Entrevista com a participante de organizações da sociedade civil, Carolina Cleópatra. Ela fala sobre o processo de criação e da recepção do projeto de lei que criava o Conselho Municipal LGBTI+, que foi rejeitado na Câmara de Maringá em 2021.

A entrevista ocorreu no dia 8 de março de 2022. Quem entrevistou foi Marcus Carr. Quem gravou foi Linda Guzman.

Este projeto foi produzido com verba do prêmio bolsa pesquisa e fazer artístico cultural de Maringá. Recursos oriundos da Lei Aldir Blanc (Lei federal nº 14.017, de 29 de junho de 2020).


# Entrevista com Carolina Cleópatra

# Apresentação. Qual seu nome? Quais cargos que ocupa nas diferentes organizações?

Meu nome é Carolina Cleópatra. Eu sou advogada. Sou comentarista da rádio Pinga Fogo também. Sou atualmente membro das Comissões de Diversidade Sexual e Gênero da OAB e da Comissão de Enfrentamento è Violência de Gênero. Também sou conselheira do Conselho LGBTQIA+ de Maringá. E participo também de alguns grupos como a AMADE, que é os Advogados Maringaenses pela Diversidade. Na época do conselho, eu estava como presidente da CEVIGE, que é a Comissão de Enfrentamento à Violência de Gênero.


# Comente um pouco sobre cada organização. Como é sua atuação em Maringá?

A CEVIGE, a Comissão de Enfrentamento à Violência de Gênero, ela foi criada pela doutora Ana Cláudia que é ex-presidente da OAB. Ela já tinha essa ideia, mas quando aconteceu a morte da Margot e teve toda aquela repercussão, ela viu uma oportunidade de então instaurar a comissão efetivamente. Porque até o momento era só uma ideia e ela não estava se concretizando. Com aquele clamor social, ela viu uma oportunidade e falou assim, agora eu vou criar a CEVIGE. Primeiro porque a violência tá muito grande, segundo que agora é o momento ideal. E ela criou. Na época eu entrei como secretária apenas. E aí, depois de algum tempo eu me tornei a presidente.

Como presidente, eu consegui fazer uma escala de plantão para que advogadas atendessem as mulheres em situações de violência. O atendimento primário porque era o que o estatuto da Ordem permite que a gente fizesse, que é são as primeiras orientações, acompanhamento em delegacia. Então tinha esse projeto. Tinha também outros projetos que a gente acabou não conseguindo colocar em prática por conta da pandemia. Mas tinha o projeto de CEVIGE na escola. Tinha o projeto de o CEVIGE nas festas, no sentido de orientar as pessoas sobre o assédio sexual, as violências sexuais, todas elas. E também prestar um atendimento primário para aquelas pessoas que quisessem. A gente tinha vários projetos que acabaram não acontecendo por conta da pandemia, e que é provável que a presidente atual retome esse ano.

A CDSG, ela já existe há mais de 10 anos. Que é a Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero. Eu tô na CDSG desde 2019, como membro. Então eu acompanhei toda a gestão da Franciele Rocha dentro da CDSG. E a CDSG também tinha projetos semelhantes aos da CEVIGE. Porque a violência é muito grande na nossa cidade. As pessoas querem tapar o sol com a peneira, mas a verdade é que a nossa cidade é muito violenta e muito preconceituosa. Então a CDSG ela viu ali uma quase que uma sensação de obrigatoriedade de auxiliar as pessoas. Porque era tudo muito recente e as pessoas não tinham noção dos direitos delas. Direito a retificação de nome, direito a nome social, direito a ver o seu agressor que praticou LGBTfobia ser processado. Então a CDSG inclusive fez esses acompanhamentos também como a CEVIGE, acompanhamento primário de orientar, ir com a pessoa na delegacia, tudo isso. Então a CDSG também tem alguns projetos bem semelhantes aos da CEVIGE.

São comissões de prática. Não só de estudo. A maioria das comissões da OAB são de estudo. Essas são comissões que têm um interesse social. E a gente começou primeiro com os atendimentos pessoais, trabalho de formiguinha. E depois a gente viu a necessidade de participar das políticas públicas. Porque só orientar as pessoas era muito pouco e era um trabalho que não vencia. A gente não conseguia fazer uma divulgação dos direitos que fosse de forma efetiva. Então a gente partiu para o advocacy. Não que a gente soubesse muito o que estava fazendo, foi mais intuitivamente. A gente ainda vai se especializar nesse advocacy. Mas a gente já começou.

Então a CDSG, ela já participou do plano diretor da cidade. Tinha um colega da CDSG, o Hebert, e outras pessoas também que participaram desse plano diretor, que levaram ao conhecimento da gestão pública de que precisava de políticas públicas para essas pessoas, os LGBTQIA+. Conseguimos colocar isso no plano diretor, daí que surgiu a gerência de diversidade vinculada à Secretaria de Justiça e Cidadania, que até o momento não tinha. A gerência de diversidade tem um ano, completou um ano agora. E também fazer outros projetos. Os outros projetos que eu estou falando, por exemplo, o do conselho. A gente também atuou, não muito, mas atuou no sentido de apoiar a votação do nome social. Infelizmente não passou, nem na primeira votação, salvo engano. E a gente viu realmente que só apoiar pelos bastidores não resolvia. E o do conselho a gente foi muito mais ativo no sentido de tentar aprovar mesmo.

A AMADI, ela é um braço nosso. Tem alguns projetos que a gente não pode fazer dentro da OAB, mas a gente pode fazer dentro de uma associação. Por isso a AMADI. A gente faz algumas coisas que a gente não pode fazer dentro da OAB a gente faz pela AMADI. Nos últimos anos, na verdade, a gente nem tem atuado tanto pela AMADI porque a doutora Ana Cláudia dava um apoio para nós. Um apoio que outras gestões, outras presidências não deram, então a gente precisava muito mais da AMADI antes. E com o apoio da doutora Ana Cláudia a gente não precisou usar tanto assim utilizar a AMADI. Mas a AMADI é uma associação de advogados, a gente trabalha pela diversidade, é um trabalho parecido com o da CDSG. Só que na AMADI a gente não tem aquelas dificuldades, aqueles entraves que tem dentro da autarquia OAB.


# Como foi o processo desde a ideia até a elaboração do texto do Conselho LGBT dentro da Comissão de Diversidade e Gênero da OAB??

No começo eu não tava tão envolvida, porque como eu estava presidente da CEVIGE, eu tinha que botar para rodar os projetos que a gente tava criando. Então eu tinha que fazer aquilo acontecer. Então eu acompanhei, mas só participei ativamente um pouco depois. Foi feito uma comissão, uma comissão dentro da comissão, e também uma comissão com integrantes da CDSG e também de outros movimentos sociais, que escreveram o estatuto e apresentaram pro prefeito. Esse estatuto é muito semelhante ao estatuto do imigrante que tinha sido aprovado ano passado. Foi utilizado como base estatutos que já existiam, não é bem um estatuto, é um projeto de lei para criar o conselho que depois a gente utilizou como estatuto. É um projeto de lei do conselho, a gente pegou o projeto de lei do Conselho dos Imigrantes e usou como base. Se a lei dos imigrantes já foi aprovada, já sofreu todas as alterações que precisava, então logo é um projeto bom para a gente seguir, então foi utilizando ele. Participou o Hebert, a Luiza, e vários movimentos, a Fran também ativamente.

