadas.
Não é possível juridicamente dizendo, inclusive é impossível que um conselho, que esse nosso conselho fizesse algum tipo de intervenção na vida privada ou na vida religiosa de instituições da igreja, seja qual for. Porque, principalmente em relação à religião, a Constituição Federal ela garante a liberdade religiosa, que não se confunde com discurso de ódio, que é o que muitas vezes eles fazem, por isso do medo, não é?
E mais uma vez, hoje com ou sem conselho qualquer pessoa pode fiscalizar. Esses templos, eu posso ir para um templo a qualquer momento verificar qual é a fala do pastor, e se eu achar que é LGBTfóbico eu vou gravar sim, e eu vou levar para o Ministério Público, com ou sem conselho. A intenção do conselho não é fazer isso. Porque a gente tá muito mais preocupado com o pessoal que tá morrendo, que não tá conseguindo ir para escola, não tá conseguindo emprego, as pessoas que não estão conseguindo ter o reconhecimento das identidades, as pessoas que estão sendo agredidas, apanhando na rua do que ficar preocupado com fé alheia. Então é uma observação, um comentário infeliz que não tem nada de realidade, é juridicamente impossível.
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Houve uma crítica que: seria negativo o secretário executivo receber uma gratificação pelo desempenho do cargo.
Todos os conselhos têm secretário executivo que obviamente tem a gratificação porque eles estão trabalhando pela prefeitura. São funcionários já públicos da prefeitura e que recebem pelo período, pelo horário que estão desempenhando a função. Essa função, é uma função própria que existe em todos os conselhos. Então a tentativa de diminuir a credibilidade do nosso conselho ou dizer que na realidade são gastos públicos que seriam feitos a mais ou a maior, não confere, não são reais. São cargos que já existem, são pessoas que já trabalham na prefeitura, e são pessoas que seriam deslocadas para as reuniões do conselho, que é uma reunião mensal, uma reunião de uma hora, duas horas mensais. Todos os conselhos têm essa secretaria executiva.
Então foi mais uma tentativa de desqualificar nossa atuação. Foi uma articulação que eles fizeram. Eles tentaram nos atacar de todas as formas: primeiro que nós estávamos destruindo as famílias, destruindo a liberdade religiosa das igrejas, onerando o erário, fazendo pagamentos de custos que na realidade não são próprios da administração, ou não caberiam a população LGBTI. Todos os tipos de argumentos foram utilizados e isso é só mais um. Secretária executiva tem em todos os conselhos e nunca ninguém questionou essa existência. O funcionamento do conselho próprio é esse. Então todos os outros conselhos, está ótimo você ter alguém para secretariar, o conselho LGBT aí não? Qual seria a próxima questão? Nós teríamos que fazer as reuniões na rua também para não precisar da energia da prefeitura? Quer dizer, mais uma questão que foi utilizada para levar o público, o senso comum a desacreditar e realmente se insurgir contra esse projeto de lei.
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Vários conselhos têm secretaria executiva, mas esse indicava que a pessoa receberia uma gratificação equivalente ao cargo de alta chefia.
Sim, eles têm a gratificação, porque eles estão exercendo outro cargo, eles estão exercendo um cargo na prefeitura e são levados para fazer o trabalho. Todos os conselhos têm. As pessoas que trabalham enquanto secretaria executiva nos conselhos têm essa gratificação, a gratificação ela existe, é o pagamento pelo serviço. E qual o serviço que tá fazendo? Secretariar os atos do conselho durante a reunião, é esse o trabalho.