Pronto o projeto, foi apresentado pro prefeito. E foi conversado com a chefia do gabinete dele, foi tudo uma coisa muito bem acertada. Quando a gente fala do conselho a gente tá falando daquelas políticas públicas que foram determinadas no plano diretor. Então o Prefeito ao acolher aquele projeto, o que ele fez foi seguir o que estava no plano diretor. Porque veja bem, para criar um conselho tem que ser de iniciativa do Executivo. Tem que ser um projeto de lei de iniciativa do Executivo. Então ele que tinha que apresentar o projeto. Então o projeto foi escrito por essa comissão, mas foi apresentado pro perfeito, para o perfeito apresentar para a câmara. Porque o prefeito poderia criar um comitê na canetada? Poderia. Só que depois, amanhã ou depois entrasse outro prefeito no lugar, poderia ser revogado. Porque seria por decreto, e por decreto você pode revogar. E a partir do momento que virasse uma lei, ela não poderia ser revogada.

A gente no começo foi muito bem. A gente conversou com os vereadores, os vereadores entenderam. Salvo dois vereadores que o projeto de vida deles é propagar preconceito, os demais nos ouviram e entenderam. E falaram para nós que votaram a favor, todos os outros 13. Todos os outros 13, com exceção desses 2, que são totalmente anti-democráticos e vivem de fake news, isso aí eu vou falar mesmo. Vivem de fake news. Tirando 2, os outros 13 entenderam, compreenderam a necessidade da existência do conselho.

Porque o conselho nada mais é do que uma voz conjunta do povo. Então você tem lá pessoas indicadas pelo gov e pessoas indicadas pelos movimento sociais. E aí você tem critérios para as pessoas serem do conselho, seja como titular ou seja como suplente. Tem indicação da Secretaria da Mulher, tem a indicação da Secretaria de Assistência Social, por exemplo, daí você tem os govs, esses são os govs. E aí tem as indicações dos movimentos sociais. Tem a indicação da AMLGBT, ‘mas o que que é a AMLGBT?’, é uma associação que existe há mais de 2 anos, porque esse era o critério, a associação existir há mais de 2 anos, apresentar toda uma documentação, e aí sim ter uma cadeira. Então não era bagunça, as coisas eram bem certinhas, bem controladas. Só que não foi aprovado, como vocês já sabem. Foi aprovado em 1ª discussão, 10 a 3, e depois perdeu 4 a 10, na segunda votação. Porque o lobby feito pela Ordem dos Pastores foi um lobby que teve muito mais efetividade do que o nosso advocacy.


# Comente sobre a importância do projeto do conselho. Quais resultados se objetivava conseguir com sua criação?

Um conselho ele serve para sugerir políticas públicas. Então ele faz uma fiscalização e ele é um propositor, entendeu? Não é da mesma forma que é a vereança. A vereança tem uma propositura muito mais forte nesse sentido. Mas o conselho é a forma da sociedade participar da gestão pública. Conselho é um direito. Tanto que na Constituição Federal, tá lá dizendo participação social na gestão pública. E o conselho é uma das formas de participação social. Em Maringá, tem conselho para tudo que você pensar, para tudo. Recentemente foi aprovado o Conselho do Agronegócio. Ninguém questionou, ninguém falou que o conselho tava gastando dinheiro público. Até porque o único dinheiro público que os conselhos gastam é a luz do Hélio Moreira, a energia elétrica do Hélio Moreira, não gasta. ‘Há mas com funcionário’. É um funcionário para trocentos conselhos, então se você tem um funcionário ali, um conselho a mais um conselho a menos não vai onerar. Mas quando a gente foi tentar criar o conselho LGBT, tudo foi desculpa para as pessoas colocarem para fora o preconceito delas. As pessoas assim, maringaenses. E eu discordo quando falam que a maioria dos maringaenses não são preconceituosos. Eu digo que a maioria é. Porque se a maioria não fosse a gente não tinha perdido na votação.

A câmara dos vereadores é um reflexo da nossa sociedade. Então se a câmara dos vereadores pratica preconceito, é porque a sociedade pratica preconceito. Veja bem, todos os direitos LGBT conquistados até hoje, e o primeiro foi em 2011, recentíssimo, foi por decisão do STF. A gente não tem direitos que são regulamentados pela Câmara dos Deputados, nenhum. Todos os direitos que a gente tem vem de decisão do STF. Tanto é que o STF julgou procedente o mandado de injunção pela falta de lei criminalizasse LGBTfobia. E o mandado de injunção é ordenar que o congresso faça, escreva, e aprove essa lei. Cadê? Até hoje a gente trabalha sim, com a questão da LGBTfobia. Tem alguns promotores do Paraná que fazem denúncias nesse sentido, alguns. A gente não tem essa bênção em Maringá. E eles utilizam a decisão do STF como argumento técnico. Porque a gente não tem uma legislação penal própria, até hoje, nem com mandado de injunção.

Então um conselho ele, vem pensar nessas políticas públicas para a população. Porque veja bem, quando você tem um conselho e você tem pessoas do gov, que são das secretarias, e tem as pessoas dos movimentos sociais, você consegue conversar entre si. Veja bem, não são as secretarias que têm os planos e executam os projetos da gestão pública? Você tem os representantes das secretarias, e os representantes dos movimentos sociais. Isso era o terreno fértil para fazer acontecer as políticas públicas para essa população em Maringá. Então era para isso que servia.


# Você pode comentar um pouco sobre como foi o processo de construção da legislação? Como foi escrito o texto? Com quem? Como foi esse processo?

Foi feita essa comissão, a comissão pegou como modelo o Conselho dos Imigrantes, e alterou de modo que protegesse a população LGBTQIA+. Então você tem lá o projeto de lei do Conselho dos Imigrantes e aquilo lá foi utilizado como molde, foi alterado só onde tá imigrante, foi pensado em algumas outras situações da especificidade da população LGBT, colocada essas especificidades, mas o grosso, o esqueleto, é igualzinho. O esqueleto é igual.


# Você pode comentar um pouco mais sobre os grupos que estavam envolvidos?

Um monte. Tava a Resistrans, tava a CDSG, depois entrou a CEVIGE. Quando eu desafoguei, eu entrei nessa batalha junto com a Franciele. Tava a AMLGBT, o NEIAB, vários grupos da UEM: o ARTEI, o NEIAB, o NUDISSEX. Inclusive o NUDISSEX continua conosco, é o nosso braço forte, um dos nossos braços fortes. AMADI também, o Ponto Zero participou um pouco depois ela saiu. Tinha também o LesBike, que na época participou um pouco, depois também se afastou. Tem um grupo da UEM que se chama Yalodê, que é um grupo negro, além do NEIAB tinha o Yalodê, são dois grupos que trabalham a negritude dentro da UEM. Tem o DeVerso, um grupo de arte LGBT de Maringá. A Casa Abrigo, que é a Casa de Missão Amor Gratuito.

# Esse é o conectado ao ICM Maringá?

Não, é um projeto próprio de abrigo. Deixa eu tentar lembrar quem mais participou. Agora me dá um branco, mas teve mais gente.


# Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela câmara de vereadores?

Eu esperava que fosse com relutância mesmo. Eu não tinha a ilusão de que a gente iria convencer eles tão facilmente. Depois do show de horrores que foi o nome social, a gente não esperava isso. E aí a gente nós somos culpados por tudo, que aí já viro a casaca, já fico brava. Porque no nome social falou que ele não foi aprovado porque faltou envolvimento dos movimentos, ‘faltou envolvimento’? E o conselho eles falam ‘não foi aprovado porque conselho se mostrou demais, e isso gerou revolta nos grupos contrários’. De qualquer jeito a culpa é nossa, entende?

O preconceito é tão grande que as pessoas não admitem que elas são preconceituosas, que elas são pessoas ruins, sabe. A gente tem que parar de botar panos quentes. São pessoas ruins. São pessoas que ficaram lá na porta da câmara gritando que a gente é lixo com alto-falante. Gente que falou coisas horríveis, até a Solange Riozinho foi agredida. Eles pegaram um rapaz que estava passando de carro, que não tinha nada a ver, que eu não tava nem lá para votação, só tava parado no semáforo, eles perguntaram ‘você é contra ou a favor o conselho?’, o rapaz falou que era a favor porque ele é gay, tiraram o rapaz do carro e deram um cacete no rapaz. Não são pessoas de ideologias diferentes, não é ideologia gente, preconceito não é ideologia gente, preconceito é crime. São pessoas ruins, entendeu? E as pessoas ruins venceram. A gente tem que falar isso, entendeu? Não adianta a gente ficar tapando o sol com a peneira. ‘Aí, porque em Maringá a maioria das pessoas é tanto faz’. Não são tanto faz, a maioria é preconceituosa. A gente tem que lutar contra isso. Não adianta falar que não, é tapar o sol com a peneira, sabe?

Então assim, eu já esperava relutância. Porque já tinha sido horrível a votação do nome social. Pessoas na casa legislativa falando coisas totalmente contrárias à lei. O presidente da câmara, o Mário Hossokawa, colocou a advogada procuradora da câmara para fazer um vídeo para falar um monte de abobrinha, um monte de mentira. ‘Aí porque já existe um projeto federal que regulamenta o nome social’. Onde que tá bonita? Onde que tá esse projeto de lei, essa lei que existe federal? Não tem. O que você tem é uma lei do Distrito Federal. Aí você vai falar que a casa de leis de Maringá não sabe a diferença de União e Unidade Federativa? Não sabe. Porque eles acham que o Distrito Federal é o Brasil. Tem uma lei federal? Não tem uma lei federal, tem uma lei do Distrito Federal que regulamenta o nome social. Não existe lei federal que regulamenta isso. Então quer dizer, olha o show de horrores, dentro da casa legislativa uma advogada faz um vídeo para falar um absurdo desse. A pessoa pegou assim a constituição e assassinou umas 3 vezes.

Então eu já tava esperando que ia ser difícil. Eu não tava esperando que ia ser nada fácil. É lógico que isso não apaga a dor da violência que a gente sofreu. A gente sofreu uma violência terrível, foi doloroso sim, não é porque a gente tava esperando alguma violência que a violência que a gente sofreu não doeu, doeu.


# Vocês chegaram a falar com os vereadores pessoalmente? Como foi esse processo? Que pressões eles estavam relatando que eles estavam sentindo?

A gente fez um grupo, a gente foi marcando, o que a gente conseguiu marcar. A gente foi com horário marcado. Teve alguns vereadores que a gente pegou no sobressalto. Porque o Mário Hossokawa colocou o projeto pra ser votado, assim de um dia para o outro. Tinham conversado com a gente, o pessoal da chefia do gabinete do prefeito, que o projeto ia ser apresentado a daí duas semanas. Em duas semanas vai dar tempo de conversar com todo mundo bonitinho. Aí a gente foi conversar com o Mário Hossokawa, e o Mário Hossokawa falou assim para gente, para mim ir para a Fran, ‘não eu vou botar amanhã na pauta’. Amanhã? ‘Amanhã’. A gente fez uma corrida contra o tempo. A gente tinha conversado com alguns vereadores que a gente tinha agendado. Tinha alguns que a gente ainda ia conversar ao longo dessas duas semanas que a gente achava que tinha. E aí a gente não tinha mais tempo. Então o que que a gente fez? A gente falava que a gente ia no gabinete da professora Ana Lúcia. Eu pedi para ela: 'Professora, quando a gente precisar ir na câmera, para não ter problema de ter aquela discussão de se entra ou não entra por causa da pandemia, a gente pode falar que vai no seu gabinete’, ela falou claro. Eu falei ótimo. Toda vez que a gente ia lá, a gente aparecia sem avisar, falava que tava indo no gabinete da professora Ana Lúcia. ‘Ah Carol, mas a casa legislativa é a casa do povo, você não precisa de autorização para entrar’. Não precisa normalmente, mas durante a pandemia eles estavam fechando isso. E para quê que eu vou ficar batendo boca com segurança, discutindo, fazendo barraco se eu já posso resolver de outro jeito. Resolvo de outro jeito.

Então chegava lá, falava que ia no gabinete da professora Ana Lúcia e na verdade a gente ia no gabinete de outra pessoa. Aí a gente encontrava outros vereadores que às vezes estavam lá trabalhando: Onivaldo Barris, dentre outros, que a gente pegou no sobressalto mesmo. E a gente levava lá um camalhaço de papel, que era o projeto de lei, mais 42 assinaturas que a gente fotocopiou. A gente pegou apoio de 42 instituições de Maringá, instituições e autoridades. E a gente levava junto grampeado nesse camalhaço . E aí quando a gente apresentava, a gente falava sobre o projeto para o vereador e falava assim: ‘olha esse projeto está sendo apoiado pela APAE, tá sendo apoiado pela OAB’. Porque foi apoiado pela OAB. Depois que perdeu a OAB disse que não tinha nada a ver com o assunto. Mas foi apoiado pela OAB, tanto é que nós tínhamos a assinatura da doutora Ana Cláudia no apoio, por escrito, uma declaração dizendo que apoiava. E mais um monte de declaração de instituição e autoridade. Por exemplo, o delegado da delegacia da mulher fez uma declaração, a delegada do NUCRIA fez uma declaração. Então assim, a gente correu atrás mesmo de apoio de instituições e de autoridades que têm um peso, digamos assim, um peso social.


# Os vereadores se mostram solícitos, abertos a o que vocês tinham a falar?

A maioria. Teve uma pessoa que eu visitei junto com Luiza que foi uma reunião ridícula. Eu ainda tentei ser o mais, naquele momento eu ainda tava tentando convencer, então eu tentei convencer, e a Luiza também. Sem sucesso, que é a Cris Lauer. Para marcar com ela já foi um sacrifício, porque ela não queria receber a gente. Marcou porque uma amiga fez a intervenção, que foi a Cris Tazinafo, que ela foi candidata a vice-prefeita na última eleição, ela fez essa ponte. Ela não queria receber a gente. Aí ela recebeu, mas ela recebeu agressiva, muito agressiva. [...]


# Houve alguns requerimentos enviados pelos vereadores.

Acho 20, 22. Na verdade eram emendas, que eles queriam emendar. Na verdade, o que aconteceu, a gente já tinha o apoio do pessoal que era a favor, sempre foi a favor dos direitos LGBTQIA+. Tem vereadores, têm 4, que é o Doutor Manoel, a doutora Ana Lúcia, o Flávio Mantovani, o Mário Verri. Essas pessoas até acompanharam a gente durante todo o processo. E tinha aqueles que eram os de centro, que a gente considera de centro assim. Que são os indecisos, que a gente conversou, e que em primeiro momento a gente convenceu, em primeiro momento. E tem aquelas duas pessoas que são completamente contra os direitos LGBTQIA+, que é a Cris Lauer e o Rafael Rosa. Aqueles lá a gente entregou para Deus. Mas aqueles de centro, a gente tava negociando com eles, por que? Porque eles também tavam preocupados com o eleitorado deles.