Para você ter um funcionamento de um conselho, você precisa ter pessoas para participar, todas as pessoas são voluntárias. E a gratificação relacionada à secretaria executiva ela existente em todos os conselhos porque é algo próprio que possibilita o funcionamento. Esse valor que seria destinado caso tivesse sido aprovado o projeto, já tá no orçamento. É um valor que existe no orçamento da secretaria que seria apenas manejado para o pagamento dessa pessoa que ia fazer uma reunião por mês, não oneraria absolutamente nada a mais, porque já está previsto no orçamento. A Secretaria de Juventude e Cidadania que seria responsável pelo conselho, ela tem o orçamento, e dentro do orçamento que ela tem ela consegue fazer os manejos. Essa seria uma possibilidade, assim como é feito em todos os conselhos.
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Houve uma crítica que: o conselho não seria apartidário.
O conselho é apartidário. Bastava ver as pessoas que estavam envolvidas na proposta do conselho: OAB, que é uma instituição absolutamente apartidária; movimentos sociais de esquerda; movimentos sociais progressistas. Não tinha membros da direita porque a direita conservadora não confere direitos à população LGBT. Mas seria impossível que esse conselho fosse partidário porque os membros são eleitos. Então seria necessário apenas que a instituição cumprisse os requisitos, que era justamente atuar em prol da população LGBTI, e se candidatasse por uma vaga.
O jogo político, ele sempre essas nuances, esses desvios, essas tentativas de ocultar qual é a real fundamentação ou o real interesse. Algo que sempre acontece é ‘não, virou politicagem’ ou ‘não sei qual partido tá defendendo’. Mas o jogo político é esse. Para tentar tirar o foco de uma discussão principal vários pontos que são absolutamente irrelevantes, e que não existem de fato são colocados. Então você vai minando esse projeto que tinha uma unidade muito forte, que foi composto por várias instituições, imagina com OAB, nota pública de defensoria, texto técnico de Ministério Público, IBDFAM que é o maior instituto de direito das famílias que existe no mundo, sabe, fez uma defesa para gente por meio da doutora Maria Berenice Dias, que foi quem cunhou o termo homoafetividade, a grande advogada que realmente trouxe essa discussão dos direitos da população LGBTI, em relação à conjugalidade principalmente. Falar que uma manifestação dessa é apartidária realmente é limitar um projeto que foi muito mais complexo e foi muito mais abrangente e tentar reduzir todo esse trabalho a uma insignificância que não existe.
Aliás eu não sei até hoje qual partido que eles acham que é. Se é do PT? Se é do PDT? Eu não sei. Se é da rede? Eu não sei.
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Tem algum conselho ou dica que você daria para pessoas em outras cidades que estão pensando em implementar um projeto similar?
Façam. Façam. Tentem criar uma rede de apoio institucional. Não basta a gente movimentar a população. Não basta a gente ir para frente da câmara, não basta. A articulação ela realmente ela tem que ser um pouco mais profunda, um pouco mais forte, muito bem pensada. Então as pessoas precisam fazer realmente um trabalho ali desde a base, conversando com cada vereador, antes mesmo talvez de procurar o Executivo, e tentar criar esse grupo de apoio principalmente institucional. Claro que não vai ser suficiente, talvez, dependendo da realidade local. Aqui não foi apesar de termos mais de 100 instituições apoiando.
Mas é muito importante que se faça, ainda que da negativa. Porque nós conseguimos trazer para a visibilidade essas demandas. Nós conseguimos mostrar que estamos aqui, estamos articulados, que precisamos de políticas públicas, e que nós vamos atuar. Em caso de rejeição, vamos criar o conselho da mesma maneira que nós criamos em Maringá: um conselho independente, privado. Uma associação privada, então não tem esse caráter público, mas tem uma grande possibilidade de atuação. E vamos continuar tentando. Vamos reapresentar o projeto pro prefeito para tentar levar novamente à plenária para votação e a nossa luta sempre vai continuar. É claro que é árdua, mas nós conseguimos e conseguiremos. Veja, até 2011 nós não tínhamos o reconhecimento das famílias LGBTI, não tínhamos a possibilidade de reconhecimento de união estável e de casamento. Enquanto as pessoas já podem casar á não sei quanto tempo, a gente só pode a partir de 2011. As pessoas trans tiveram seu direito à identidade reconhecido muito recentemente. A LGBTfobia foi criminalizada ontem. São coisas que são muito recentes para o direito e essas conquistas apesar de todas terem acontecido no âmbito do poder judiciário, elas precisam ser levadas ao Legislativo. O Legislativo que não enfrenta essas pautas que são chamadas as pautas morais, ele precisa ser pressionado.