Um deles é o Paulo Biazon. Na verdade ele é de direita, mas a gente fala de centro, porque às vezes a gente consegue convencer ele de alguma coisa. Às vezes. E ele tava muito preocupado com o eleitorado dele, ele é do PSL, que é um partido extremamente de direita. E a gente tinha conversado extensivamente com ele, só que ele tava sofrendo pressão da Ordem dos Pastores. E no entendimento dele, é os evangélicos que elegeram ele. Então ele tem que seguir a ideia dos evangélicos. Aí eu peguei e conversei assim com ele ‘Olha tá muito em cima, mas você entende que é um direito nosso ter o conselho’. Ele falou ‘eu entendo que é um direito de vocês ter o conselho, eu concordo’. A conversa foi essa tá, que ele concordava. ‘Mas veja bem, eu vou ter problemas políticos dentro do meu partido, dentro da comunidade em que eu tô inserido, dentro dos evangélicos, a gente precisa ver isso daí’. Eu falei ‘então tá bom, faz assim, qual que é o problema que você tá tendo?’. ‘Ah eu tô tendo problema com alguns pastores que andaram me procurando e eles foram muito agressivos’. Então tá, então marca uma reunião e se a gente puder ir, a gente vai. Ele falou ótimo, vou marcar então uma reunião com vocês e com dois pastores. Aí no dia marcado fui eu e a Francielle Rocha achando que a gente ia conversar com 2 pastores. Chegou lá, tinha um monte de pastor. Tinha gente que era totalmente contra, que era o Rafael Rosa, todo o gabinete dele. Não foi numa sala assim, foi no plenarinho de tanta gente que tinha, e era gente que era contra, entendeu? E na verdade não era porque eles queriam nos ouvir, eles não deixavam a gente falar. Teve uma hora que eu tive que gritar com um dos assessores do Rafael Rosa, por que? Porque ele não deixava a Franciele terminar de explicar nada. Ele interrompia a todo momento. E ele tava praticando uma violência de gênero, ele não tava deixando a mulher terminar de falar, entendeu? E gritando, aos berros. E aí eu gritei com ele de volta, porque a Fran, ela não tem assim essa agressividade. Eu peguei e interrompi ele, aí o Paulo Biazon gritou comigo. E aí eu dei uma olhada para ele assim falando assim ‘vou te fritar’, eu olhei bem assim para ele, e ele deu uma baixada na bola. Depois ele até me pediu desculpa.

Mas o fato é que ele armou casinha para a gente. Porque não tinha dois pastores lá. Tinha um monte de pastor, e um monte de gente da câmara, e outros agregados deles que eram contrários que não estavam ali para entender nada. Eles estavam ali para nos atacar e para colher informações. Então tudo que a Fran tentava explicar, aquele Thiago Almeida da Ordem dos Pastores, anotava para poder fazer fake news. E tanto é que ele fez, no mesmo dia ele soltou um monte de fake news na rede, aquele Thiago Almeida, aquele pastor lá. Então quer dizer, não era algo para conversar, negociar e entender. Porque a gente tava disposto a negociar vários pontos. ‘Você não gostou disso? Vamos mudar para ver se favorece vocês de alguma maneira’, a gente estava disposto a negociar, mas eles não tavam lá para isso. Eles nunca tiveram a intenção de fazer isso na verdade.

E aí naquele dia eles saíram dali e foram fazer os pedidos de emendas. Que eles fizeram nas coxas, fizeram tudo errado inclusive. Um monte de absurdo. Umas coisas até que eram inconstitucionais, e colocaram nas emendas. Mas qual que é a importância disso? Nenhuma porque a intenção deles não era emendar mesmo. A intenção deles era de adiar a segunda votação. Eles entraram com aquele monte de emenda para adiar a segunda votação. Aí o Paulo Biazon apresentou as emendas, e pessoas que eram contrárias, que não iam voltar a favor nem que emendasse tudo, já não ia votar a favor, assinaram junto que é o Rafael Rosa e a Cris Lauer. Inclusive eu questionei o Rafael Rosa. Pra que que você quer emendar uma coisa que depois de emendado você não vai votar a favor mesmo? Má fé. A verdade que é má fé isso. Então eles agiram de má fé e não cumpriram o que o que tinham combinado com a gente. O que eu achei uma falta gravíssima. Porque a gente tava disposta a conversar com pastor que fosse desde que fosse do jeito que tinham combinado. Mas aí a gente viu que não era bem para aquilo que eles tinham chamado a gente.


# Os vários pastores eram todos ligados à OPEM?

Todos. Todos ligados à Ordem dos Pastores. Tinha o Thiago Almeida, tinha alguns que eu esqueci o nome. Paulo eu acho, tinha um que chamava Paulo. E tem o presidente da Ordem dos Pastores que é o Alexandre Ferrarezi.


# Você lembra o número de pastores presentes?

Naquela reunião tinha uns 4, eu acho, não tô bem lembrada. E aí tinha o pessoal dos gabinetes. Os gabinetes da Cris Lauer, do gabinete do Sidnei Telles também, do Rafael Rosa. Inclusive o Sidnei Telles já tinha falado de início que nunca ia votar a favor, ‘porque onde já se viu, não tem o conselho da família, por que vai ter o conselho LGBT?’. É porque LGBT deve ter nascido de uma chocadeira né? Na cabeça dele a gente nasceu de uma chocadeira. Então assim, tinha esse pessoal. Esse pessoal que já era contra, que não tinha a menor possibilidade de ser convencido do contrário, eram essas as pessoas que estavam lá. Elas estavam lá na verdade para nos agredir, para nos agredir e colher informação para fazer fake news depois, que foi o que eles fizeram.


# Você comentou sobre a criação de fake news. Você consegue identificar quais locais onde estava presente e seus autores?

O Matheus Coleoni, do [NOME DE GRUPO]. É na verdade assim, é um absurdo, porque ele não fala pela igreja católica, pelo contrário. A gente teve apoio de padres, do arcebispo, então assim eu achei um absurdo ele ficar falando em nome da igreja católica. Fez um vídeo, esse vídeo circulou para tudo quanto é lugar.

O Thiago Almeida. Mas falou tanta mentira, mas tanta mentira. É um pastor. Mentiroso. A ordem dos pastores publicou nos perfis deles um monte de fake news. Rafael Rosa fez fake news até não poder mais. E a Cris Lauer recompartilhou, não digo que ela fez efetivamente, que ela produziu, mas ela compartilhou. Mas assim que produziu fake news foi o Rafael Rosa, foi o Thiago Almeida, Ordem dos Pastores, e esse rapaz do [NOME DE GRUPO], que eu vi, os que eu vi.


# Uma das emendas foi pela remoção do caráter deliberativo, fiscalizador do conselho.

Preconceituosa. Porque um conselho que não pode fiscalizar, não tem sentido, um conselho é justamente para isso. E o deliberativo, é deliberativo sobre os nossos assuntos, o que eles tem a ver com isso? A gente vai deliberar sobre os nossos projetos, vai deliberar sobre questões de gestão pública que o gestor perguntar para nós.

Acho que essas pessoas nunca viram uma reunião de conselho na vida. São pessoas que foram eleitas, mas que não sabem como funciona o sistema de pesos e contrapesos. Eles não entendem nada de direito, nem de sociedade. É inadmissível que vereadores nunca tenham assistido uma reunião de conselho para saber o que que significa deliberativo e fiscalizador. E obviamente eles não sabem. Alguns eu acredito que não sabem, outros agiram de má-fé mesmo.


# Houve uma emenda pela remoção da competência da participação orçamentária. Como você enxerga isso?

É que eles não querem que o dinheiro seja destinado para as políticas públicas. Como que você faz política pública sem dinheiro? Não faz. Tanto é que a gente tem um problema muito sério na Secretaria de Cidadania e Juventude, que ela foi criada recentemente, e ela não tem um orçamento próprio. Como que você trabalha sem orçamento? Por exemplo a gerência de diversidade, tem alguns projetos, todos os projetos que são feitos com trabalho voluntário, não tem recurso destinado, entende? Eram emendas para esvaziar o sentido do conselho. Para o conselho não servir para nada e não ter nenhuma política pública em defesa da população da LGBT em Maringá.


# Houve uma emenda pela inclusão de 2 vagas no conselho a serem escolhidas pela OAB e pela OPEM. Como você enxerga isso?

É assim. A gente tinha conversado com o Biazon porque ele falou assim ‘Ah, mas falta representatividade, não sei o que, várias instituições querem participar’. O que que eu tinha falado para ele, que tem instituições que normalmente já vem com uma cadeira. Por exemplo, o Conselho da Mulher tem uma cadeira para a OAB, o Conselho da Segurança tem uma cadeira para a OAB. Aí o que que ele falou para mim, aí a gente precisava colocar uma cadeira para instituição religiosa, não é para a OPEM, entendeu? A OPEM quer cadeira no conselho LGBT pra quê? E se a gente criar uma cadeira para a OPEM, tem que criar uma para a católica, tem que criar uma para o espírita, uma para o candomblé, não poderia ser para a OPEM. Se fosse uma cadeira para uma instituição religiosa, e as instituições religiosas iam concorrer entre si, eu não vejo um problema do ponto de vista democrático. Não vejo um problema. Agora você querer barganhar, porque ele queria barganhar com a gente, olha eu boto uma cadeira cativa para a OAB, vocês gostariam? Lógico, quem não quer uma cadeira. Mas aí para dar outra pra OPEM, a OPEM ia querer o que? Atrapalhar, porque não teve um pastor que fosse efetivamente a favor de nós. Teve um que falou assim ‘ah, eu tenho interesse em entender vocês porque eu quero receber na minha igreja’, mas foi só isso, não nos procurou para entender efetivamente e colocar essas pessoas na igreja dele. Então era conversa fiada. Nenhum deles tem interesse na população LGBT. Quer dizer, o interesse deles é extermínio, é esse o interesse, que deixe de existir o LGBT. Acho que a vontade deles é colocar um triângulo no nosso peito e mandar a gente para câmara de gás, porque o jeito que trataram a gente é isso tá? Trataram a gente como se a gente fosse ratos se escondendo dentro de uma Alemanha nazista. E eu não tô exagerando, trataram a gente assim. Então pra que que eles querem uma cadeira para a OPEM? Não faz sentido. Não tem fundamento. E ainda é antidemocrático, porque você precisaria abrir para outras instituições religiosas também. Então essa proposta foi uma tentativa fajuta de barganha.


# Houve uma emenda pela remoção do requerimento que representantes da sociedade civil estarem “atuantes no campo da promoção e defesa dos direitos de pessoas LGBTI+”, passando a permitir a participação de representantes de qualquer área de promoção dos direitos humanos. Como você enxerga isso?

Para esvaziar também. Vamos supor que você nunca teve contato nenhum com LGBTQIA+, e existem muitas pessoas em Maringá que não tem contato, não tem no seu círculo de amizade, dentro da sua bolha social esse contato. Mas às vezes é engajado em outro movimento. Movimento das mulheres, o movimento negro, o movimento pelos imigrantes. Qual o sentido de você colocar uma pessoa que não entende nada da população LGBTQIA+, para ser titular ou suplente de um conselho LGBT? Era para esvaziar novamente. Porque é tirar a população LGBT. É realmente para excluir, ‘olha vocês vão ter o conselho LGBT, mas a gente vai botar outras pessoas ali, pessoas que são por exemplo preconceituosas com LGBT’. ‘Ah, mas ela participa de grupos de direitos humanos’, sim, mas o fato dela participar de um movimento por exemplo de migrantes, salva ela de ser LGBTfóbica? Existem pessoas do Conselho de Migrantes que são LGBTfóbicas. Existem pessoas do Conselho da Mulher que eventualmente podem ser LGBTfóbicas. Então o intuito deles era isso, era tirar o LGBT. ‘Veja bem, se vocês quiserem o conselho LGBT tudo bem, mas vocês não vão participar dele, tá bom?’. Foi isso, a mensagem é essa.


# Houve uma emenda pela remoção da recomendação de um mínimo de 50% de representatividade feminina no conselho. Como você enxerga isso?

Misoginia. Hoje em dia nós estamos caminhando no sentido de estabelecer uma paridade de gênero. Paridade. Na OAB mesmo já tem, pelo menos dentro dos cargos de conselho e diretoria. Infelizmente dentro das comissões não, deveria também. Mas a gente precisa estabelecer a paridade de gênero para a gente vencer essa misoginia. Por exemplo, hoje vocês estão me entrevistando justamente no dia 8 de Março e a gente tem ainda muita luta pela frente para conseguir a igualdade material. Porque a Constituição Federal nos trouxe apenas a igualdade formal. E a igualdade material é a efetivação desse direito de paridade, e a gente não tem essa paridade. A gente ainda ganha menos, a gente ainda tem mais dificuldade para conseguir uma promoção. Em cargos importantes dentro de empresas, as mulheres são minoria. CEOs mulheres são uma minoria. Em cargos de chefia e gerência, minoria.

A OAB tem 60 anos, teve uma presidente mulher até hoje, que foi a Ana Cláudia, que saiu agora. Até ela, nunca tinha tido uma presidente mulher, todos homens. Você olha assim o paredão da OAB, só homem. Então a gente precisa não precisa de paridade? A igualdade formal já se tornou material? Evidente que não. É só você olhar para a sociedade, se a pessoa que existe a igualdade ou ela é alienada ou ela tá agindo com mal caratismo. Porque é só você olhar que você vai ver que a gente não tem igualdade material. Então, por que que no conselho ia ser diferente? Um conselho que luta por direitos, um conselho que é contra o preconceito. Como que esse conselho não vai respeitar a paridade de gênero? Entende.


# Houve uma emenda pela remoção da garantia de vagas para cada um dos segmentos LGBTI. Como você enxerga isso?

Preconceito também. Porque o que acontece, quando você vai trabalhar com políticas públicas, você tem que olhar para cada letra. Porque a gente é unido em certo ponto, mas a gente tem diferenças. Eu por exemplo não tenho as mesmas demandas que um homem gay. Eu não vou ter as mesmas demandas que uma pessoa trans ou travesti. Por exemplo eu vou fazer um conselho LGBTQIA+ e só vai ter lésbica e gay, não vai ter representante travesti, não vai ter uma pessoa que vai pensar na bisexualidade, não vai ter uma pessoa intersexo, uma pessoa não binária, não vai ter. Vamos colocar lá só dentro da binariedade, só lésbica e gay. É representativo? Acho que não né. É uma forma de esvaziar.

Qual que foi o argumento deles? Que assim, tinha 10 cadeiras para gov e 10 para movimentos sociais, então são 20 cadeiras ao todo. Dentro desta 20 tinha que ter pelo menos 1 de cada letra, para a gente ter representatividade. Então a letra, acho que são 7? L G B T I A. Seis. Porque o mais poderia ter ou não porque não está especificado. No mínimo 6. E eles falavam que não ia ter hétero, eles falavam de preconceito contra os héteros. Ah porque é óbvio que tem heterofobia no Brasil. Olha a idiotice que a pessoa vem falar. A pessoa vem me dizer que é heterofobia colocar uma pessoa de cada sigla, são 6 siglas, tem 20 cadeiras. Primeiro que poderia sim e provavelmente ia ter uma alguma pessoa hétero indicada, principalmente pelo gov, acredito pelos movimentos sociais ia ser mais difícil, mas com gov com certeza ia ter algum hétero.

Mas veja, esse não é o ponto, onde que eles enxergam a heterofobia? Foi hétero que foi mandado para a câmara de gás? É hétero que sofre violência na rua pela orientação sexual ou pela identidade de gênero? É hétero que sobre bullying no trabalho ou na escola por ser LGBT? Hétero não sofre nada disso, não existe heterofobia, como que eles ousam acusar a gente de praticar preconceito contra hétero. E vem cá, você tá reclamando de talvez não ter héteros no Conselho LGBT, mas esse conselho é para que? É para proteger o LGBT ou é para proteger o hétero? Já não tem trocentos conselhos cheio de hétero? Tem. Trocentos conselhos cheio de hétero. Por exemplo, aprovaram recentemente o Conselho do Agronegócio, será que tem algum LGBT nesse Conselho do Agronegócio? No Conselho de Imigrantes que tomou posse recentemente, tem algum LGBT? Tá cheio de hétero. Você entende como eles tentavam de toda forma e esvaziar o nosso o nosso projeto de lei. Eles queriam que não existisse mesmo. É preconceito puro. Uma pessoa que reclama de ter um representante de cada sigla dentro de um conselho LGBT. Que que ela tá querendo? Um conselho LGBT cheio de hétero?