A gente não pode achar que é suficiente as decisões do STF que garantem sim os nossos direitos, garantem sim. Foi o STF que possibilitou que nós tivéssemos esse trânsito em termos de direitos que nós temos hoje, as garantias. Mas ainda assim o Legislativo, ele tem que se posicionar. Veja que o reconhecimento das famílias LGBT aconteceu no ano de 2011, nós estamos em 2022. Em 2022 o Legislativo ainda não se posicionou. Não é algo que precisa ser discutido. Existe. É fato. É tutelado pela constituição e pelo o STF. Não tem o que discutir. Mas ainda assim o Legislativo silenciou, não fez nenhuma lei que fizesse alteração do Código Civil para retirar o termo homem ou mulher da possibilidade de casamento mesmo sabendo que nós podemos casar. Desde 11 pelo reconhecimento das uniões estável, pacificado em 13 pelo provimento 175 174 do CNJ (não lembro o número). Então as pessoas que querem propor esse conselho que querem tentar a criação, articulem-se obviamente de modo local com os movimentos sociais. Procurem a OAB, a força institucional de OAB, Defensoria Pública, Ministério Público é muito grande. E tentem. Ainda que não seja aprovado, ainda que tenham alguma rejeição, continuem o movimento, não desistam. A gente só vai conseguir mudar essa realidade absolutamente LGBTfóbica, excludente se nós nos posicionarmos mesmo com as derrotas. Mas cansa né. Cansa.
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Ocorreu a organização para a criação do conselho como uma associação não governamental. Como foi esse processo e como é a atuação atualmente?
Com a rejeição do projeto da lei é claro que os movimentos sociais ficaram muito abalados. Essa rejeição do projeto de lei, na realidade, ela evidenciou a violência contra a população LGBT. Como essa violência ainda é muito forte, é muito sensível, é muito latente. Então nós percebemos, nós quando eu digo nós eu me coloco enquanto advogada, claro, mas principalmente como mulher lésbica, percebemos que temos acesso aos direitos de cidadania mas não somos tão incluídos assim.
Essa onda de violência que foi durante muito tempo silenciada pelas políticas públicas de inclusão, realmente elas tomaram uma proporção muito grande agora e essas vozes elas voltaram a gritar com muita força. Então a rejeição do conselho ela significou que nós tínhamos muito, muito que lutar. Foi como se fosse um tapa em todos, em todas, sabe. Para que nós nos lembrássemos que nós não somos iguais, sabe. Foi muito difícil. Então a comunidade, os movimentos sociais eles passaram por esse processo de luto. Inclusive nós enquanto comissão, na época eu ainda presidia a comissão e aos poucos nós conseguimos pensar em estratégias.
Tivemos esse processo e conseguimos pensar e elaborar alguma outra possibilidade de atuação já que os movimentos estavam tão coesos. Foi uma união como nunca se viu aqui em Maringá. Apesar de já ter existido, claro, o movimento social já foi para câmera, todo mundo, fazer as manifestações, movimentações em 15 em 10. Mas os movimentos sociais se unirem para elaborar um projeto, fazer articulação com Executivo, com Legislativo, a defesa é a primeira vez, foi algo inédito.