# Como foi o processo de escolha para cada um dessas siglas? Por exemplo, não tem vagas específicas para pessoas queer, assexuais, e arromânticas.

[Assexuais] acho que tem, não tem? Não? Mas tem o ‘mais’, então acho que entraria alí.

O queer, existe uma discussão muito grande sobre ele ser algo diferenciado das outras letras. Porque o queer a gente sabe que é um movimento, ele tem todo uma questão cultural ali, mas sobretudo ele é um movimento social. Existem pessoas lésbicas dentro do queer, tem pessoas gays dentro do queer. Então assim, para a gente colocar o queer fica difícil porque a gente não tem um consenso nem dentro do próprio movimento LGBT, a gente não tem uma pacificação sobre o assunto, entendeu? Não é pacificado se o queer é uma identidade de gênero, se é um movimento social, o que que o queer é.

O [assexual] poderia ter. O [assexual] pode ter dentro da minha visão uma cadeira.


# Qual sua opinião sobre o arquivamento das emendas? Qual o impacto disso?

Elas foram só usadas. Elas foram apresentadas para adiar a votação e depois retiradas para que seja votado contra. Porque veja bem, lógico que tem vereador que não se importa com coerência. Mas aqueles que se importam com alguma coerência como que ele vai votar contra um projeto que tem uma emenda dele. Aí para voltar contra eles tem que tirar as emendas, mas eles nunca tiveram interesse realmente de aprovar. Eles apresentaram as emendas que era para atrapalhar a votação, adiar. E depois tiraram só para votar contra.


# Como você esperava que esse projeto fosse recebido pela população maringaense?

Olha. Eu acreditava que a gente fosse, talvez, conseguir aprovar. Em relação à sociedade maringaense, eu não espero muito. Desculpa dizer, não espero muito. Não vejo a população maringaense como uma população progressista. De ideias inovadoras, uma população que seja contra preconceito, pelo contrário. Porque o que a gente vê aqui é o seguinte, a pessoa não só tem preconceito como ela tem um orgulho de ostentar o preconceito dela. Elas falam com orgulho. Eu vejo que a gente tá em um estado de retrocesso, por mais que a gente tenha conseguido vários direitos por meio do STF, o brasileiro ele não vê as mazelas de caráter dele como algo negativo, ele vê como algo bom. Eles falam no sentido bom. Você sente no jeito de falar da pessoa, que não só ela não tem vergonha de ostentar o preconceito como ela gosta de falar aquilo. Ela se sente bem falando aquilo, e ela espera aprovação de quem tá ouvindo. Porque na cabeça dela aquilo está totalmente correto.


# Você consegue identificar algum tipo de articulação/movimento/ação que poderia ser feito para aumentar a chance do projeto ter sido aprovado?

A gente tinha que ter feito com mais tempo. Ter feito um trabalho, mais de conscientização antes. Só que a gente tem uma dificuldade, a gente não tem o tanto de dinheiro e tempo que as pessoas extremistas, de direita, da extra direita, tem. Eles tem muito tempo, e dinheiro, para investir nas fake news deles. É complicado. Vencer algo tão bem articulado para fazer o mal, eles são muito bem articulados para fazer o mal. A gente precisa de muito mais tempo, mas não sei se seria o suficiente para conseguir.

Porque veja, não depende só de nós, depende também dos vereadores sustentarem a palavra deles, por exemplo, o Luiz Alves, o delegado, ele disse para mim que com todas as letras, que ele entendia que era um direito e queria ia votar a favor independentemente do que o eleitorado dele pensasse, porque era o que ele acreditava. Chegou no dia da votação, o que que ele fez? Foi com os outros, foi Maria vai com as outras. Então quer dizer, uma pessoa que falou isso com todas as letras e não sustentou. Então não depende só da gente, depende também da coragem de quem tá no legislativo. E falta coragem.

Eu acredito que o lobby da Ordem dos Pastores foi feito com bastante com violência, agressividade. Até o Flávio Mantovani mostrou algumas mensagens que ele recebeu. Mensagens extremamente odiosas, sabe, violentas, agressivas, criminosas até. Algumas mensagens eram até criminosas. E todos eles receberam. E alguns ficaram com medo. Então quer dizer, eu acredito que nem todos eles votaram porque se convenceram dos argumentos dos pastores, votou contra porque ficou com medo da retaliação.


# Houve uma crítica que: o conselho não deveria poder atuar no campo da educação.

Preconceito. Por que que não pode? A gente não pode ensinar as crianças a respeitar um coleguinha? Respeitar as diferenças, entender as diferenças. Porque a pessoa que é gay, lésbica, trans como é que ela vai para escola e vai sofrer toda uma violenta? Entende? E o direito dessa criança ou direito da família? Às vezes a criança tem pais que são lésbicas ou gays ou trans. Como é que a sociedade espera que essa criança fique se ela não puder estudar ou não puder estudar com uma certa qualidade, com paz, com segurança.

Inclusive é uma opinião, essa que não poderia se tratar sobre LGBTfobia na escola, por exemplo, ou sobre educação de gênero na escola, educação de gênero. São pessoas que elas gostam de fazer a manutenção da violência. Elas querem que essa violência continue. Porque se você não puder mudar a cabeça das pessoas na base, educar elas desde quando elas são crianças como acontece em outros países, como que a gente vai mudar a realidade? Como é que vai ser daqui um tempo, no futuro, alguns anos. A gente precisa trabalhar a base, precisa trabalhar a educação, tudo passa pela educação. Você lutar contra violência contra a mulher, passa pela educação. Lutar contra o racismo, passa pela educação. Lutar contra a LGBTfobia, vai passar pela educação. Não existe país do mundo que tenha evoluído, tenha conquistado progresso, sem ter investido na educação.

Então essas pessoas não querem que a gente invista na educação porque elas querem a manutenção desse status quo, são pessoas LGBTfóbicas. Por que que ela não quer que se fale sobre LGBT na escola? ‘Ai porque é ideologia de gênero’. Não existe isso. A ideologia de gênero é essa que eles estão impondo. Eles é que fazem ideologia de gênero, onde a pessoa não pode nem ser LGBT em paz. Você tem que ser a pessoa dentro do padrão hétero cis normativo. Se você não for hétero cis normativo então você não pode existir ou não pode existir com segurança. Pessoas que falam que não pode tratar sobre gênero na educação, são pessoas extremamente LGBTfóbicas. Não tenha dúvida disso.


# Houve uma crítica de que: não há necessidade de criar um conselho LGBT, já que essas questões poderiam ser abordadas em outros conselhos.

Engraçado, né? Ninguém fala disso quando foi criado o Conselho do Agronegócio, percebe? É preconceito, a pessoa arruma argumento sem fundamento para poder atacar, mas ela não vai dizer ‘Olha, eu sou contra LGBT, eu quero que vocês morram’, alguns vão falam. Elas não vão falar com todas as letras, a maioria, porque algumas falam. Elas não vão dizer ‘olha eu sou contra LGBT, eu quero que vocês morram’, a maioria não vai falar. Como que eles externam a LGBTfobia deles? Arrumando argumento furado para negar sua existência. Então eles vão dizer assim, ‘para que um conselho se você pode debater isso em outros conselhos de políticas públicas’. Qual o problema da gente ter um conselho específico para tratar os problemas da população LGBT? Qual o problema? O que que nisso te afeta? Afeta o seu preconceito, não vai afetar a sua vida em nada. Se a gente tiver uma vida melhor com menos violência, com menos problemas na saúde, o que que isso vai afetar na sua vida? Vai melhorar a nossa só. Mas veja bem a melhoria da nossa vida, incomoda essas pessoas, por isso que elas não querem um conselho.

Ninguém criticou o conselho do agronegócio. E diversos outros conselhos passaram sem problemas como o do imigrante. Ninguém falou assim, olha o projeto de lei do Conselho de Imigrante é ruim, mas falaram do nosso. Mas querido, o projeto de lei que você aprovou dos imigrantes é quase que ipsis litteris do nosso, alterando só onde está a imigrantes e colocando LGBT basicamente é o mesmo. E por que que o do imigrante não tinha problema e o nosso tem? ‘Ah, mas você disse que podia ser melhor’. Lógico, tudo sempre pode ser melhor. Tudo pode ser melhor escrito, melhor fundamentado. Não significa que é ruim, que aquele que já existe seja ruim, eles utilizam de todos os meios de retóricas deturpadas para poder externar o preconceito deles. Pessoas que falam que não precisa de conselho LGBT, mas não abrem a boca para falar dos outros, são LGBTfóbicas.


# Houve uma crítica de que: o caráter deliberativo e fiscalizador permitiria ao conselho patrulhar o pensamento e a conduta das outras pessoas, fazendo com que líderes religiosos se sentissem ameaçados de poder sofrer algum tipo de sanção do conselho.

Uma piada, vamos levantar dois pontos. Primeiro, nenhum conselho serve para ficar entrando em locais privados para fazer fiscalização. Primeiro você não tem tempo, não tem pessoal, e não tem vontade de fazer isso. Por que? Porque a gente tem outros problemas para cuidar. O conselho é para trabalhar políticas públicas, gestão pública. A fiscalização e a deliberação era em relação à gestão pública. E não é como se eles não soubessem, eles sabem. Mas eles precisavam de um argumento para poder ludibriar os ouvidos dos seus seguidores. Eu não digo nem religiosos, os seguidores. Porque a pessoa não raciocina, ela aceita aquele argumento sem raciocinar se aquilo faz sentido ou não. Ela só segue atrás. Então eles precisavam de um argumento para poder essas pessoas seguirem atrás. Porque veja bem, no dia da votação, quando a gente foi lá ser ofendido, os pastores não estavam sozinhos, eles estavam com as sectas. Tavam com o pessoal deles, os seguidores deles para xingar a gente, e agredir, bater fazer um monte de coisa. Eles não estavam sozinhos. E como é que vai convencer essas pessoas a seguirem, se você não apresentar uma falácia para elas. Falácia. Nenhum conselho faz isso, e eles sabiam muito bem que o conselho LGBT, não ia fazer isso.

Segundo. Percebe como na fala, eles acham que o preconceito deles é uma coisa correta. Para combater as ideologias e os pensamentos dentro das igrejas. Por que? A sua igreja faz campanha de LGBTfobia para as pessoas serem LGBTfóbicas? Sua igreja faz isso? Porque se a igreja não fizer por que a preocupação? Então além de ser uma falácia porque eles sabem que isso não ia acontecer, porque esse não é o papel do conselho, de nenhum conselho, tem essa questão. Dentro da fala deles, eles já confessam que eles praticam LGBTfobia ostensiva dentro das igrejas deles. E tratam isso como ideologia, não tratam como crime, que é. É um pensamento ‘ah eu sou contra a existência de gays, ah é meu pensamento, minha opinião, minha ideologia’, não gente, isso não é uma opinião, isso não é uma ideologia, isso é crime, é crime. Como que você bate no peito e fala ‘porque dentro da minha igreja não quero ninguém fiscalizando’, fiscalizando o que? A sua LGBTfobia? A pessoa tá batendo no peito para dizer que ela é com orgulho LGBTfóbica e criminosa. Porque veja bem, se eles não praticassem isso dentro das igrejas, por que que eles iam dizer isso?


# Tem algum conselho ou dica que você daria para pessoas em outras cidades que estão pensando em implementar um projeto similar?

Fazer uma advocacy com tempo, com qualidade, de preferência se preparar. A gente precisa de um pouco de otimismo para seguir em frente, mas a gente precisa também ter um pouco de pé no chão. Saber que é possível que vocês quando forem tentar tramitar esse projeto vocês sofram violência. Fake news, ofensas, xingamentos, até agressão física, é possível. Então a pessoa tem que se preparar psicologicamente porque vai ser uma batalha difícil, e se não for melhor ainda, mas é sempre melhor se preparar.


# Está ocorrendo a criação do conselho como organização não governamental. Comente sobre o processo de criação.

Quando aconteceu a derrota, a perda da votação, a gente ficou pensando em saídas. A gente pensou que talvez o prefeito pudesse assinar um decreto e criar esse conselho por meio de decreto. Só que daí a gente ficou com dois problemas. Será que o prefeito vai ter coragem de fazer isso sabendo que tem uma rejeição grande na cidade? Será que o prefeito vai fazer isso sabendo que o prefeito que entrar em seguida pode ir lá e revogar o decreto simplesmente sem justificativa. Porque é um direito do prefeito fazer isso; não é bem essa palavra no direito administrativo, mas é uma coisa que ele pode fazer, prefeito pode entrar e revogar um decreto. Então a gente ficou nessa, o que que o prefeito vai fazer? Aí a gente começou a perceber que realmente ali dentro da chefia de gabinete, não ia ser uma coisa fácil conseguir esse decreto, não ia ser.

E sugeriram para nós o seguinte, olha o Conselho de Segurança na maioria das cidades, inclusive em Maringá, não foi criado por iniciativa do prefeito, não foi projeto de lei, foi criado de forma privada. E aí a gente foi ver como que funcionava isso. Agora tem uma nova lei, que é a lei de OSCIP que regulamenta essas organizações, não se usa mais ONG, mas é o mesmo trabalho da ONG. Só que a OSCIP pode fazer parceria público-privada, até 2 anos ela é uma OSCI e aí depois ela vira uma OSCIP. Aí ela pode fazer essas parcerias. Então a gente falou assim, a gente não pode perder tempo, porque se no futuro a gente quiser fazer políticas públicas, o quanto antes a gente criar o conselho melhor. E a gente continuou organizado. Alguns grupos saíram, como eu falei para você, depois que houve a votação e a gente perdeu, alguns grupos saíram. O NEIAB saiu, o LesBike saiu, alguns grupos pararam de participar. Mas a maioria continuou unido, o que é algo inédito em Maringá.

A gente tem os movimentos sociais em Maringá, mas a gente nunca conseguiu uma união. Então nesse ponto foi positivo. Que até o pessoal fala, o ponto positivo é que a gente continuou organizado, e era uma coisa que a gente não tinha antes, e é verdade. Não tinha nenhuma organização antes. Cada grupo trabalhava separadamente, às vezes conversavam entre si, mas eram coisas muito pontuais e a gente não conseguia avançar. E a gente continuou nessa união, salve engano nós somos em dez instituições, depois eu posso até olhar para você para ver se é isso mesmo e confirmar, mas acredito que sejam 10. Algumas instituições vão entrar depois como sócio efetivo, que daí a gente não fala mais a linguagem do projeto de lei, a gente aí tem que alterar a linguagem para caber dentro da OSCIP. Então a gente pegou aquele projeto de lei e transformou em um estatuto. Os pontos principais a gente pegou colocou dentro de um estatuto, fizemos um estatuto, fizemos uma documentação, fizemos uma assembleia, com ata de assembleia, tudo, e a gente fundou conselho de modo privado. E são 10 instituições fundadoras e tem outras instituições que não fundaram mas que continuam com a gente. Por exemplo, a casa Abrigo. A casa Abrigo não participou da assembleia, mas eles continuam em parceria conosco e vão ter cadeira também.