Aproveitando essa união entre os movimentos nós tivemos essa ideia de fazer um conselho privado, como existe o conselho de segurança pública, o CONSEG é um conselho privado. Então reunimos as entidades que participaram da elaboração da criação do projeto do conselho e foi uma criação realmente que foi horizontalizada. Eu faço questão de dizer isso, não teve uma entidade, outra entidade que teve um papel maior ou não na elaboração. Cada uma teve a sua função. A OAB ficou mais na função técnica legislativa. Cada entidade teve a sua função, foi muito horizontalizado. Então nós reunimos essas entidades novamente e propusemos a criação de um conselho, de uma associação chamado Conselho Maringaense de Defesa dos Direitos da População LGBTI pra atuar justamente na defesa dessa população. Para fazer uma atuação como se fosse a atuação do conselho. Claro que com as diferenças do ente público para a associação privada.
E nesse objetivo de manter a união entre o grupo e o fortalecimento, nós conseguimos essa adesão de todas as entidades que participaram e criamos o conselho no final do ano passado, 21 de dezembro. Fizemos eleições para a diretoria do conselho e a gente começou a nossa atuação esse ano. Estamos ainda em uma fase embrionária. Estamos fazendo os projetos e os protocolos e o nosso grande objetivo é atuar na defesa da população LGBT. Nós queremos conscientizar a população LGBT que nós temos direitos, e esses direitos eles devem ser exercidos. Nós iremos fiscalizar o poder público e nós daremos vazão às denúncias LGBTfobia que nós iremos receber.
A nossa intenção é fortalecer acima de tudo os movimentos, fortalecer os movimentos para que cada um consiga atuar no seu segmento específico de forma realmente enérgica e efetiva. Já atuam, claro, mas uma união entre os movimentos possibilita, por exemplo, que nós tenhamos dados compilados e unificados. Então nós temos o objetivo de criar protocolos de atendimento para que os movimentos reverberam entre as pessoas que eles porventura receberem em relação à denúncia de qualquer tipo de violência, em qualquer esfera, e para que saibam o que fazer.
Além é claro da população LGBT. Conscientizar a população LGBT, conscientizar poder público, fazer capacitação no poder público, empresa privada, parceria com empresa privada para fazer projetos de empregabilidade. E realmente buscar essa igualdade material que nós tanto queremos. Essa equidade. E o que a gente pretendia com a votação do projeto do conselho gestor de políticas públicas vinculado ao município. Então a nossa intenção é essa, o nosso objetivo é esse, o propósito do conselho é realmente fomentar as políticas públicas e é isso que nós faremos.
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Tem algo a mais que você gostaria de dizer? Conclusões.
A gente tem um caminho muito longo pela frente, muito longo. Mas é um caminho que a gente decidiu trilhar de luta, é o caminho de luta, é o caminho de consciência. Nós queremos ocupar todos os espaços. Nós vamos ocupar todos os espaços. Nós lutamos pela igualdade. Nós lutamos pela liberdade. A gente luta pela dignidade humana. Eu digo que a nossa meta é que os preceitos da Constituição Federal sejam efetivados. É uma meta, não é um sonho. E é para isso que a gente vai lutar, sabendo que o caminho é longo, sabendo que nós vamos sofrer muita violência pelo caminho, que nós vamos sim continuar sendo excluídos, mas ainda sim. O caminho da luta é um caminho que deve ser traçado. E só com a luta, mesmo com a derrota, a gente consegue. A gente vai conseguir, se colocar em todos os lugares, ocupar todos os lugares, poder andar com menos medo na rua, poder ser quem é, poder vivenciar a vida que tem sem sofrer tanta violência, tanto preconceito, sem passar por tantas vulnerabilidades. Então continue todos.
E o interessante desse movimento eu digo o nosso é que claro que é cansativo né, a gente cansa. É muito confronto, é uma violência escancarada, ou às vezes é uma novela simbólica, mas a gente está sentindo. Isso vai cansando. Mas um fortalece o outro, uma pessoa fortalece sempre a outra. Então é um movimento que vale a pena, lutar pelo direito da população vale a pena. E nós enquanto LGBT temos todo o direito de sermos quem somos e devemos lutar para que isso aconteça.