# Comentar sobre como está a atuação agora, e o que esperam para o futuro.

Olha, eu achei que a gente ia resolver os problemas jurídicos do conselho antes de vir o trabalho. Mas não foi bem assim. O trabalho apareceu junto, concomitante. A gerência de diversidade e uma ONG nacional nos procurou para fazer projetos em conjunto. A gerência de diversidade representando o município e a ONG Aliança Nacional LGBT que é a segunda maior ONG do Brasil. Ela tem pessoas, coordenações em todos os estados brasileiros. Inclusive, eles querem criar uma coordenação em Maringá. Tem 4 estados que eles estão indo para o interior agora. E a gente já tá em contato e fazendo projetos.

Na gerência, a gente vai fazer projeto para capacitação de servidores. Em que sentido? Para o servidor entender o que que é orientação sexual, identidade de gênero, quais existem, como lidar com as especificidades de cada um. A representante da Secretaria de Saúde que é a Anisia, ela pontuou algo que para ela é muito sensível, que é por exemplo preenchimento do cadastro, que é um cadastro padrão do SUS, só que nem todos os campos são de preenchimento obrigatório, e as pessoas que fazem atendimento acabam não preenchendo. Então a gente tem uma defasagem de informação, e a gente acaba não tendo um atendimento adequado, um atendimento personalizado para essas pessoas. Porque veja, como que você vai fazer a orientação correta para uma pessoa trans, por exemplo, sobre a saúde dela, se você não souber, por exemplo, o que que é uma pessoa trans. Essa pessoa trans ela pode ter feito uma cirurgia de redesignação sexual e ter um órgão diferente daquilo que você tá pensando, ou ela pode não ter passado por uma cirurgia de redesignação e ter por exemplo um homem com vagina. Esse homem com vagina precisa ir para o ginecologista. Se o atendente não tiver uma orientação adequada ele pode acabar até sem querer praticando um preconceito, essa pessoa se sentir mal e não voltar mais para fazer o preventivo, isso não tem impacto na saúde? Isso é um exemplo, que eu tô dando, mas tem vários outros.

A gente por exemplo tem um problema educacional que as próprias pessoas LGBTs não entendem o que elas precisam cuidar da saúde, muitas coisas não cuidam. Seja porque elas têm medo de sofrer um preconceito, seja porque elas não sabem, ‘ah eu sou lésbica, pra que que eu vou fazer um preventivo?’, não, você precisa fazer um preventivo, você é lésbica, mas você pode acabar adíquirindo doenças sexualmente transmissíveis sim. Por exemplo, entendeu? Eu tô falando no sentido ginecológico mas tem outros né? Tem questão hormonal que precisa de um acompanhamento, muitas pessoas fazem o tratamento hormonal sem um acompanhamento adequado. Isso pode causar um prejuízo de saúde. Enfim, poderia aqui ficar falando vários problemas da área da saúde que o atendente precisa estar orientado para poder receber aquela pessoa, e ele não tá. Ele não sabe nem a diferença de identidade de gênero e orientação sexual, muitas vezes, não vai saber. Então a gente tem que trabalhar isso.

E a gente também tem um projeto para fazer a capacitação de guardas municipais. Então a gente vai ver qual que é a dificuldade dessa guarda municipal e vamos fazer um material voltado para essa guarda municipal. Como que eu vou fazer o atendimento de uma mulher periférica, travesti, que às vezes está ali na rua. A gente sabe que a gente tem um problema muito sério de empregabilidade das pessoas trans e travestis. E às vezes a pessoa se vê na situação de exploração sexual, e ela tem dificuldade de sair daquilo, e ela acaba ficando naquele meio. E a segurança pública se incomoda. Mas ela se incomoda sem a orientação, ela se incomoda de uma maneira que não é a forma adequada de se incomodar, entende? Então ela precisa de uma orientação a respeito disso, ter um olhar diferente, um atendimento diferenciado para essas pessoas. Eu tô dando um exemplo da pessoa trans e travesti, mas tem outras situações. Às vezes a pessoa tá ali numa situação de violência e às vezes a guarda municipal acaba intervindo. Porque teoricamente a guarda municipal é para cuidar dos bens públicos do município, mas a gente percebe que no Brasil acabou ganhando outra função. A guarda municipal acabou sendo um braço de apoio da polícia militar, a gente não pode perder isso de vista. Então, às vezes eles vão se deparar com uma situação de LGBTfobia, como que eu lido com essa situação de LGBTfobia? Uma orientação adequada vai suprir essa necessidade, desse guarda municipal, seria interessante fazer com a polícia militar também. Que eles atendem bastante e eles não têm essa orientação, mas vamos por partes. Por enquanto a gente tem esse projeto dentro da municipalidade, eu acredito que vai ser bom, vai ser efetivo, vai ser feito de modo presencial, vai ter material escrito, então vai ser facilitado para esse pessoal entender e poder trabalhar e aplicar, aplicar o que eles aprenderem. Só uma pessoa que passou por situações de constrangimento ou LGBTfobia, pode relatar como faz falta essa orientação para as pessoas que trabalham no serviço público.


# Para a polícia militar vocês teriam jurisdição para atuar? Ou seria algo do estado?

Então não tem esse problema, na verdade a jurisdição é Maringá. A gente na verdade não tem essas amarras. Para você ter uma ideia, dentro do Conselho da Mulher, tem uma cadeira que pro delegado de polícia da delegacia da mulher, a delegacia é um órgão estadual, não tem problema, não tem nenhum tipo de amarra nesse sentido. O que pode acontecer é os comandantes entenderem que não querem. É isso que pode acontecer, mas não existe dificuldade legal para fazer isso.


# Tem algo a mais que você gostaria de dizer? Conclusões.

Falei tanto né? Cheguei até a ficar rouca.

O que que eu quero dizer a respeito do conselho. A gente trabalhou muito para que fosse aprovado. Infelizmente não foi. Mas a derrota não nos impediu de continuar, pelo contrário foi uma força motriz. Foi tão revoltante os motivos as pessoas deram para votar contra a criação do conselho a gente viu ali, ‘nossa estamos sofrendo LGBTfobia novamente’. Na tentativa de criar políticas públicas para a população nós sofremos violência. Isso vai nos parar, vai nos intimidar? Não isso deu forças, deu força, porque da indignação, da violência a gente também consegue tirar força. E a gente vai continuar trabalhando, a gente vai fazer o trabalho pelo qual nós nos propomos, seja com apoio ou sem apoio da municipalidade. Com apoio ou sem apoio da câmara. A gente vai continuar. É lógico que eu falei palavras muito duras em relação à população maringaense, mas quando eu tô falando da população maringaense eu não tô falando de todas as pessoas, das 450 mil, não, eu tô falando de uma maioria. Mas não significa que são todas, tanto que nós temos pessoas muito progressista ao nosso lado. Inclusive, até você tinha perguntado, eu esqueci de te falar, uma das instituições que é fundadora do Conselho, é a ONG Maria do Ingá. E a ONG Maria do Ingá indicou uma advogada, e uma outra pessoa para serem conselheiras, e essas pessoas são hétero. São héteros. Então quer dizer, a gente também tem apoio de instituições diversas que não necessariamente estão relacionadas ao movimento LGBT, e temos apoio também de uma população mais progressista. Isso para nós, por enquanto é o suficiente, a gente quer chegar um dia olhar para Maringá e falar, Maringá agora conseguiu algum progresso, Maringá conseguiu combater as violências, as diversas violências, dentre elas a LGBTfobia. Agora Maringá é de fato uma cidade excelente para se viver. Eu espero um dia chegar e poder dizer isso e não de forma eleitoreira, demagógica, mas falar de fato, agora Maringá está realmente parecendo uma cidade de progresso. É isso.